Acordo Ortográfico
Para reflectirmos
A edição de hoje do Público divulga uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro, ao ministro dos Negócios Estrangeiros e ao ministro da Educação, Ensino Superior e da Ciência e subscrita por João Roque Dias, António Emiliano, Francisco Miguel Valada e Maria do Carmo Vieira, na qual se pede a suspensão imediata do Acordo Ortográfico. Extracto aqui somente os pontos 3 e 6. O teor deste tem constituído um dos grandes argumentos que tenho aduzido, em várias circunstâncias, contra o Acordo Ortográfico.
«3. Os vícios do AO enquanto instrumento jurídico configuram mentiras gritantes vertidas em lei. No preâmbulo diz-se que “o texto do Acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos países signatários”; deste debate não há vestígio nem se conhece menção. A Nota Explicativa do AO refere estudos prévios dos quais não há registo, apresenta argumentos sem sustentação científica sobre o impacto do AO no vocabulário português (baseados numa lista desconhecida de 110 000 palavras e ignorando a importância de termos complexos, formas flexionadas de nomes e verbos e índice de frequência das palavras) e “explica” de forma confusa os aspectos mais controversos da reforma, p. ex. a consagração, como expediente de “unificação ortográfica”, de divergências luso-brasileiras inultrapassáveis com o estatuto de grafias facultativas. Algumas dessas divergências existiam antes do AO (‘fato’ – ‘facto’, ‘ação’ – ‘acção’, ‘cômodo’ – ‘cómodo’, ‘prêmio’ – ‘prémio’, ‘averígua’ – ‘averigua’, etc.); outras são criadas pelo próprio AO (‘decepção’ – ‘deceção’, ‘espectador’ – ‘espetador’, ‘falamos – ‘falámos’, ‘Filosofia’ – ‘filosofia’, ‘cor-de-rosa’ – ‘cor de laranja’, etc.). Pelo AO a palavra ‘decepcionámos’ (e outras similares) passaria a escrever-se correctamente em todos os países lusófonos de quatro maneiras diferentes (‘decepcionámos’, ‘dececionámos’, ‘decepcionamos’, ‘dececionamos’). O termo ‘Electrotecnia e Electrónica’ (designação de curso, disciplina e área do saber) poderia ser escrito de 32 maneiras diferentes, sem que o AO ofereça qualquer critério normativo. Sendo um tratado entre oito estados soberanos que reivindicam uma matriz cultural partilhada, o AO deveria ter concitado aceitação plena de (e em) todos os países signatários. Tal não aconteceu, o que, 21 anos após a sua assinatura, é prova dos problemas por ele criados.»
«6. Que o Estado português se proponha adoptar o AO sem um vocabulário normativo que não seja o vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa estipulado pelo art.º 2.º do AO (violando assim um tratado que assinou e ratificou) revela apenas a ligeireza com que esta matéria tem sido tratada e a incontrolada flexibilidade da aplicação prática do AO. Afinal, nenhum tratado internacional pode ficar sujeito a interpretações locais ou aplicações de carácter regional ou nacional.»
[Texto 216]