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Linguagista

Como se escreve nos jornais

Alguém precisa de ser abatido

 

 

      «Júlia Pinheiro respondeu ontem às provocações feitas por Teresa Guilherme, que a sucede em Casa dos Segredos, reality show que se estreia a 18 de Setembro na TVI» («Júlia reage a Teresa: “Menopausa, será?”», Carla Bernardino e Márcia Gurgel, Diário de Notícias, 6.09.2011, p. 50).

      Senhoras jornalistas, então agora é assim que se escreve?

 

[Texto 457]

Acordo Ortográfico

Ninguém será abatido

 

 

      Há duas semanas, um editor perguntou-me quais as consequências para quem não adira ao Acordo Ortográfico. A não ser para os funcionários e agentes do Estado, não estou a ver que consequências poderão advir dessa atitude. No texto de Francisco Miguel Valada, o ponto 2 é precisamente sobre essa questão: «Proença de Carvalho e Salazar Casanova (Boletim da Ordem dos Advogados n.º 73, Dezembro de 2010, p. 35) afirmam não haver “sanções directas” para quem não cumprir as regras do AO90. Contudo, acrescentam: “Sem prejuízo de o desrespeito voluntário pelo AO poder ser considerado, por exemplo, um ‘ilícito disciplinar’ no âmbito de uma relação laboral ou da função pública”. Ilícito disciplinar. José António Pinto Ribeiro, segundo ministro da Cultura do XVII Governo Constitucional, afirmou o seguinte à Lusa, em 16.8.2008: “Ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas”. Se eu fosse deputado à Assembleia da República, convocaria Pinto Ribeiro, Proença de Carvalho e Salazar Casanova, com carácter de urgência, para responderem em sede de comissão parlamentar a este imbróglio: uns mencionam “ilícito disciplinar”, outro disse que ninguém seria “punido”. Quid juris?

      Enquanto jurista, Pinto Ribeiro sabe melhor do que eu que se é “punido” por “ilícito disciplinar”. Enquanto jurista, as palavras “preso” e punido” têm um peso importante quando as pronuncia. Terá havido quem no sector público ficasse descansado perante a prometida inexistência de punição por incumprimento do AO90. O parecer de Proença de Carvalho e de Salazar Casanova contradiz a promessa de um ministro de Portugal, cuja acção foi determinante para o desastre ortográfico que se nos apresenta. Aqui, das duas uma: ou Pinto Ribeiro falou de cor e deve por isso responder perante os portugueses, ou realmente não há punição para quem não cumprir e os interessados devem ser informados. Tertium non datur» («Os bicos-de-papagaio do Acordo Ortográfico», Francisco Miguel Valada, Público, 5.09.2011, p. 31).

 

[Texto 456] 

Acordo Ortográfico

Grande rigor

 

      Francisco Miguel Valada prossegue a sua luta contra o Acordo Ortográfico e as trapalhadas correlacionadas: «No passado dia 28 de Fevereiro, Margarita Correia, responsável pela coordenação do Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC, apresentou uma comunicação (‘Como usar a nova ortografia?’) na sala Ursa Maior do Madeira Tecnopólo. Na altura, recebi ecos dessa intervenção. Recentemente, pude verificar a fiabilidade dos ecos, após a Secretaria Regional de Educação e Cultura do Governo Regional da Madeira ter disponibilizado os vídeos da sessão.

      Explicou M. Correia que o texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) é constituído por bases, vacilando contudo na quantidade: “Trinta e uma ou 32, nunca sei ao certo”. Acontece que, das duas, nenhuma: nem 31, nem 32, apenas e tão-somente 21. A primeira base é a base I e a última a XXI. Com todo o respeito, se um camoniano dissesse publicamente que Os Lusíadas eram compostos por “21 ou 22 cantos, nunca sei ao certo”, a conversa ficaria certamente por aí, não tanto pelo engano, mas por desinteresse pelo rigor. Já agora e para que não restem dúvidas, Os Lusíadas têm tão-somente dez cantos. Não há décimo segundo nem vigésimo primeiro. E as bases do AO90 são 21.

      Quanto à hifenização, M. Correia perguntou aos presentes quantos destes sabiam usar efectivamente o hífen “em português”. Solicitando uma resposta mental da assistência (i.e., sem prolação), M. Correia continuou no seu solilóquio e rematou: “Não há maneira de se aprenderem as regras todas de uma vez”. Pelo meio, confessou que “é um dos aspectos menos conseguidos do acordo”, terminando com um penoso “mas, pronto, era preciso aplicar”. O efeito retórico fora criado logo à partida: não havendo motivo para se mudar o presente, lança-se um anátema sobre a regra actual, para se justificar a mudança, apesar de a mudança ser atreita a excepções do arco-da-velha (com hífenes).

      Como o “bico-de-papagaio”, esse genuíno bico-de-obra. Disse M. Correia que, na acepção de flor, se escreve com hífenes, enquanto na acepção de espondilose se redige sem hífenes. M. Correia antecipou: “Isto é muito estranho, mas eu pergunto às pessoas que estão na sala quantas vezes escreveram a expressão ‘bico-de-papagaio’”. Esta lógica da retracção no momento da crítica, tendo em conta a frequência pessoal de uso, é perniciosa: a) pode querer dizer que possíveis mudanças em formas como “prendam-me”, “coitadas”, “tê-lo-íamos” ou “tê-lo-ão” não poderiam ser objecto de crítica, apesar de terem o mesmo número de ocorrências de “bicos-de-papagaio” num corpus que M. Correia conhecerá, se não melhor, pelo menos há mais tempo do que eu; b) pode querer dizer o contrário, ou seja, considerando a elevada ocorrência da palavra “Egipto” em textos redigidos por egiptólogos, só nesta área específica se poderia criticar a supressão de P (“Egito”) e, em última análise, atribuir-se-lhe uma derrogação. Validar uma crítica pela frequência do objecto e não pela pertinência do argumento aduzido é prática simultaneamente arenosa e movediça.

      Por exemplo, eu estaria impossibilitado de contestar esta regra, dado que, graças a esta crónica, me estreio na redacção de “bico-de-papagaio”. Após M. Correia referir “bico-de-papagaio”, verifiquei no seu VOP que a responsável pela sua elaboração não considerou que o singular de “bicos-de-papagaio” sem hífenes é “bicos de papagaio”. Exactamente igual: no plural e no singular. Com “esse” depois do “o” final de “bico”. Mas sem hífenes. Para distinguir da flor. Presume-se. Se M. Correia tivesse consultado o seu próprio VOP, teria verificado ser o singular da flor “bico-de-papagaio” e o da doença “bicos de papagaio”, sem hífenes a separar os elementos e com “esse” final no primeiro elemento» («Os bicos-de-papagaio do Acordo Ortográfico», Francisco Miguel Valada, Público, 5.09.2011, p. 31).

 

[Texto 455]  

Linguagem

Com atracção

 

 

      «Se calhar é porque, perante um estrangeiro, cada um dos muitos povos italianos responsabiliza-se pela reputação do povo dele, que nós depois identificamos, com gratidão, com toda a Itália. Daí ser estranho que Berlusconi se queixe da Itália, que tanto lhe deu e perdoou. Mas é compreensível. A cabeça do Sílvio é como a de qualquer italiano (ou português): por muito ou pouco que tenha recebido do país ao qual tanto contribuiu, é sempre pouco, conforme a contabilidade vaidosa que foi a dele» («País de merda», Miguel Esteves Cardoso, Público, 5.09.2011, p. 31).

      «País ao qual tanto contribuiu»?! E não há ali próclise, por causa do pronome indefinido do sujeito da oração?

 

[Texto 454]