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Linguagista

«Sob/sobre», de novo

Junte-se-lhes, J. F. C.

 

 

      «Chama-se Rosita ISA e é uma vaca leiteira. Ao primeiro olhar, só o tamanho é que a distingue de uma vaca jersey vulgar. […] A vitela nasceu a seis [sic] de Abril por cesariana, já que pesa 45 quilos, ou seja[,] o dobro de uma vaca jersey vulgar. É vigiada 24 sob 24 horas, explicam os investigadores» («Vaca com genes humanos dará leite materno», J. F. C., Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 30).

      Outra infeliz confusão com as preposições «sob» e «sobre». Todas, reparem bem, na mesma edição de um jornal. É endémico. E quanto a uma vaca, ou qualquer fêmea de um mamífero, dar leite materno, não é, parece-me, nada de novo...

 

[Texto 146]

«Sob/sobre»

Parece mentira

 

 

      «Mas a sensibilização para a segurança rodoviária e os riscos da condução sobre efeito do álcool não se ficaram pelas campanhas da GNR» («A ‘morte’ anda na estrada a alertar para perigos da condução com álcool», Joana Belém, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 20). «O casal real irá ficar hospedado num hotel fabuloso, que até é considerado único em todo o território sul-africano devido ao seu luxo e à sua localização, que proporciona aos hóspedes uma vista deslumbrante sob [o] oceano Índico» («Noivos do Mónaco vão ter lua-de-mel de luxo», Filomena Araújo, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 53).

      É incompreensível como se pode escrever com tal negligência. São inúmeros os casos de confusão, imperdoável, entre estas duas preposições. Joana Belém, Filomena Araújo, mais cuidado com a língua. (Ah, e o título da segunda notícia é, à primeira vista, equívoco, e à segunda, ridículo.)

 

[Texto 145]

Ortografia: «Mindanau»

Ponham aqui os olhos

 

 

      «Quando este filipino de 59,93 centímetros atingiu ontem a maioridade, um batalhão de jornalistas e mais de cem habitantes da aldeia de Sindagan, na ilha de Mindanau, marcaram presença para assistir ao momento em que Junrey foi oficialmente considerado o homem mais pequeno do mundo, entrando para o Livro Guinness dos Recordes» («59,93 cm chegam para o Guinness», Catarina Reis da Fonseca, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 25).

       Aqui fica mais um bom exemplo de respeito pela grafia de topónimos antigos. O último mau exemplo que vi já data de 2008 e de um jornal já extinto: «O gabinete da Protecção Civil filipina registou 26 mortos na ilha de Mindanao (Sul). “Este balanço vai aumentar muito quando dispusermos da lista de vítimas entre os passageiros do ferry”, sublinhou o presidente da Cruz Vermelha» («Tufão causou centenas de mortos», Global/Jornal de Notícias, 23.6.2008, p. 15).

 

[Texto 144]

Plural dos apelidos

Por pouco

 

 

      «Talvez por isso, o regime, contam outros refugiados, “que arrasou aldeias inteiras, casas, árvores, culturas” e eliminou muitos dos seus habitantes, começou a “entregar armas às famílias alauitas”, a comunidade religiosa a que pertencem os Assad» («Damasco arma alauitas e tropas avançam em Jisr al-Chughur», Lumena Raposo, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 24).

      Ao contrário do que vimos no Público, no Diário de Notícias sabem que o vocábulo alauita não precisa de acento. Claro que o texto de Lumena Raposo não é perfeito. O plural de Assad é Assads, «os Assads», e será a tropa e não as tropas que avançam em Jisr al-Chughur. Pormenores muito importantes — e descurados pela maioria.

 

[Texto 143]

Mais anglicismos

Também não

 

 

      «Pedalar de Viseu até Santa Comba Dão, passando por Tondela, sempre numa via especial, vai ser possível a partir do final do mês. A Ecopista do Dão liga três cidades, vai ter manutenção comum dos três municípios que atravessa e será servida por Wi-Fi. […] Hoje, Viseu não dispõe de comboio, mas recebeu o datacenter da Refer» («Pedalar de Viseu a Santa Comba Dão ao longo de 50 quilómetros com Wi-Fi», Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 21).

      Mais dois casos — Wi-Fi e datacenter — de estrangeirismos desnecessários. Não é raro, aliás, a imprensa usar os termos portugueses correspondentes, com o que todos ganhamos. Infelizmente, não há ninguém, nos jornais, a velar pela língua.

 

 

[Texto 142]

Sobre «overbooking»

Não é o caso

 

 

      «Alteração de preços das viagens, atrasos, overbooking ou voo cancelado, desvio de bagagens, hotéis inferiores aos anunciados e a uma maior distância da praia e refeições em qualidade são alguns dos problemas que levam os consumidores a queixarem-se» («Direitos dos passageiros sob vigilância nestas férias», Céu Neves, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 18).

      Pode haver, e há mesmo, estrangeirismos de difícil tradução, mas não é o caso deste. Infelizmente, quando alguém sugere um termo português para conceito tão singelo, logo é recebido com troça, como quando, em 2009, o provedor do ouvinte da RDP, à sugestão de Regina Rocha («sobrelotação»), respondeu: «O avião está sobrelotado e as pessoas pensam assim: mas porquê? Leva bagagem a mais? E quando a gente ouve “overbooking”, sabemos logo: “Olha, estão lá outras pessoas que não cabem lá”.» Já li a sugestão, que me parece adequada, de que se deveria traduzir por «sobrerreserva». Os jornalistas, porém, não ajudam.

 

[Texto 141]

Ortografia: «microrreserva»

A ortografia também é uma flor

 

     

      «No Poceirão, a planta [Elatine brochonii] encontrou “condições precisas”, tão boas que até floresceu em maior quantidade do que em Valência, Espanha, onde as autoridades criaram uma micro-reserva para a proteger» («Passeio com alunos permitiu descobrir planta rara no Poceirão», Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 17).

      Se dependesse da ortografia, a planta rara nunca teria sobrevivido, pois com o prefixo micro nunca se usa hífen. Logo, microrreserva.

 

 

[Texto 140]

Tradução: «fatality»

Não é fatalidade, é descuido

 

 

      «Já o ministro da saúde [sic] alemão, Daniel Bahr, admitiu ao mesmo jornal [Bild] que a expectativa é que continuem a morrer pessoas devido a esta bactéria. “Não podemos excluir a hipótese de haver mais fatalidades. É um pensamento doloroso ser esta a realidade”, afirmou» («100 doentes precisam de transplante ou diálise», Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 16).

      Mal traduzido do inglês, foi isso mesmo que o ministro afirmou. «More fatalities cannot be ruled out, painful though it is to say so.» A nossa jornalista não se lembrou de que a nossa fatalidade é um acontecimento com consequências graves ou trágicas, uma desgraça, enfim. A fatality da língua inglesa é, entre outras acepções, morte, acidente mortal, vítima mortal. Errar nisto não é uma fatalidade.

 

[Texto 139]

«Testamento vital»

Para antes da morte

 

 

      «Penso que sim. Acho que deveriam ter outro nome e chamar-se declaração de vontade antecipada, porque é suposto que seja [sic] usados quando a pessoa ainda está viva, mas sem o poder de todas as suas faculdades. E o testamento só produz efeitos após a morte.» Está bem visto. O que se pretende, com o testamento vital, é que a vontade do «testador» seja atendida ainda quando vive mas não se encontra em condições de a manifestar. Quem o afirma é Carla Soares, ex-bastonária da Ordem dos Notários, em entrevista a Ana Bela Ferreira para o Diário de Notícias («“Lei actual é de 1975 e está de acordo com uma realidade desfasada dos nossos dias”», Ana Bela Ferreira, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 15).

 

 

[Texto 138]

«Tigre Celta»

Algo maior

 

 

      «Habituámo-nos nos últimos anos a chamar à Irlanda o tigre celta, expressão que junta o dinamismo económico de tipo asiático à velha herança da ilha, testemunhada pelo Livro de Keels, um manuscrito do século IX célebre pelas suas iluminuras, e pela sobrevivência do gaélico, apesar da tremenda influência da língua inglesa» («Que animal se esconde por trás do tigre celta?», Leonídio Paulo Ferreira, Diário de Notícias, 13.06.2011, p. 7).

      Só podemos dizer que é um mau hábito: trata-se de um prosónimo, conceito que já aqui tratámos, pelo que se escreverá com maiúsculas iniciais: Tigre Celta.

 

[Texto 137]