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Linguagista

Léxico: «mono-, bi-, tri- e tetracilíndrico»

Só «monocilíndrico»?

 

      A última vez que li a palavra tricilíndrico foi... hoje: «E é por isso que a SIVA aposta no motor tricilíndrico 1.0 de 110cv estreado no Polo, tendo criado para o Golf um subnível Trendline Pack, visando clientes particulares, que, já com um certo nível de equipamento, tem um preço de campanha de 22.900€ (preço-base, 24.529€), sendo o Golf mais acessível» («Volkswagen Golf 2017. Mais equipamento e aposta na gasolina», João Palma, «Fugas»/Público, 25.03.2017, p. 29). Sim, agora vejo-a de quando em quando. Devia, por isso, ir para os dicionários? Não sei, mas acho um pouco estranho que no Dicionário de Italiano-Português da Porto Editora a bicilindro façam corresponder apenas «de dois cilindros», porque podiam perfeitamente traduzir por bicilíndrico, que li pela última vez também no Público, a 25 de Janeiro, a propósito da espantosa BMW nineT Scrambler. Os argumentos decisivos para dicionarizar estes adjectivos são, então, usarem-se e aquele dicionário registar já monocilíndrico. Faltam, pois, bicilíndrico, tricilíndrico e tetracilíndrico.

 

[Texto 7625]

Léxico: «estatina»

Deusas e doenças

 

      E a propósito de farmacêuticos: na semana passada, uma pessoa que estava a ler um jornal inglês perto de mim perguntou-me o que eram statins. Disse-lhe que em português se diz estatinas e, do que eu sabia, o que fazem. Honestamente, creio ter dito mais do que fazem os dicionários, e não acabara de ler a Terapêutica Dermatológica de Stephen E. Wolverton. «QUÍMICA fármaco usado para controlar os níveis de colesterol», lê-se no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Não apenas se diz, actualmente, que o mais provável é que a capacidade das estatinas para baixar a inflamação é que traz benefícios e não a capacidade de baixarem o colesterol, como se conhecem os seus efeitos benéficos sobre o sistema imunitário, o sistema nervoso central e os ossos. Ou seja, pode dizer-se muito mais sobre as estatinas. Sobre o seu uso exagerado na prevenção primária, os muitos efeitos secundários e riscos, um dicionário geral da língua não tem de falar.

    O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora apresenta ainda, neste verbete, outro problema: a etimologia. Indica que provém «Do latim Statina, “divindade”». Isso só é verdade para a primeira acepção: 1. MITOLOGIA divindade invocada na Antiguidade romana quando as crianças davam os primeiros passos». Estatina vem de mevastatin, o nome que o bioquímico japonês Akira Endō deu a esta primeira estatina, e depois -statin passou a sufixo de todas as estatinas. O que já é verdade é que o nome da deusa romana está ligado à raiz indo-europeia stā-, «estar, manter-se de pé», o mesmo acontecendo com o sufixo -statin. Quem souber mais, fale agora ou cale-se para sempre.

 

[Texto 7624]

Tradução: «pharmacien chimiste»

Ainda é assim?

 

      O pai era «pharmacien chimiste et travaillait dans la recherche». Acho que em português nunca tinha visto. Sim, farmacêutico-químico — como a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira o grafa: «O curso universitário da Faculdade de Farmácia dá o título de farmacêutico-químico e os graus de licenciado e doutor em Farmácia» (vol. X, p. 946). Mas isto era na década de 50.

 

[Texto 7623]

Tradução: «mugshot»

Foto da ficha policial

 

      «Sarah Fowlkes, de 27 anos, professora numa escola em Lockhart, no Texas, pode enfrentar uma pena até 20 anos de prisão depois de ter sexo com um aluno de 17 anos. […] Na sua “mugshot” (fotografia tirada na esquadra) sorriu, ao invés de mostrar um semblante mais carregado ou conformado» («Professora sorri para a foto da polícia depois de ter sexo com aluno menor», Diário de Notícias, 23.03.2017, 19h11).

      O jornalista achou graça à palavra mugshot e teve de a usar. Por sorte, diga-se, a definição é melhor do que a de alguns dicionários. O Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora, por exemplo, define-a assim: «(polícia) identificação fotográfica». Não é clara. A definição do Concise Oxford Spanish Dictionary não está nada mal: «foto (de archivo policial)». Tal como a do Diccionari UB Anglès-Català: «retrat d’un delinqüent en la fitxa policial». Na origem, estaria relacionado com uma caneca de cerveja, e que não seria bonita. O dicionário da Porto Editora carrega nas tintas (expressão que o da língua portuguesa não regista) e diz que mug é «tromba; fuças; ventas». E falta dizer que mugshot é informal.

 

[Texto 7622]

Tradução: «mouth-to-snout»

Ai Jesus!

 

      «Mouth-to-snout resuscitation saves dog in fire» (London Evening Standard, 24.03.2017, p. 25). Li ontem esta notícia a meio da tarde, e fiquei com curiosidade sobre a forma como a traduziriam os nossos meios de comunicação. Literalmente, pois claro, mas tiveram receio de a deixar sem aspas: «A proeza foi lograda após 20 minutos de respiração ‘boca-a-focinho’, que trouxeram o animal de volta ao mundo dos vivos.» Isto no corpo da notícia, que no título nada podia figurar que cheirasse a zoofilia ou qualquer outra parafilia a pedir internamento ou bastão policial: «Bombeiro salva cão após 20 minutos de respiração boca-a-boca» (André de Jesus, SIC, 24.03.2017, 19h16).

 

[Texto 7621]

Léxico: «desomorfina»

A pior de todas

 

      «É coordenada por investigadores portugueses a única equipa que já desenvolveu métodos laboratoriais para analisar a “krokodil” e detectar a sua presença no sangue e na urina. Esta droga, altamente destrutiva, tem como principal componente psicoactivo o opióide semi-sintético desomorfina. Foi detectada há uma década na Rússia. […] Os efeitos aditivos [sic] e tóxicos da droga — conhecida por “krokodil” por causa da aparência escamosa e esverdeada que provoca na pele dos consumidores depois de administrada por via intravenosa — “são muito graves e imediatos após a primeira toma, como a descoloração da pele e o aparecimento de úlceras, necrose e flebites e, no limite, podem levar à amputação dos membros”» («Já há um método para analisar e detectar a perigosa “krokodil”», Susana Pinheiro, Público, 25.03.2017, p. 23).

      Inventada, sintetizada, em 1932, nos Estados Unidos, o nome deste derivado da morfina — e dez vezes mais potente do que a morfina — já está capaz de ir para os dicionários.

 

[Texto 7620]

Aborto ou feticídio?

Uma dúvida

 

      «Barcelos. Autor de massacre indiciado de 4 crimes de homicídio e 1 de aborto» (Rádio Renascença, 24.03.2017, 22h04).

      Hão-de pensar que venho increpar o uso de «massacre» em vez de «chacina» — também, mas não só. Num caso destes, podemos falar mesmo de chacina, mortandade, sem parecermos pateticamente hiperbólicos? E, sobretudo, estamos mesmo perante um crime de aborto? Ao que me parece, o nosso Código Penal só fala de duas figuras criminais que podiam estar em causa, aborto e infanticídio, mas não vejo que o crime de Barcelos se encaixe em nenhuma delas. Não faltará aqui uma terceira figura, intermédia — o feticídio? Que se pronunciem os juristas.

 

[Texto 7619]