Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Este «avuncular»...

Deixa ficar como está

 

      «Entre estes [refere-se aos revisores] conheci límpidas criaturas de tacto e ternura ilimitados que discutiam comigo um ponto e vírgula como se fosse um ponto de honra – o que, na verdade, é muitas vezes um ponto de arte. Mas também me cruzei com alguns brutos pomposos e avunculares que tentavam “fazer sugestões” a que respondia com um trovejante “Vale!”» (Opiniões FortesVladimir Nabokov. Tradução de Carlos Leite. Lisboa: Relógio D’Água, 2015, p. 100).

      Se eram meras sugestões, não sei para que era o «vale!» (stet, em inglês), que serve para anular emendas. Um pormenor. Mais: supondo que o avuncular do original está correcto, em português não o está certamente. À letra está certo, sim, mas, se não estamos perante um falso cognato*, não sei que diga. Gostava de ver Nabokov a lidar com certos revisores que o atanazassem com a imputação de falsos erros. Desistia de escrever e ia borboletear atrás dos seus queridos lepidópteros...

 

[Texto 6007]

 

      *  E por falso cognato: Martin Amis escreveu que este «‘avuncular pompous brute’ is exquisite».

«Los dóberman»

E aqui ao lado...

 

     Em castelhano também não faltam casos estranhos. Por exemplo, as palavras esdrúxulas terminadas em n mantêm-se invariáveis, regra que apresenta apenas duas excepções: o plural de régimen é regímenes e o de espécimen é especímenes. A outra excepção, para mim, não o é verdadeiramente: o plural de hipérbaton é hipérbatos. É o que se lê nas gramáticas, mas se há hipérbato e hipérbaton, não é verdade que o plural de hipérbaton, esdrúxula, seja hipérbatos. O plural de hipérbaton é, como em português, hipérbatones. Felizmente, são palavras, ou pelo menos esta última, com pouca frequência de uso. Não se passa, porém, o mesmo com todas as abrangidas pela regra. Considere-se o vocábulo dóberman. Diz-se, contra tudo o que é natural, los dóberman. Ora, casos destes temos nós em português.

 

[Texto 6006]

«Fez o que tinha que fazer»

Je n’ai rien à faire

 

      «O Syriza foi eleito em Janeiro deste ano com 36,3% dos votos e um programa que não tem nada a ver com aquele que as instituições exigem que a Grécia aplique. Colocado entre a espada e a parede, Tsipras fez o que tinha a fazer» («Tsipras fez o que tinha a fazer», João Miguel Tavares, Público, 30.06.2015, p. 48).

      São os piores, porque mais insidiosos, estes galicismos sintácticos. Diz-se, em português estreme, decente, nada ter que ver e fez o que tinha que fazer. E mesmo aquele «colocado» está ali só para encher a frase. Veja-se: «Entre a espada e a parede, Tsipras fez o que tinha que fazer.» «Entre Cila e Caríbdis, Tsipras fez o que tinha que fazer.» «Entre a cruz e a caldeirinha, Tsipras fez o que tinha que fazer.»

 

[Texto 6005]