Acordo Ortográfico
Os princípios da novilíngua
O professor António Jacinto Pascoal continua a escrever sobre a língua e especialmente sobre o Acordo Ortográfico no Público. Extracto a parte mais atinente à matéria que nos interessa: «3. A novilíngua instala-se gradualmente no quotidiano português. A RTP continua a promover um serviço gratuito ao Acordo Ortográfico (AO) num registo medíocre, ao jeito da vox populi. Não bastava que os portugueses fossem confrontados com os ardis da Língua: agora são confrontados com as teias do AO. Antes de saberem as regras, já entraram no jogo.
Um dos princípios da novilíngua é simples: se as palavras consideradas difíceis deixarem de existir, os alunos deixarão de sentir dificuldades, porque não terão palavras para dar erros. Poderão, no máximo, dar erros de concordância ou de impropriedade lexical, mas não conseguirão ir mais longe, porque não têm palavras que o permitam.
Em vez de sermos nós a adaptarmo-nos à língua é ela que tem de se adaptar à nossa inabilidade, pelo que a roupagem etimológica perderá para a fonológica (depois da piada da dobrada “conosco”, não se vai por certo caminhar para analogias fala/grafia, sobrepondo til ao “i” de “muito”). De resto, o grupo B, citamos, prevê que as novas palavras sejam simplificadas para formar um novo vocábulo de fácil, extremamente fácil, pronunciação. Deixa de existir uma forma etimológica nestas construções, pois o importante é que sejam fáceis de articular e escrever, como “duplipensar”. Todavia os arautos do AO terão a sua convicção, o que é de respeitar. Terão agora de nos convencer, com o tempo, de que esta foi a melhor opção.
Neste último “Santos Neves” (PÚBLICO, 09/08/2011), lê-se o resquício de neocolonialismo no receio de que a Língua Portuguesa possa permitir a congénere brasileira. Além de delírio que não colhe, parece mero argumento “político-estratégico” e tardo-patriótico, tudo menos amparo da Língua. Isto é: insinuou-se que os oponentes ao AO eram antibrasileiros; agora vê-se como os seus defensores olham o Brasil. Quando o Brasil nada tem a ver com isto. E risível só mesmo o facto de ser este acordo aquilo que salvará a nossa língua do nada.
Apelidar de “retardatários históricos” a quem resiste ao AO não é indecente – é feio. Antes de começarmos todos a invectivarmo-nos, lembro que podemos entrar em terreno estéril e começar a discutir minudências e outras derivações. Até aqui reinou a lucidez. Mantemo-la, usando a voz da paz. E não faltemos todos ao apelo da história» («Tempos gloriosos para a Língua», Público, 17.08.2011, p. 29).
[Texto 407]