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Linguagista

«Copianço»

Irão julgar-nos

 

 

      Auditores de justiça, futuros magistrados, a copiarem uns pelos outros. É a última indignidade — ou parecia ser, até ler a justificação: «Ontem, em declarações ao DN, Manuel Ramos Soares, da direcção da Associação Sindical dos Juízes, condenou o comportamento dos auditores de justiça do CEJ. “Nós falamos [sic] com os auditores e eles disseram-nos que, antes de começar a prova, trocaram umas impressões uns com os outros, não tiveram a noção de que era uma prova individual”, disse Ramos Soares, acrescentando, porém: “A associação condena tal comportamento, porque não revela compreensão dos deveres éticos. Por isso, concordamos com o despacho da directora”» («Copianço generalizado em teste na escola de magistrados», Carlos Rodrigues Lima, Diário de Notícias, 15.06.2011, p. 20). «Não tiveram a noção de que era uma prova individual»! A única solução decente era anular a prova, mas não foi isso que aconteceu.

      E já repararam como o termo coloquial «copianço» — desconhecido no Brasil, ao que me parece — está registado nos dicionários, ao contrário de muitos outros mais usados? Prefiro a definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: «Acto ou efeito de copiar, especialmente em provas escritas escolares.»

 

 

[Texto 170]

«Após o que»

Insuspeita mas mal-amada

 

 

      Nos últimos tempos ando a ver, e em grande profusão, na imprensa e em livros, ocorrências da expressão «após o que»: «A consulta aos partidos, iniciada ontem com PCP, BE e Verdes, termina hoje com CDS, PS e PSD, após o que o Presidente da República deverá indigitar Passos Coelho (ver texto ao lado)» («Esquerda avaliza rapidez na indigitação de Passos Coelho», Nuno Sá Lourenço, Público, 15.06.2011, p. 3).

      Tanto quanto sei, não impende sobre ela nenhuma suspeita, mas não me agrada, e vejo que até foi usada pelos nossos melhores escritores: «Dizia-se que em dous sabbados consecutivos, por volta da meia-noite, se tinham visto desfechar do céu em cima dos paços solitarios da encosta duas estrellas cadentes, após o que, dous gritos fugitivos, mas terrivelmente agudos, soavam da banda do pateo, e sentia-se em seguida o tropear de passos frequentes, como em dança doudejante ou em lucta desesperada» (O Monasticon, tomo III, Alexandre Herculano. Lisboa: em Casa da Viúva Bertrand e Filhos, 1848, p. 368).

 

 

[Texto 169]

«Zona Euro»

Do incriterioso uso da maiúscula

 

 

      O Público tem um conceito mínimo de Zona Euro: «Uma nova ajuda financeira à Grécia está prestes a ser acordada entre os países da zona euro em troca de um reforço das medidas de austeridade por parte do Governo e desde que os investidores privados aceitem participar no esforço» («Alemanha defende um reescalonamento de sete anos para a dívida pública grega», Isabel Arriaga e Cunha, Público, 9.06.2011, p. 18).

      No Diário de Notícias, em contrapartida, lê-se sempre assim: «Os ministros das Finanças europeus não se entendem quanto à forma de ajudar a Grécia a sair da difícil situação em que se encontra e que está a pôr em risco outras economias fragilizadas da Zona Euro, entre as quais Portugal» («Ajuda a Atenas está a minar relações europeias», Eduarda Frommhold, Diário de Notícias, 15.06.2011, p. 31).

 

 

[Texto 168]

Tradução: «upwelling»

Mais água

 

 

      «A chamada nortada, com efeito, “‘empurra’ as águas mais aquecidas da superfície do oceano para o largo e as águas mais frias e profundas ascendem à superfície, trazendo muitos nutrientes dos quais se alimentam a sardinha e outros peixes” [diz António Lopes, investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa]. É o chamado upwelling, que desta vez não teve o desempenho esperado» («Vento. A culpa da falta de sardinhas frescas? É da nortada», Inês Sequeira, «P2»/Público, 15.06.2011, p. 4).

      Já vi o termo traduzido por «afloramento» e «ressurgência». Mais uma infausta vez, vergamo-nos aos estrangeirismos, como se só eles nos permitissem descrever o mundo.

 

 [Texto 167]

Léxico: «fluvina»

Também mete água

 

 

      «Cerca de 100 mil pessoas visitam anualmente a Praia das Rocas, inaugurada em 2005 em Castanheira de Pêra. O complexo inclui piscinas — entre as quais o maior tanque com ondas do país — uma ilha artificial, uma albufeira com fluvina, onde os barcos servem de alojamento, e vários bungalows» («Praia das Rocas chega a ter mais gente do que o concelho», Sandra Ferreira, Público, 15.06.2011, p. 27).

      Designa a marina fluvial. Sempre vi o vocábulo empregado em relação a rios, mas compreende-se a extensão de sentido. Não o vejo registado em nenhum dicionário.

 

[Texto 166]

Léxico: «anteporto»

Na água

 

     

      «O anteporto da marina de Vilamoura vai ser requalificado, através de um [sic] nova configuração arquitectónica e abrindo portas para uma futura “cidade lacustre”» («Marina de Vilamoura abre portas a projecto de “cidade lacustre”», Idálio Revez, Público, 15.06.2011, p. 27).

      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, anteporto é o «lugar de abrigo à entrada de um porto». É uma definição pouco clara. Segundo o Dicionário Houaiss, é o «ancoradouro existente, em alguns portos, antes do fundeadouro principal».

 

[Texto 165]

Acordo Ortográfico

Mentiras e trapalhadas

 

 

      O Público continua, deliciado, a dar voz a todos quantos são contra o Acordo Ortográfico de 1990. Faz mal — sobretudo quando se trata de disparates. Foi o caso da carta de um leitor, João Fraga de Oliveira, de Santa Cruz da Trapa. A carta ocupa mais de metade da secção «Cartas à Directora», e termina assim: «Mas, até há dias, tinha ainda sobre o memorando uma preocupação acrescida, mais “adjectiva”: a tradução para português. Ora, agora, o memorando foi traduzido para português sob a “exclusiva responsabilidade do Governo” e este resolveu mandar às malvas a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 (um Governo a desobedecer ao Conselho de Ministros, uma delícia...) e não adoptou o famigerado Acordo Ortográfico. Estou finalmente relaxado e, mais, (re)ler o memorando é para mim uma delícia quotidiana.»

      É grave que o Público propine tão irresponsavelmente estas mentiras aos leitores. Eis o que se lê no n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011: «Determinar que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto, em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações, sejam internos ou externos, independentemente do suporte, bem como a todos aqueles que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou qualquer outra forma de modificação.»

      O Sr. João Fraga de Oliveira devia dedicar-se a um passatempo mais inócuo. Palavras cruzadas, por exemplo.

 

[Texto 164]