Fica a gente perplexa! Um tradutor devia conhecer antes, primeiro, acima e melhor que tudo a sua própria língua. Pois bem, estes parece que sabem melhor a outra, ou pelo menos que não a ignoram tanto.
Quão mudados, etc.
Montexto a 24 de Novembro de 2011 às 11:15
Eu, que tradutor me confesso, fico perplexo com a dureza com que aqui são amiúde zurzidos os oficiais do meu ofício. E não me refiro aos zurzidores montextuais, que outra coisa não fazem senão zurzir tudo e todos, a torto e a direito. Refiro-me especificamente ao anfitrião deste blogue, que, por força da sua profissão principal, lida todos os dias com o que de bom e de mau se faz neste país em matéria de tradução, e com frequência partilha connosco as suas angústias (ignoro ser depois de o ter feito com os seus zurzidos). Hoje, então, a minha perplexidade foi aos píncaros, pelas razões que passo a expor:
1ª. Porque, num exemplo claro da velha pecha que consiste em tomar a nuvem por Juno, atribui a existência de tradutores que juram que certas palavras se traduzem de determinada maneira à possível existência de uma qualquer "teoria tradutológica" relativa a vocábulos intraduzíveis.
2ª. Porque propõe, como boa tradução de "pie", "tarte", o que é, salvo melhor opinião, um galicismo desnecessário.
3ª. Porque, num comentário lateral, diz que "alguns confundem [tartes] com tortas...". É uma "confusão" em que caem nomeadamente os dicionários Houaiss da Língua Portuguesa e Priberam, para citar dois dos três que existem na sala de leitura em que estou neste momento. O terceiro (Dicionário Universal da Língua Portuguesa) nem sequer regista "tarte".
Francisco Agarez a 24 de Novembro de 2011 às 12:41
Caro Francisco Agarez: seria escusado dizer que não me reconheço, nem pouco mais ou menos, no retrato que traça de mim. Primeiro, eu não zurzo em ninguém. Eu nem sequer zurzo em quem me quer zurzir. Veja, por exemplo, a afirmação recente de Pedro Lomba de que, de vez em quando, tropeço. Segundo, não escrevo para me mostrar mais inteligente — escrevo, como sempre fiz, para organizar as minhas próprias ideias e, agora com os blogues, para ajudar outros. E tenho a certeza — neste aspecto sou imodesto — de que o consigo. Ajudo revisores, tradutores, autores, ajudo todos quantos querem escrever e têm dúvidas. É claro que, pelo caminho, há sempre alguém que fica melindrado, ou ofendido, ou a remoer rancores. Paciência.
Caro Helder Guégués: seria escusado dizer-me que ajuda revisores, autores, tradutores, ajuda todos quantos querem escrever e têm dúvidas. Nada disso pus em causa no meu comentário, até porque seria no mínimo estulto e ingrato, porque sou beneficiário líquido da sua disponibilidade para ajudar. Se não sabia que tenho por si a maior consideração profissional enquanto revisor, fica agora a sabê-lo. Sem hesitações nem ambiguidades. Se acaso já sabia, por quaisquer indícios que tenha captado, aqui tem a confirmação. Presto no branco. Quanto a escrever para se mostrar mais inteligente, não depreendeu certamente essa sugestão das palavras do meu comentário.
Mas vamos ao que interessa, cingindo-me exclusivamente ao seu texto de hoje:
1º Que é, senão zurzir o tradutor, afirmar que ele "jura que são pies", sem esclarecer em que circunstâncias foi produzida semelhante jura? Não é o mesmo que dizer que, além de ignorante, é teimoso?
2º Que é, senão zurzir o tradutor, insinuar que "Deve haver alguma teoria tradutológica a afirmar que é vocábulo intraduzível."? Não é a ironia fácil uma das armas mais mortíferas do bom zurzidor? Ou será que o meu amigo acredita mesmo na existência das tais "teorias tradutológicas", e em que um tradutor que insiste em manter "pies" onde se vêem "empadas" ou "empadões" (como muito bem sugere Fernando Venâncio) tem competência para inventar as ditas teorias?
3º Que é, senão zurzir o tradutor, acrescentar um sibilino "Mais um."?
4º Não sei se se refere a mim quando escreve: "É claro que, pelo caminho, há sempre alguém que fica melindrado, ou ofendido, ou a remoer rancores. Paciência."
Se se refere a mim, refere-se muito bem. Fico melindrado sempre que vejo pessoas pelas quais tenho grande consideração caírem na facilidade da generalização injusta.
Pode ser que não seja sua intenção zurzir ninguém. Mas nem sempre as intenções se vêem confirmadas nas acções.
5º Continuo a pensar que "tarte" é um galicismo desnecessário, e acrescento desajustado. Empada, ou empadão (conforme o tamanho, pormenor, aliás, despiciendo) são, segundo julgo saber, bem vocábulos bem mais portugueses.
6º Comungo com o Helder Guégués na preocupação com a qualidade das traduções, e faço os possíveis, no meu trabalho diário, para que essa qualidade não se degrade. Se consigo ou não, não me cabe ajuizá-lo. Mas a quem caberá?
Com a mesma consideração de sempre.
Francisco Agarez a 24 de Novembro de 2011 às 16:47
Caro Francisco Agarez, só quero dizer-lhe isto: nunca viso pessoas nos meus textos. Interessam-me, aqui no blogue, as palavras, as ideias, os conceitos. Tudo o resto é secundário. E até, em certo sentido, me sinto incapaz de sarcasmos, talvez pelo muito treino em evitá-los, porque respeito as pessoas. Ironia, sim.
Pela parte que me toca, assuntto encerrado.
Francisco Agarez a 24 de Novembro de 2011 às 16:59
Mais do que perplexo, agora fico baralhado: afinal é «montextiano», como se disse há pouco, ou «montextual»? Decidi-vos lá, e tirai-me desta angústia lancinante, apesar de adjectiva.
*
Seja como for, os tais zurzidores não se podem limitar a zurzir autores de comentários como esse que aí fica, por muita matéria que ofereçam à necessária correcção. Há muitos outros a pedir por boca igual tratamento, posto que porventura menos merecido. O Sol e o correctivo (mas não a emenda) nascem para todos. Lá chegará a vez de cada um, como já vai chegando.
Montexto a 24 de Novembro de 2011 às 15:14
Os sites flamengos (Breughel o Velho era flamengo), falam em soep (sopa) e pap (papa), transportadas na porta-padiola. Veja-se o quadro com grande resolução (na Wikipedia). É realmente isso o que parece. Usar pies é duplamente parvo: é designação inglesa e, francamente, pies são outra coisa.
Venâncio a 24 de Novembro de 2011 às 12:42
Papa acredito que possa ser — sopa, não. Repare, Fernando, como a figura entre os dois criados tem na mão direita um desses recipientes. Repare agora na inclinação em que está. Se fosse sopa, entornava-se, ou não? De qualquer modo, a questão está mesmo na tradução de pie, que é o termo usado na obra. E vamos vertê-lo por tarte ou por torta? Afigura-se-lhe mais tortas ou tartes o que está nos recipientes? E será tarte um galicismo desnecessário?
É verdade: se fosse "sopa", entornava-se, com aquela inclinação. Mas uma coisa não entendo inteiramente. No post, o Helder diz que «o tradutor jura que são pies», enquanto no comentário acima fala na «tradução de pie, que é o termo usado na obra», infiro que no original, já que é preciso "traduzir" pie. Significará isso 1. que o original diz pie (o que é um erro patente) e 2. que o tradutor quer conservar esse termo (e esse erro)?
Venâncio a 24 de Novembro de 2011 às 14:19
Está pie no original e o tradutor deixou pie.
Se se aceitar pie do original, mesmo sendo designação adequada, eu traduziria por empada ou empadão. Será eventualmente tarte, que, ainda sendo galicismo, está definitivamente adoptado. Quanto a torta, vejo no Google Imagens que é usado em vários idiomas para o que é uma "tarte", um bolo redondo e espalmado. Mas associo o termo, antes, a um bolo cilíndrico. No fundo, no fundo, o que está nos recipientes é mais (repito) uma papa, prato familiar muito "Países-Baixos", hoje em franco desuso.
Venâncio a 24 de Novembro de 2011 às 14:37
Associa o Fernando, eu e, por exemplo, o
Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora:
torta é «bolo enrolado com recheio doce ou salgado».
Empada também me agradaria, não fosse associá-la antes (como a define o mesmo dicionário) ao pastel de massa, com recheio de carne, peixe, marisco, etc., levado ao forno
em pequenas formas.
Em última análise, quase todos os vocábulos sugeridos nos vários comentários podiam ser utilizados para significar a iguaria tal qual se apresenta na pintura. O que se me afigura de todo o ponto inadmíssivel é deixar ficar «pie» numa tradução para português. E custa-me a acreditar que alguém não convenha nisto, que em rigor foi só o que reamente se censurou no texto comentado.
Montexto a 24 de Novembro de 2011 às 15:32
l
Montexto a 24 de Novembro de 2011 às 15:34
Nem mais. Nem o sindicato deixaria passar esta impune. Pie em português?!
Nunca fiando. Melhor não pôr as mãos no lume... La lingua trema.
Montexto a 24 de Novembro de 2011 às 15:43
Apenas para "colocar" (epa! por) mais lenha no forno onde foi assada essa pie, eu direi que é, nada mais, nada menos que um delicioso quiche.
Paulo Araujo a 24 de Novembro de 2011 às 15:59
Brincadeiras à parte, concordo com o Sr. Venâncio; observem que há duas iguarias (palavra complexa e bem portuguesa), uma de cor branca e outra mais escura; uma deverá ser a soep e a outra a pap. Pie, certamentea, não traduz qualquer das duas, que dirá as duas.
Paulo Araujo a 24 de Novembro de 2011 às 16:07
Sim, também suponho que a branca é a soep (leia-se sup), já que a outra é consistente, não resvala. Brincadeiras à parte, claro, Sr. Araújo ;)
Venâncio a 24 de Novembro de 2011 às 17:15
Correções nos meus comentários: 'certamente' e 'pôr'.
Paulo Araujo a 24 de Novembro de 2011 às 21:36
"Brincadeoras à parte", a que me referi, as minhas, claro.
Paulo Araujo a 24 de Novembro de 2011 às 21:38
'Brincadeiras', óbvio. Espero não precisar fazer mais correções. Não gosto de errar neste blogue, mas a letra miúda contribui.
Paulo Araujo a 24 de Novembro de 2011 às 21:40
Tem razão, Paulo. Já pedi ao Helder que aumentasse um tudo-nada a letra neste espaço. Não sei se o sistema o permitirá.
Venâncio a 25 de Novembro de 2011 às 00:01
Não permite. Há, porém, duas soluções: escrever-se no Word e colar aqui e, ainda mais prática e que aconselho, aumentar o tamanho (zoom +) de tudo no navegador (browser). Em certos casos, posso apagar a mensagem anterior e o leitor ou eu próprio colar a nova. MAS ATENÇÃO: neste caso, poderá não aparecer na mesma ordem, pois outros comentários podem entretanto ter sido publicados.
Obrigado, Helder. A primeira solução não parece ideal, pois (por qualquer misteriosa razão) as letras do Word contam por mais, e o sistema diz que ultrapassámos o espaço. Nem sempre é assim, mas é o panorama geral. A segunda solução pode também não ser prática, pois torna grandes de mais outros textos, em que não se desejava ampliação.
Acontece que esta letra em que escrevo é mais pequena que a que vai surgir no ecrã como comentário. Acontece, também, que uma fonte não serifada, como é esta, torna a leitura, e a escrita, adicionalmente difícil. Eu sei: fontes serifadas são mais "pesadas" (são também mais bonitas...), e essa circunstância conta no mundo digital, com crise ou sem ela.
Em suma: não se resolve grandemente a questão. Mas não será por isso que comentarei menos.
Venâncio a 25 de Novembro de 2011 às 11:04
Em relação à primeira solução, é, na verdade, quase sempre assim, mas descobri que, depois de aparecer essa mensagem do sistema, se copiarmos o que está na caixa de comentário, sairmos da caixa, voltarmos a entrar e colarmos o comentário, o sistema aceita. Em relação à segunda solução, se reduzirmos, depois de termos escrito o comentário, novamente tudo a 100 % (valor por defeito), essa desvantagem não existe.
A expressão «por defeito» que o Helder usou é uma das que eu mais tento evitar. Costumo preferir «por omissão».
Fernando Ferreira a 25 de Novembro de 2011 às 12:00
Digamos então por omissão.
Com respeito ao problema da fonte nesse blogue, as ponderações do Sr. Venâncio e as respostas do Helder esgotam o assunto, pois parece não haver alternativa à letra miúda. As serifadas são, em verdade, mais legíveis e são 'letras', na acepção histórica da origem latina do nosso alfabeto.
As grotescas vieram no século XIX, não sei com que próposito, acho que são mais úteis na propaganda. Mas há grotescas e grotescas. Tentei identificar qual seria essa do blogue mas não consegui; toda vez que corto e colo, seja o que digitei, seja o que estou lendo, o resultado sai em Times New Roman, que não faz sentido para mim, pouco versado nos mistérios da computação. No caso de o blogue ser formatado em Windows, a MS tem a Verdana, uma grotesca de formato maior. Esta usada não é Arial, nem Tahoma, nem Verdana, pois a letra 'l' minúscula não tem a forma do 'I' maiúsculo. Uma solução, (se possível), seria usar uma fonte como a Optima, uma serifa disfarçada, como são conhecidas ela e suas similares. Apenas mais uma sugestão.
Paulo Araujo a 25 de Novembro de 2011 às 12:41