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Linguagista

«Transfusão autóloga»

O próprio

 

 

      No Bom Dia Portugal de ontem, o jornalista João Tomé de Carvalho perguntou ao imuno-hemoterapeuta Robalo Nunes: «Não temos em prática aquela versão em que é o próprio doente que dá sangue para si próprio?» Chama-se a isto transfusão autóloga, mas o médico não o disse. Também os dicionários desconhecem o termo «autólogo». Bem, mas «imuno-hemoterapeuta» também não está nos dicionários, e até precisava mais, porque se vê por todo o lado sem hífen...

 

 [Texto 1748]

«Meia paralítica»

Algo parecido

 

 

      «Com as “bocas” e o “manzanilla”, de que vinham providos, nos fizemos “amigos”, e à saída o pai convidou-me a ir a sua casa, onde havia uma pequena “tertulia”, com música e dança, para entreter a mulher, meia paralítica» (Novelas Eróticas, M. Teixeira-Gomes. Lisboa: Portugália Editora, s/d [mas de 1961], 2.ª ed., p. 99).

      Montexto já aqui demonstrou mais de uma vez, recordar-se-ão, que, embora os advérbios sejam invariáveis, exemplos em tudo iguais ao do texto, a par do que hoje geralmente se tem por canónico, estão nos clássicos — onde decerto Teixeira-Gomes os foi beber. Qual o alcance, hoje em dia, dessa demonstração? Perante o seu uso, deliberado ou não, não devemos, pese a tentação, padronizá-los, actualizá-los. Muito menos, se podemos dizê-lo assim, em reedições. Evidentemente (mas nem todas as obras terão a sorte dos Fastos Geniais Tirados da Tumba de Merlim, não é, Fernando Venâncio?). Se o autor escreveu «meia paralítica», assim o devemos deixar.

 

 [Texto 1747] 

«Quantas menos, melhor»

Medida e proporção

 

 

      «E já sabe, chefe: quantas menos alterações houver, melhor para todos nós», preveniu-me, de dedo em riste, o homenzinho. Para as gramáticas modernas, a estrutura de uma oração subordinada adverbial proporcional só pode ser «quanto mais/menos..., melhor». Nem sempre, porém, foi assim.

 

 [Texto 1746]

«Auto-segurei-me»!

Herói é o leitor

 

 

      «Nuno foi atrás, até onde o cabo o deixou avançar. Teve de largá-lo e evoluir sem essa segurança, sustentado nos “longes”, duas fitas com mosquetões que foi agarrando, à vez, ao ferro da ponte, sobre dezenas de metros de vazio. [...] “Ele não foi cooperante”. De baixo pareceu agressivo. “Auto-segurei-me com os ‘longes’”» («Nuno, o bombeiro que salvou uma vida ao som dos aplausos», Ivete Carneiro, Jornal de Notícias, 29.06.2012, p. 18).

      Montexto é que vai gostar de ver um bombeiro a «evoluir» e a «auto-segurar-se» nos «longes». Bem, «longe» nunca antes vi nem ouvi. Quanto ao «auto-segurar-se», é um disparate tremendo. E duplo, pois, ao que me assegura um leitor habitual, o jornal segue, ou vai tentando seguir, o Acordo Ortográfico. Logo, «autossegurei-me» (cruzes, canhoto!).

 

 [Texto 1745]

É feminino

Enfaticamente

 

 

      «Ontem, o ministro não se cansou de repetir o ênfase dado à “clareza” das metas que, explicou, não serão apenas um referencial para o trabalho dos professores mas para as provas externas que serão produzidas» («Frações e escrita entre problemas dos alunos», Pedro Sousa Tavares, Diário de Notícias, 29.06.2012, p. 14).

      Problemas dos alunos, mas não só, não é assim? «Ênfase», já o escrevi muitas (mas não demasiadas) vezes, é do género feminino.

 

 [Texto 1744]

Um incêndio com nome

Lá é tudo assim

 

 

      «Centenas de casas ficaram destruídas em Colorado Springs, segunda maior cidade do estado do Colorado, num incêndio que já consumiu pelo menos 7500 hectares de vegetação. [...] Este incêndio, batizado Waldo Canyon Fire, é um entre os vários que estão a afetar a região oeste do país» («Fogo destrói centenas de casas na segunda maior cidade do Colorado», Diário de Notícias, 29.06.2012, p. 35).

      Tudo, é claro, à dimensão do imenso país, eu sei. Grande, imenso. Até os incêndios, pelo menos os grandes, têm nome. Ia-lhe bem o itálico: Waldo Canyon Fire.

 

 [Texto 1743]

Tradução: «plume»

Ainda não chegou cá

 

 

      «Ao analisar e comparar os dois registos de resultados, a equipa verificou que havia uma mudança radical, com sinais claros de uma pluma de gás a escapar-se do planeta à velocidade estonteante de pelo menos mil toneladas por segundo» («Atmosfera de exoplaneta evaporou-se em direto», Filomena Naves, Diário de Notícias, 29.06.2012, p. 35).

      Já tínhamos visto isto, é verdade, mas foi noutro lugar. E os dicionários continuam a não registar a acepção aqui usada, um anglicismo semântico. Plume: «an elongated and usually open and mobile column or band (as of smoke, exhaust gases, or blowing snow)» (in Merriam-Webster).

 

 [Texto 1742] 

«Época glaciar»!

Na página de ciência

 

 

      «A datação dos fragmentos mostra que os recipientes foram produzidos num pico da última era glaciar e terão servido provavelmente para cozinhar os alimentos, mas isso não é exatamente uma certeza» («Humanos já tinham olaria há 20 mil anos», Diário de Notícias, 29.06.2012, p. 35).

      Isto mesmo na página de ciência do Diário de Notícias. Claro que, a avaliar pelo Google, agora a medida de todas as coisas, é já indiferente usar «glaciar» ou «glacial». Mas não: «glaciar» continua a ser somente substantivo. Pode ser confusão — mais uma, mas vá lá a gente saber o que se passa na cabeça desta gente — entre «glaciar» e «glaciário». É que também se diz época glaciária, pois «glaciário» é adjectivo.

 

 [Texto 1741]

Tradução: «roomette»

No Amtrak

 

 

      «To escape the confines of our roomette…» É em vão que procuramos no Dicionário Inglês-Português da Porto Editora tradução para a palavra «roomette». Regista «roommate», e já é um pau. Bem, é «a small private single room on a railroad sleeping car». «Compartimento»? «Cabina»? No sítio da CP, lemos que os passageiros do Lusitânia «podem optar por lugares cama em compartimentos para 1, 2 ou 4 pessoas».

 

 [Texto 1740]