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Linguagista

Sobre «bullying»

Andam a bulir com a língua

 

 

      O economista brasileiro Roberto Macedo escreveu hoje no Estadão sobre esse anglicismo omnipresente que é bullying: «Pensando no referido comportamento, recordei-me de palavras que, quando criança, ouvia para descrevê-lo. Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia “fulano buliu comigo”. Aí está o bullying, e nessa e noutras formas em dicionários da nossa língua.

      O meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros. E não consta como regionalismo. Neste caso, no Nordeste tem também o significado de tirar a virgindade. Acrescente-se que nas duas línguas as palavras começam da mesma forma, mas ignoro se têm etimologia comum.

      O mesmo dicionário tem também bulimento, o ato ou efeito de bulir, e bulidor, aquele que o pratica. Ou seja, temos palavras para designar tanto o sujeito (bully), como o verbo (to bully) e o ato decorrente (bullying). Acrescente-se que no desnecessário uso deste último anglicismo se fica só na referência ao ato, dificultando ou desnecessariamente estendendo textos, o que é feito não apenas corriqueiramente pela imprensa, mas também por gente importante» («‘Bullying’ é bulir com a língua portuguesa», Roberto Macedo, Estadão, 3.06.2011).

      Já tínhamos visto no Assim Mesmo que, no contexto, palavras como «perseguição» ou «intimidação» são adequadas para exprimir a mesma ideia.

 

[Texto 101]

«Estereótipo» e «inêxito»

O interesse dos debates

 

 

      Maria Flor Pedroso acaba de usar, na Antena 1, a palavra «estereótipo», mas deslocou a tónica para a sílaba -ti-, e logo, talvez também escreva «estereotipo». Não demorará muito e todos os dicionários registarão, sem indicação de forma preferencial, as duas variantes.

      Estes debates das legislativas são também uma fonte de interesse linguístico. Ontem, Bagão Félix falava em «êxitos e inêxitos». «Inêxito» não é nada de novo, mas ouve-se muito poucas vezes. Poderá ter-nos chegado do Brasil na década de 1950. «Ser ou não ser, perseguindo com irremediável inêxito um critério de opção sem que, mau grado o inêxito, se possa desistir — é trágico: Antero» (Fernando Pessoa, Poeta da Hora Absurda, Mário Sacramento. Porto: Editorial Inova, 1970, p. 193).

 

[Texto 100]

Preposições e conjunções

By taxi

 

 

      «Sai à volta de dez euros por mês — o preço de uma ida-e-volta por táxi a um restaurante ou a uma praia, uma só vez por mês. […] Estou convencido que é a freguesia sublime de Colares que é responsável por estas economias» («Junho até agora», Miguel Esteves Cardoso, Público, 2.06.2011, p. 39).

      Cada língua tem as suas especificidades. Em espanhol, por exemplo, a preposição que se usa para indicar o meio de transporte é en: en autobús, en avión, en bici. (Mas diz-se a caballo e a pie.) Em português, não usamos a preposição por para indicar o meio de transporte, mas sim a preposição de: de comboio, de carro, de táxi.

      Na segunda frase, o problema é outro: há conjunções e verbos repetidos, sem ganhos de expressividade, antes pelo contrário. «Estou convencido que é a freguesia sublime de Colares a responsável por estas economias.»

      «Ida e volta» não precisa de hífenes, mas ultimamente Miguel Esteves Cardoso anda para aí virado: «As poucas pessoas que ficam à espera das campanhas para se decidirem em quem votam — e que são susceptíveis ao dinheiro que se gastou para convencê-los — são uns borra-botas e umas baratas-tontas, que se fazem caras, no sentido mais extravagante da palavra.» («Poupem-nos», Miguel Esteves Cardoso, Público, 24.05.2011, p. 39).

 

 

[Texto 99]

«Frente-a-frente»: plural

Deixem assentar mais a poeira

 

 

      «O disparate, neste episódio, é que se a lei regula e impõe tempos de antena, não regula (nem pode fazê-lo), os frente-a-frentes, porque são iniciativas estritamente editoriais, tal como não regula notícias, reportagens ou entrevistas» («A democracia não é imposta por tribunais», Público, 2.06.2011, p. 38).

      Não sei se é doutrina se é gralha — o certo é que não falta quem pluralize este neologismo. A tendência da língua, já o escrevi mais de uma vez, é para fazer os plurais desta forma regular. Lembrem-se de um caso semelhante, «sem-abrigo». De vez em quando, lá nos escorrega a língua ou a tecla e sai o plural «sem-abrigos».

 

[Texto 98]