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Linguagista

Ortografia

Da preguiça

 

 

      «Há uns anos o historiador inglês [sic] Nial [sic] Ferguson escreveu um ensaio cáustico intitulado The Atheist Sloth Ethic, Or Why Europeans Don’t Believe in Work [A ética ateia da preguiça, ou porque os europeus não acreditam no trabalho]. Os europeus e, em particular, os europeus do Sul acabam sempre mal tratados por comentários deste género» («As férias», Pedro Lomba, Público, 5.07.2011, p. 40).

      Ofendidos, ultrajados, tratados com aspereza, grosseiramente? Então, caro Pedro Lomba, aglutine: maltratados. «Xenophanes de Colophonia (de quem já nos lembrámos quando tratámos dos poetas philosophos) escreve satyras, nas quaes Homero e Hesiodo foram maltratados, principalmente por haverem introduzido nas suas poesias indecorosas ficções ácerca dos deuses» (Miscellanea Hellenico-Litteraria, António José Viale. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868, p. 226).

 

[Texto 260]

Regência verbal: «reservar-se»

Isto hoje pode baralhar

 

 

      A profecia cumpre-se quase sempre. No Jogo da Língua, Filomena Crespo gosta muito de avisar: «Isto hoje pode baralhar um bocadinho.» «A organização reserva-se ao direito de cancelar ou adiar o evento»/«A organização reserva-se o direito de cancelar ou adiar o evento». E a empregada de escritório, que tinha ido ali ao banco, errou. Mas Filomena Crespo quis que a concorrente ganhasse. A professora Sandra Duarte Tavares explicou: «A frase correcta é a frase b: “A organização reserva-se o direito de cancelar ou adiar o evento.” Já há algum tempo que não falávamos deste, este... hoje temos no nosso Jogo da Língua um aspecto sintáctico e há muito tempo não falávamos do mesmo, mas é sempre bom lembrar porque é um verbo que é... ahn... é usado com alguma frequência. “Reservar-se o direito” é a forma, é a estrutura sintáctica correcta. Portanto, a frase correcta é a b. E porquê? Porque este morfema se... aa... normalmente, normalmente é um pronome reflexo e tem a função sintáctica de, desempenha a função sintáctica de complemento directo. O João lavou-se. Eu lavei-me, tu lavaste-te, o João lavou-se. Esse se corresponde, tem como referência o João. Desempenha a função sintáctica de complemento directo. Mas na nossa frase, quando eu tenho o verbo “reservar-se”, esse morfema se desempenha a função de complemento indirecto. O que é que isto significa? Significa que a organização reserva — o quê? O direito de cancelar ou adiar o evento. O direito de cancelar ou adiar o evento é que é o complemento directo. Corresponde à pergunta: o quê? Responde à pergunta: o quê? Reserva o quê? O direito. E esse se — para si. Portanto, o se complemento indirecto. Ou seja, “a organização” sujeito. Reserva o quê? O direito para si. Reserva para si o direito de cancelar o evento. Resposta correcta é a frase b

      Com três linhas apenas, dir-se-ia mais e melhor. A concorrente, contudo, foi muito simpática: era difícil, «mas realmente, com a explicação da Dr.ª Sandra, chegámos lá».

 

[Texto 259]

Pronúncia: «líder(es)»

Isto também sobra

 

 

      Miguel Soares, no noticiário da Antena 1: «O documento [um new deal para a Europa] foi já subscrito por vários antigos líderes europeus.» Mais uma vez a pronúncia errada do vocábulo líderes, que para o jornalista é /lídrs/. Para quem teme o emudecimento da língua com a aplicação das regras do Acordo Ortográfico de 1990, reflicta neste caso. O e da última sílaba, caro Miguel Soares, da palavra líder é aberto — no singular e no plural.

 

[Texto 258]

«Sobram os alertas»?

Chega e sobra

 

 

      Mais um modismo ultimamente ouvido na rádio: «Por cá, sobram os alertas, neste... nesta segunda-feira, do actual Presidente da República e também do antigo, Mário Soares, de que a situação económica portuguesa pode piorar» (Emídio Fernando, notícias da meia-noite e meia na TSF). Quererá dizer que sobressai a todos os outros temas noticiosos do dia — mas a plasticidade da língua será tão grande? E a compreensão dos ouvintes? Ah, pois... E quanto à referência a Mário Soares, dito como foi dito, e eu transcrevo, até parece que não há nem houve mais presidentes.

 

[Texto 257]

Sobre «perversão»

Desvios e atalhos

 

 

      «No entanto, por trás destes papéis que desempenham socialmente escondem-se outras pessoas que cultivam, em segredo, práticas como o sadismo, o masoquismo, a pedofilia, o exibicionismo ou o voyeurismo. Agora, este tipo de perturbações designam-se como “parafilias”, mas Amaral Dias admite como “mais interessante” o termo antigo de perversão, que significa “desvio do caminho”» («O lado negro e dividido do sexo», Paula Torres de Carvalho, Público, 4.07.2011, p. 4).

      Sim, «perversão» vem do latim perversiō,ōnis, «desvio do caminho». Nos últimos tempos, por influência do inglês deviant, mais próximo do étimo latino, usa-se muito o adjectivo «desviante» em vez de «perverso». Acaba por ser tudo o mesmo: afastamento do caminho direito.

 

[Texto 256]