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Linguagista

Expressão

Permita-se-nos a vulgaridade

 

 

      «Para mim, tudo verdades como punhos» («Idade Média? Sinceramente, não me parece», Francisco Teixeira da Mota, Público, 4.06.2011, p. 39).

      Gosto muito da expressão, só não tenho a certeza de que é compreendida por todos os leitores. Infelizmente, nem todos os dicionários a registam, e os que o fazem não explicam muito. Verdades como punhos são as que se metem pelos olhos dentro pela sua evidência. São, pois, verdades incontestáveis. Uma expressão sinónima, hoje completamente esquecida, é «verdades como melancias encaladas».

      «Verdades como punhos, permita-se-nos a vulgaridade do termo, verdades duras e amargas di-las Cornut no seu estudo sobre — A aristocracia intellectual» (O Instituto, vol. 42. Coimbra: Instituto de Coimbra, 1895, p. 595).

 

[Texto 107]

Linguagem

A polissemia não mata

 

 

      «O Estado, consciente das suas responsabilidades, deseja que o eleitorado se sente numa cadeira (com a televisão fechada) a pensar e a consultar documentos para decidir com a maior concentração e rigor em quem vai votar» («“Reflexão”», Vasco Pulido Valente, Público, 4.06.2011, p. 40).

      É muito mais habitual usar-se, neste contexto, «apagar» ou «desligar». (E «televisão fechada» é o equivalente, no Brasil, à nossa televisão por cabo.) Este texto, contudo, serve mais de pretexto para reflectir. Assim, é sintomático da vitalidade da língua não ter tido necessidade de adoptar um neologismo para designar a acção de desligar um aparelho. No contexto, nenhum leitor pensará que se trata de suprimir ou destruir ou eliminar um televisor. É sempre um caminho possível, este de acrescentar acepções aos termos já em uso. A polissemia não mata. Pode moer, arreliar, confundir, mas não mata. O problema é que não é um caminho deliberado: acontece.

 

[Texto 106]

«Colocar»

Não querem aprender

 

 

      «“No roubo foi usada uma viatura ligeira de passageiros que ostentava matrícula falsa”, referiu a mesma fonte, adiantando que o grupo se colocou em fuga em direcção à auto-estrada 17, via que tem um nó de acesso em Monte Redondo» («Assalto a posto de correios com espingarda de canos serrados», Público, 4.06.2011, p. 26).

      Deve ter sido a fonte da «ostentação» que ensinou o jornalista a escrever «colocar-se em fuga». Só por isso, valeu a pena a viagem a Monte Redondo... Sem ironias: é lamentável que a maioria dos jornalistas esteja a ceder a este modismo.

      «Fingiu não ter ouvido a proposta e pôs-se em fuga» (Autópsia de Um Mar de Ruínas, João de Melo. Lisboa: Edições Dom Quixote, 5.ª ed., 1997, p. 100).

 

[Texto 105]

«Glaciar/glacial»

Dia de irreflexão

 

 

      «Em Potacari, onde foi erguido um memorial às vítimas de Srebrenica, o aparecimento do ex-general na televisão provocou um silêncio glaciar entre cerca de duas dezenas de mães de vítimas do massacre, que seguiam a audiência pela televisão» («“O mundo sabe quem sou: Eu sou o general Mladic”», João Manuel Rocha, Público, 4.06.2011, p. 14).

    É frequente este erro e só desculpável se dado por um falante comum, não por um jornalista. Caro João Manuel Rocha, experimente consultar um dicionário. Vai ficar surpreendido.

 

[Texto 104]

Acordo Ortográfico

Dia de reflexão

 

 

      Mais um editorial (meio, na verdade, desta vez) do jornal Público contra o Acordo Ortográfico de 1990. A esperança parece estar agora, ingenuamente, no governo que sairá das eleições de amanhã: «O Acordo Ortográfico foi apresentado como “um instrumento essencial para a unidade da língua portuguesa e para o seu reconhecimento internacional (CPLP dixit). No entanto, para além das manifestações de analfabetismo que encoraja a seu pretexto (há quem tire consoantes de palavras que não as dispensam), é curioso ver como nem o Estado lhe dá muito valor. As traduções dos memorandos da troika disponibilizadas pelo Ministério das Finanças não seguiram as imposições do Acordo Ortográfico e, na campanha que ontem terminou, nenhum partido fez uso dele nos programas eleitorais. Ou seja, escreveram “vectores” e não “vetores”, “actividades” e não “atividades”, “actual” e não “atual”, “objectivo” e não “objetivo”, “sectores” e não “setores”, “directo” e não direto”, trajectória” e não “trajetória”, “optimista” e não “otimista”, “tecto” e não “teto”, “directiva” e não “diretiva”, “selecção” e não “seleção”, “acção” e não “ação”. O PÚBLICO, que desde o início se opõe ao Acordo, espera que tal “desistência” signifique o seu corajoso abandono, a bem da língua portuguesa e da sua saudável diversidade internacional» («Um acordo inútil», Público, 4.06.2011, p. 38).

 

[Texto 103]

Sobre «evento»

Nem tudo está perdido

 

 

      A repórter Alice Cardoso, da Antena 1, foi entrevistar para o Portugal em Directo o responsável da comissão de festas de Salvaterra de Magos. Perguntou a repórter: «Ora, o que me interessa perceber é que, para além deste tributo à juventude, depois há aqui eventos, ou acontecimentos, vamos falar português, que atravessam todas as gerações, porque não se fazem umas festas só a comemorar o foral [outorgado pelo rei D. Dinis em 1295], comemora-se também o touro e o fandango. Eu parece-me que isto é transversal a todas as gerações, não é?»

 

[Texto 102]