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Linguagista

Que rica televisão

Vejam, vejam, alienem-se

 

 

      «3. Veja-se, ouça-se a metódica destruição das mais delicadas nuances da língua portuguesa nas injeções diárias desse programa sinistro que é Casa dos Segredos (TVI). O militante cinismo de alguns responsáveis televisivos insistirá sempre em proclamar que as grandes audiências são eloquentes... Claro que são (para as contas da publicidade, pelo menos). E importa reconhecer que, no fundo, é de eloquência que se trata: fenómenos de tal dimensão promovem a continuada degradação dos mais genuínos valores que nos fazem ser um país e uma comunidade. Incluindo no modo de falar. Decididamente, já era tempo de as televisões pensarem um pouco sobre a sua própria crise» («Falar mal e não pensar», João Lopes, Notícias TV, n.º 252, p. 72).

 

[Texto 2334] 

«Há seis meses»

Cá estamos para o que der e vier

 

 

      «2. A crise gera as mais diversas formas de austeridade. Exceto na fala. Há dias, um comentador de futebol pontuava mesmo o seu interminável discurso (duas horas sem se calar é obra!) com a inusitada evocação da dramática infância de um dos jogadores... Já nem sequer se acredita na justeza de expressões como “há seis meses”. Poderia dizer-se também “seis meses atrás”. Mas não. Agora passou a ser chique mostrar que se conhecem as duas hipóteses: “há seis meses atrás”. Não, não estou a inventar: ouça-se o anúncio de um automóvel que anda a passar em todas as televisões. E já se sabe: mesmo o mais triste disparate, quando é aplicado pela todo-poderosa publicidade, transforma-se em norma social» («Falar mal e não pensar», João Lopes, Notícias TV, n.º 252, p. 72).

      Qual chique! Ignorância da língua. E não são apenas os mais novos que falam assim, mas todos. Júlio Machado Vaz, no programa da rádio O Amor É, não fala de outra forma: «há ... atrás». Talvez também aqui o soberano senhor que é o uso desfaça inexoravelmente o que é lei.

 

[Texto 2333]

«À última (da) hora»

«O uso é soberano senhor»

 

 

      «1. “Dizer que...” “Lembrar que...” “Acrescentar que...” A epidemia começou com os comentadores de futebol e foi tomando conta de muitos repórteres e jornalistas: já não há tempos de verbos, a não ser o infinito. Claro que o erro na fala, em particular na sempre difícil tarefa que é o direto televisivo, é coisa normal e perfeitamente compreensível. Mas não é isso que está em causa. É, isso sim, o horror da norma a consagrar o desconchavo gramatical. Afinal de contas, vivemos no país em que já quase ninguém sabe dizer “à última hora”, consagrado que está o macabro “à última da hora”. Dúvida pedagógica: qual o papel (e o efetivo poder) dos responsáveis editoriais face à degradação da língua?» («Falar mal e não pensar», João Lopes, Notícias TV, n.º 252, p. 72).

      Já tratámos desta questão no Assim Mesmo, tendo então lembrado o que, a propósito das expressões à última hora e à própria hora, escreveu Vasco Botelho de Amaral no Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português (Porto: Editorial Domingos Barreira, 1947, p. 236): «Não resta dúvida que estas formas (sem da) são mais correctas, porém menos correntes. Inclusivamente os que prezam a gramática deixam fugir a dição preposicionada.» Terminava, contudo, afirmando que «quanto à sua correcção ou incorrecção, não se aflijam os gramáticos, não se impacientem os curiosos, nem se precipitem os indisciplinados: — o uso é soberano senhor que vai fazendo e desfazendo leis».

 

[Texto 2332]

«Quadrado», «square»

Importado com as telenovelas?

 

 

      «Os matristas, mais inclinados ao “ser” do que ao “fazer”, tendem a deixar que os outros sigam o seu próprio caminho. Normalmente, não irão insistir com os puritanos para que estes ponham de parte as suas inibições e adquiram novos hábitos. Podem zombar deles, chamar-lhes square, tentar, mesmo, envergonhá-los um pouco; mas não estabelecem dispositivos de controle» (Pensar o Futuro: Uma Solução Progressiva, Gordon Rattray Taylor. Tradução de Virgílio dos Reis Cadete Valadas. Lisboa: Editorial Verbo, 1973, p. 63).

      O leitor Rui Almeida, que me enviou a citação acima, diz que «uns anos depois poderia muito bem ser substituído por “quadrado”,  vulgarizado entre nós por via da cultura brasileira». Para começar, o tradutor devia ter evitado aquele inconcebível square. Foram os Brasileiros que forjaram o sentido e no-lo mandaram juntamente com as telenovelas? É verdade que o Dicionário Houaiss afirma que é regionalismo brasileiro — mas diz o mesmo, erradamente, de outros vocábulos, como já vimos. Já em Vieira, segundo Morais, homem quadrado era o homem constante nas adversidades. Não se terá passado daqui para o sentido de pouco receptivo a inovações; convencional; retrógrado; tradicionalista? Claro que, como facilmente se conclui, nada disto impede que esta particular acepção tenha sido forjada no Brasil.

 

[Texto 2331]

«Craniofacial», de novo

Mas agora o erro é num jornal

 

 

      «Cristiano Ronaldo integrou, sem limitações, o treino de ontem do Real Madrid, quatro dias depois de ter sido atingido com uma cotovelada por David Navarro, defesa do Levante. O português sofreu um traumatismo crânio-facial com ferida no olho esquerdo que provocou tonturas, perturbações na visão e dores de cabeça, conforme explicou Henrique Jones, médico da seleção» («Jogador regressa aos treinos no Real», Diário de Notícias, 16.11.2012, p. 39).

 

[Texto 2330]

«Forças vivas»

Mas não no sítio certo

 

 

      «A ideia partiu da presidente da Junta de Freguesia do Porto Martins, Rita Branco, e arrancou há cerca de um mês, apenas com a colaboração dos funcionários da autarquia e do grupo de escuteiros, mas neste momento já envolve todas as forças vivas da localidade, desde o grupo de idosos à comissão da Igreja Católica» («Iluminações de Natal serão feitas com lixo em freguesia dos Açores», Diário de Notícias, 16.11.2012, p. 22).

      Tanto quanto pude apurar, a locução começou a ser usada no início do século XIX e há-de ser a tradução do francês forces vivantes. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista-o, mas talvez não no sítio certo, pois está no verbete «vivo»: «forças vivas conjunto de entidades que contribuem para a vida e prosperidade de um lugar ou de uma região».

 

[Texto 2329]