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Linguagista

Acordo Ortográfico

Irreversível mas corrigível

 

 

      «Aparentemente, terá passado despercebida a entrevista de Francisco José Viegas ao Correio da Manhã de 30.10.2011, em que o secretário de Estado da Cultura escancara a porta à revisão do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) e impugna o conteúdo quer das actuais “acções de formação”, quer, em última análise, do próprio AO90. Sublinha Francisco José Viegas que embora o AO90 seja “irreversível não quer dizer que não seja corrigível”. O AO90 é corrigível. Houve um responsável político que o disse. É um facto. Resta saber se Francisco José Viegas, além de comunicar tal iniciativa ao Correio da Manhã, informou as escolas, o Governo e “todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo”, não esquecendo os redactores do Diário da República» («A anunciada revisão do Acordo Ortográfico», Francisco Miguel Valada, Público, 24.11.2011, p. 39).

 

 

[Texto 722]

Como se escreve nos jornais

Mais iguarias

 

 

      «Recomendação ao turista em Itália: esquecer as dietas e comer pelo menos um gelado por dia. Conhecidos por fazerem os melhores gelados artesanais de todo o mundo, os italianos orgulham-se da sua gastronomia, muito apreciada além-fronteiras. Quem nunca provou uma lasanha ou canelones a sair do forno? Já para não falar do ex-líbris gastronómico italiano, a pizza. Conhecidos também pela qualidade do seu café, o termo espresso surgiu em Itália nos anos 40, quando começaram a ser comercializadas as máquinas do inventor Achile Gaggia» («‘La bella Italia’ em tempos de crise», Catarina Reis da Fonseca, Diário de Notícias, 23.11.2011, p. 28).

      Só a pizza não mereceu ser aportuguesada: lasanha e canelones estão noutro escalão. Meu Deus, isto já é nosso, como o são as tartes e as quiches. Como os bifes o são, e até há mais tempo.

 

 

[Texto 721]

Tradução: «nickel»

Ah, isso depende

 

 

      Eu não queria falar mais de tradução, não hoje, mas tem de ser, até porque nesta já andava a pensar há muito. Perbreviter (se posso usar uma língua morta): como traduzir o vocábulo inglês nickel? Se se referir aos Estados Unidos, será moeda de cinco cêntimos. Mas não é raro vê-lo, passim (se posso usar a mesma língua morta), vertido por níquel. Os dicionários da língua portuguesa, contudo, definem-no como moeda desse metal, sem lhe atribuírem um valor específico.

 

[Texto 720]

Tradução: «pie»

Deve haver uma teoria

 

 

     Conhecem o quadro de Pieter Brueghel, o Velho, Casamento de Camponeses, já da fase final da sua vida? Em primeiro plano, que transportam aqueles dois criados sobre uma porta a servir de padiola? Eu diria que são tartes (que alguns confundem com tortas...), mas o tradutor jura que são pies... E ficou assim — pies. Deve haver alguma teoria tradutológica a afirmar que é vocábulo intraduzível. Mais um.

 

[Texto 719]

Tradução: «tobacconist»

Como é possível?

 

 

      E o velho louco perguntava se era correcto gastar o tesouro do nosso tempo a discutir política com o barbeiro ou a jogar com o «tobacconist». «Tabaqueiro», não hesitou o tradutor, porque era o que estava a ver no Dicionário Inglês-Português da Porto Editora. Contudo, se consultarmos, e é prudente fazê-lo sempre, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, «tabaqueiro» é, entre outras coisas que não vêm ao caso, o operário de uma fábrica de tabaco. Estanqueiro (tanto mais que a história decorre na primeira metade do século XX) é termo que já não ocorre a ninguém.

 

[Texto 718]

Sobre «filme»

Ai as aspas...

 

 

      «O “filme” dos acidentes, ao km 200,1, sentido norte/sul, é relatado ao DN pelo comandante do Destacamento de Trânsito da GNR de Coimbra, Pedro Rosa» («João Nabais atropelado na auto-estrada», Paula Carmo, Diário de Notícias, 23.11.2011, p. 21).

      Até há pouco, «filme» em sentido figurado e coloquialmente era somente a história rebuscada e exagerada, único que alguns dicionários ainda registam. Agora, alguns, como o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, já registam esta acepção: «Desenrolamento contínuo (de acontecimentos): Rever em pensamento o filme da sua vida.» (Também este «desenrolamento» precisava que lhe granizássemos flechas. Quê? Sujeito nulo indeterminado? Verbo defectivo? Vai mais uma frechada!)

 

[Texto 717]

Léxico: «granizar»

Flechas graniza no feroz Sicambro

 

 

      «O “filme” dos acidentes, ao km 200,1, sentido norte/sul, é relatado ao DN pelo comandante do Destacamento de Trânsito da GNR de Coimbra, Pedro Rosa: “Estava a granizar. Uma viatura despista-se e fica parada na via esquerda. De seguida, despista-se a viatura [de João Nabais] que bateu no rail e fica parado no eixo da via. É a terceira viatura que o atropela, quando ele acaba de colocar o triângulo. Há ainda um quarto despiste. Nunca chegou a ocorrer qualquer colisão.”» («João Nabais atropelado na auto-estrada», Paula Carmo, Diário de Notícias, 23.11.2011, p. 21).

      Granizar. Não se usa assim tanto. Até faz lembrar o esquecido Filinto Elísio: «Mais destro o Grego, e igual no destemido, flechas graniza no feroz Sicambro.»

 

 

[Texto 716] 

Uptown

Gente de terceira classe

 

 

      Então G. pediu-lhes que fossem todos para casa do sócio, visto que este não podia ir à casa de G., «em uptown». Hã? Então agora fica assim, é intraduzível? Faz lembrar José Rodrigues Miguéis (mas como os textos estavam semeados de palavras inglesas...): «Ora, à esquina de certa rua, no Uptown, há uma igreja, a de São João Baptista e do Santíssimo Sacramento, a todo o comprimento de cuja fachada barroca e cinzenta os respiradouros do subway formam uma longa plataforma de aço arrendado. Os casamentos são frequentes, ali, por ser chique a paróquia e imponente a igreja» (Gente de Terceira Classe, José Rodrigues Miguéis).

 

[Texto 715]