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Linguagista

Léxico: «micar»

Engenho

 

      Só me doía um pé, não sou surdo. O que o técnico de som disse, depois de me pôr o microfone e o receptor, foi: «Os convidados já estão micados.» Claro que é gíria — mas há muitos termos da gíria nos dicionários. É, isso sim, a força da língua, a necessidade a aguçar o engenho. O pior é sempre querer saber-se e não se encontrar em lado nenhum.

 

[Texto 7795]

«Ultreya e Suseya»

Nem Sacconi

 

      Ah, Ultreia, viram bem... Estão atentos. Não, este nem Sacconi nem nenhum outro dicionário. É castelhano — ou algo aproximado. «Ultreya – (do latim ultra – ir além e eia – interjeição para movimentar-se) é um cumprimento entre os peregrinos do Caminho de Santiago. Serve também para animar-se nas jornadas a pé, cavalo ou bicicleta. Este cumprimento jacobeu tomou-se do Codex Calixtinus. Nele aparece a frase “Ultre ia Et Sus eia! Deus adjuva nos!” (“Vamos além e para más allá y vamos más arriba! Deus nos ajuda!”)» (Duas Vidas, Um Caminho: redescobrindo o amor, Tácio Renato Pizzi Caputo. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros, 2008, p. 295). Diacho, e jacobeu e jacobita não é o relativo a Santiago de Compostela, que também nós usamos? Fora dos dicionários?!

 

[Texto 7794]

Léxico: «cursilho»

Até Sacconi...

 

      «O prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, D. João Braz de Aviz, foi o escolhido pelo Papa Francisco para o representar na V Ultreia Mundial dos Cursilhos de Cristandade» («Fátima acolhe encontro mundial dos Cursilhos de Cristandade», Paula Costa Dias, Rádio Renascença, 4.05.2017, 14h00).

      Então o velho Sacconi regista cursilho e o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não?! Se queremos saber do que se trata, consultamos o Dicionário de Português-Neerlandês: «RELIGIÃO (Católica) kerkelijke beweging ter verdieping van de fundamentele geloofswaarheden». Está bem, dá para perceber que falta uma acepção. Alstublieft.

 

[Texto 7793]

Léxico: «barreira new jersey»

Obrigado, Humberto Silva

 

      «“Estamos numa operação diferente, é uma peregrinação diferente. Com os casos que têm acontecido por esse mundo fora, tem de haver mais cuidado e rigor. Já é o quarto Papa que recebo na minha terra. É a primeira vez que vamos usar ‘new jerseys’ [blocos em cimento] em vários pontos fulcrais da cidade”, anuncia o autarca [Humberto Silva, presidente da Junta de Freguesia de Fátima]» («Santuário de Fátima terá blocos de betão para evitar atentados com veículos», Maria João Costa, Rádio Renascença, 3.05.2017, 16h50). Ficamos a saber, e para quem quiser ficar a conhecer a história destas barreiras, veja aqui.

 

[Texto 7792]

Fachos portugueses e franceses

Com ovos, não com balas

 

      «À chegada de Le Pen à empresa de transportes, em Dol-de-Bretagne, cerca de 50 manifestantes gritaram “Fora com os fachos!” e “A senhora não tem nada a fazer aqui”, ao mesmo tempo que lançavam ovos na direção da candidata da Frente Nacional no momento em que saía do automóvel» («Le Pen recebida com ovos em visita a empresa na Bretanha», TSF, 4.05.2017, 15h47). Sim, e em francês é exactamente igual: «Son service d’ordre a immédiatement réagi pour mettre la candidate d’extrême droite à l’abri. Les œufs ont vraisemblablement été lancés par un groupe d’opposants. Ils étaient une cinquantaine à scander des slogans hostiles tels que “Dehors les fachos” ou “Vous n’avez rien à faire ici, Madame”» («Marine Le Pen accueillie par des jets d’œufs à Dol-de-Bretagne», Claire Tervé, HuffPost, 4.05.2017, 14h13). É um pouco estranho que em francês seja também facho. Não terá sido forjado à semelhança de anarcho?

 

[Texto 7791]

O AO90 desinterpretado

Mais uma machadada

 

      É só uma coisinha, mas a língua é feita de uma multiplicidade de coisinhas. A Rádio Renascença pediu a Sara de Almeida Leite que «desfizesse alguns mitos» sobre o Acordo Ortográfico de 1990. Mitos, enfim... À pergunta sobre se passa a ser obrigatório escrever os nomes das ruas e das disciplinas com minúscula, respondeu Sara de Almeida Leite: «Não. O uso de minúscula, nesses casos, é opcional. Assim, quem quiser pode continuar a escrever “Avenida da Liberdade” e “Matemática”, em vez de “avenida da liberdade” e “matemática”» («Oito mitos sobre o acordo ortográfico», Marta Grosso, 4.05.2017, 18h03). Espero que pouca gente menos fadada para a língua leia o texto, ou vamos ver mais vezes «avenida da liberdade», «avenida mário soares», e por aí fora. Para já, Marta Grosso, corrija, se faz favor, que isso não está escrito na pedra. Quantas vezes já eu li que «o 25 de abril» trouxe isto e aquilo. Agora, pode piorar um pouco.

 

[Texto 7790]

Léxico: «deseuropeizar»

Outros centrismos

 

    EUA garantem que não vão sair das Lajes. Já em 1965 René Dabernat, antigo redactor diplomático do jornal Combat e especialista em assuntos económicos e financeiros de Le Monde, escrevia que o «asiocentrismo será a primeira consequência — ou a primeira causa — de um mundo bruscamente deseuropeizado». Assim, está mais do que na hora de registar também, a par de eurocentrismo, americocentrismo e asiocentrismo. Se acharem demasiado arrojado ou prematuro, pelo menos não se esqueçam de que no Aulete e noutros dicionários está o verbo deseuropeizar.

 

[Texto 7789]

Léxico: «bimilenar»

Recolham-na do limbo

 

      Estava nos bastidores da SIC e usei a palavra. Ficou toda a gente a entreolhar-se e a revirar os olhos, julgando que eu estava louco. Esta segunda parte é mentira. (Só tenho um hematoma assustador no pé esquerdo, de uma queda na segunda-feira.) Usei a palavra e depois lembrei-me: não a apanham no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Ó faz favor!

 

[Texto 7788]

São Miguel-o-Anjo

Em que se fala de pepinos e anjos

 

      «O protocolo para o restauro do farol-capela de São-Miguel-o-Anjo, no Porto, vai ser assinado esta quinta-feira, em resultado de uma parceria entre a Direcção Regional de Cultura do Norte, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) e a Associação Comercial do Porto» («O primeiro farol construído em Portugal vai ser restaurado», Sara Beatriz Monteiro, Rádio Renascença, 4.05.2017, 11h00).

      Ena, pá, isso são muitos hífenes! Vá, menos um, pelo menos: São Miguel-o-Anjo. Dantes, já o lembrei certa vez, o cognome ligava-se por hífen ao nome: Pedro-o-Cru, Joana-a-Louca, Pepino-o-Breve, etc. Gosto, e até preferia que se escrevesse ainda assim. Não, não estamos impedidos de o fazer. E evitava-se o itálico, esse tipo bêbedo.

 

[Texto 7787]

Como se escreve por aí

Escolham — se puderem

 

      Na Rádio Renascença: «Ecrãs tácteis podem provocar atrasos na fala das crianças» (4.05.2017, 8h13). Na TSF: «Estudo: Écrans táteis podem causar atrasos na fala das crianças» (4.05.2017, 11h21).

 

[Texto 7786]

Léxico: «estrangeiridade»

Cadê a palavra?

 

      Continuo aqui com o homem do bigode, o filósofo de Friburgo, e, a determinado passo, leio «die Fremde». Pânico nos dicionários! O Aulete, porém, salva tudo (queiram parabenizá-lo por mim), pois regista estrangeiridade: «Característica ou condição do que é estrangeiro.» E registe-se que a palavra é usada também cá deste lado do Atlântico, pois claro, faz falta.

 

[Texto 7785]