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Linguagista

Léxico: «violeiro»

Ah, não seria o mesmo

 

 

      «Se o radiologista Steven Sirr da Universidade de Minesota, nos Estados Unidos, não fosse um violinista amador que gosta de praticar nos tempos mortos do trabalho, não teria dado ontem uma espantosa notícia na conferência anual da Radiological Society of North America, em Chicago. Sirr anunciou que consegue produzir violinos iguaizinhos aos que o mais famoso luthier de todos os tempos, Antonio Stradivari, de Cremona, em Itália, construiu no final do século XVII, princípio do séc. XVIII» («TAC permitiu réplicas perfeitas de ‘Stradivarius’», Filomena Naves, Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 30).

      Pronto, rendo-me: temos de recorrer ao galicismo luthier porque não temos palavra para designar o mesmo. Ou será que temos? Ah, não vocábulo com tanto prestígio, mas ei-lo: violeiro. Veja na ligação para o Dicionário Houaiss aí no lado esquerdo (novidade no blogue): «que ou aquele que fabrica instrumentos de corda». Então?

      «Utilizo, pues, las palabras laudero y laudería y evito, así, tanto los galicismos luthier y lutherie como el mal sonante violero» (Las aventuras de un violonchelo: historias y memorias, Carlos Prieto. México D. F.: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (Conaculta), 1999). Malsoante? Apenas aos requintadíssimos ouvidos modernos.

 

 

[Texto 748] 

 

Léxico: «estradivário»

Também toca 

 

      «Foi um acaso que levou o radiologista [Steven Sirr] a fazer este estudo. Estava a tocar, num dos seus tempos mortos, quando teve de fazer a supervisão de uma TAC numa emergência. Na pressa, levou o violino e, terminado o exame, resolveu fazer-lhe uma TAC também. E foi aí que começou o caminho que o levou à réplica do Stradivarius» («TAC permitiu réplicas perfeitas de ‘Stradivarius’», Filomena Naves, Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 30).

      A brincar em serviço... Desta vez está perdoado (porque foi nos tempos mortos). O termo está aportuguesado: estradivário.

 

[Texto 747]

«Supor/pressupor»

Joguinho

 

 

      «As consequências desta determinação linguística [as nossas palavras «dívida» e «culpa» se traduzirem por uma só alemã, Schuld] para a economia são enormes, como podemos hoje avaliar. A experiência do débito como culpa e da culpa como débito xxxxxxxx uma conceção do capitalismo onde se sobrepõem categorias éticas, jurídicas e teológicas» («Ao pé da letra», António Guerreiro, Atual/Expresso, 19.11.2011, p. 36).

      Que verbo usariam ali — «pressupõe» ou «supõe»?

 

[Texto 746]

Linguagem

Simular e dissimular

 

 

      «Germigny-l’Évêque está em choque desde sexta-feira. Nesse dia um menino de apenas três anos chamado Bastien foi posto de castigo dentro da máquina de lavar roupa pelo pai, que em seguida a pôs a trabalhar. O resultado foi a morte da criança, a prisão dos pais e um sentimento de revolta nesta aldeia a Leste de Paris.

      Christophe Champenois, o pai, é responsável pela morte do filho. Charlène Cott, a mãe, é acusada de ter tentado dissimular o crime, dizendo numa primeira fase que a criança caíra das escadas» («Morte de criança na máquina de lavar choca», P. V., Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 26).

      Mais do que dissimular o crime, parece que a mãe tentou simular um acidente. É verdade que dissimular também é fazer parecer diferente.

 

[Texto 745] 

Ortografia: «suíte»

Não sei porquê

 

 

      «As declarações contraditórias de Nafissatou nas audiências do processo penal levaram ao arquivamento do caso, mas o que realmente aconteceu na suíte 2806 continua a suscitar dúvidas. Strauss-Kahn, que poderia explicar o que realmente aconteceu, remete-se ao silêncio» («Strauss-Kahn: complô ou teoria da conspiração?», Catarina Reis da Fonseca, Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 26).

      Ora, nem todos os dicionários registam a forma aportuguesada, que, naturalmente, prefiro.

 

[Texto 744]

Léxico: «resvalo»

Para o declive

 

 

      «Um camião dos CTT despistou-se ontem de madrugada e caiu de uma ribanceira de 25 metros no IP4, na zona do Alto de Espinho, Vila Real, provocando ferimentos ligeiros no condutor de 39 anos, residente no Porto. Segundo elementos do Destacamento de Trânsito da GNR de Vila Real, o despiste terá ficado a dever-se ao resvalo do reboque para a berma da via, provocando o efeito de “tesoura” e consequentemente perda de controlo por parte do motorista e o inevitável despiste» («Camião dos CTT caiu em ribanceira de 25 metros no IP4», J. A. C., Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 23).

      É um vocábulo interessante: tanto significa declive como resvaladura ou escorregadela. (E «resvaladura», além de escorregadela, também significa vestígio de resvalo.)

      «Pôde aguentar-se sem uma baixeza, sem um resvalo da honra — essa maxima sanctidade do pobre» (Maria da Fonte, Camilo Castelo Branco. Porto: Eduardo da Costa Santos, 1885, p. 186).

 

[Texto 743] 

Como se escreve nos jornais

É da crise

 

 

      «O Tribunal de Torres Vedras começou ontem a julgar o alegado homicida de um outro homem, a quem lhe terá arrancado a orelha e desferido várias facadas em Dezembro de 2010, abandonando depois o corpo da vítima. Na acusação do Ministério Público, o arguido, de 31 anos, é acusado dos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida» («Cortou orelha e matou amigo por se meter com a namorada», Diário de Notícias, 30.11.2011, p. 21).

      É verdade que no corta e cola, isto pode acontecer — mas, porque pode ser deliberado e fruto de convicção, diga-se que o pronome pessoal não faz ali falta. O que está antes deste segmento também não está escorreito: «o alegado homicida de um outro homem».

 

 

[Texto 742] 

«Linha de Cascais»

Por mim

 

 

      Caro L. M., eu, pouco proclive a empregar letra grelada, como dizia Feliciano de Castilho, escrevo com maiúsculas: Linha de Cascais. A outra linha, a do caminho-de-ferro, é que escrevo com minúscula: linha de Cascais.

      «Posso abrandar a marcha, conduzir mais devagar, sem pressa de ir e ainda não ter em mente para onde, talvez espreitar os passos dos que moram na Linha de Cascais e que vão ao Cais do Sodré apanhar o comboio vazio dos domingos, ou ir deslizando ao longo de toda a 24 de Julho e da Avenida da Índia, a ver como é a noite, a noite lisboeta e dominical e como sopram os ventos do estuário, e como se me apresenta triste esta beleza escurecida e pálida dos poucos navios atracados às docas, e como tudo isto tem de súbito a cor, o movimento, o drama da minha depressão» (O Homem Suspenso, João de Melo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1996, p. 25).

 

[Texto 741]