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Linguagista

Sobre «ignorar»

É bom saber

 

 

      «Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos de poder em África em troca de financiamentos partidários e acesso a matérias-primas.» Ora compulsem aí o dicionário de Bluteau ou o de Morais. Nessa altura, ainda ignorar apenas significava não ter conhecimento, não saber; não conhecer. Peguem agora numa edição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, por exemplo. «Ignorar» passou a ser também não dar atenção. É um sentido que o verbo só em inglês tinha: to refuse to take notice of. Quando passou a ser assim? Ignoro-o.

 

[Texto 809]

Pronúncia: «quota»

Também está certa

 

 

      Foi criada, em Penafiel, a Confraria Nacional do Leite. Na cerimónia de apresentação, ontem, falou o juiz da confraria, o grão-conselheiro-mor e o eurodeputado Capoulas Santos, um dos 47 confrades. «É importante que haja um regime de quotas», afirmou o ex-ministro da Agricultura. E pronunciou a palavra «quota» /ku-ó-tα/, ao contrário do que eu faço e habitualmente ouço. 

 

[Texto 808]

«Poeta/poetisa»

Pura palermice

 

 

      «A melhor polémica literária de 2011 foi a que que estalou entre a poeta Rita Dove, afro-americana, nascida em 1952, professora da Universidade da Virginia em Charlottesville, que escolheu a Penguin Anthology of Twentieth-Century American Poetry e a grandiosa crítica literária Helen Vendler, euro-americana, vinte anos mais velha e professora de Harvard» («Rita e Helena», Miguel Esteves Cardoso, Público, 11.12.2011, p. 53).

      Mas qual diferença, cara Sofia? O que se conclui é justamente que não há diferença nenhuma. Saibamos ler.

      «Começou então em português a falar-se na poeta e na juiz, por exemplo. Opção curiosa: continuou a dizer-se professor e professora, médico e médica, mas distinguir entre poeta e poetisa é sexista e discriminatório.

      Preocupação interessante, porque para o conceito da profissão de maestro, mundo inegavelmente de homens, é uma honra ser-se maestrina. E fala-se em príncipes e princesas, reis e rainhas... Porque não poetas e poetisas, juízes e juízas?» (Discursar em Português... e não só, Isabel Casanova. Lisboa: Plátano Editora, 2011, pp. 42-43).

 

[Texto 807]

Topónimos

Em português

 

 

      Caro M. L.: não escreva Nobatia, Makuria e Alodia. Aqui e ali, em obras mais ou menos recentes, o nome desses reinos núbios cristãos é Nobácia, Macúria e Alódia. Porque há-de prevalecer a ortografia inglesa?

 

[Texto 806]

Sobre «negus»

Soberano da antiga Abissínia

 

 

      Negus. Uns recomendam que se pronuncie como oxítona; outros garantem que pronunciá-la como paroxítona é que é correcto. «Há oscilações, mesmo na língua culta», assegura Celso Cunha. O que me traz aqui, porém, é a nota etimológica que o verbete tem no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «Do etíope negûs [negusti], “rei dos reis”». O que o Dicionário Houaiss regista é que tem origem no amárico negush, «rei». O rei da Abissínia, leio na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, intitulava-se a si próprio negus negasti, isto é, rei dos reis.

 

[Texto 805]

Tradução: «kite»

Deltóide?

 

 

      A minha filha está ali a brincar com polígonos, e o jogo é em inglês. Que nome damos à figura geométrica do papagaio, o brinquedo de papel, de forma poligonal, que se lança ao vento, preso por um fio? É um trapézio, não é assim? O problema é que esta figura pode ter mais do que uma forma: há trapézios isósceles, trapézios escalenos e trapézios rectângulos. Em inglês, à figura do papagaio (o quadrilátero com dois pares de lados consecutivos congruentes, mas com os lados opostos não congruentes) dá-se o nome de kite. Ora, os Brasileiros dão-lhe o nome de papagaio ou pipa. Bem, seja como for, devemos lembrar-nos do lema e conselho de Paul Valéry: «Entre deux mots, le moindre.»

 

 

[Texto 804]

Invencionice

Compreendo

 

 

      «A melhor polémica literária de 2011 foi a que que estalou entre a poeta Rita Dove, afro-americana, nascida em 1952, professora da Universidade da Virginia em Charlottesville, que escolheu a Penguin Anthology of Twentieth-Century American Poetry e a grandiosa crítica literária Helen Vendler, euro-americana, vinte anos mais velha e professora de Harvard» («Rita e Helena», Miguel Esteves Cardoso, Público, 11.12.2011, p. 53).

 

[Texto 803]

Erros no «Público»

Almoço de trabalho

 

 

      «Um exemplo entre muitos. Apesar de atraído pelas “excelentes fotografias de Daniel Blaufuks”, o leitor Carlos Coutinho, de Matosinhos, não chegou a ler a reportagem intitulada “Sob o signo de W.G. Sebald”, anteontem publicada no suplemento Ípsilon. Explica porquê: “(...) Na legenda da fotogafia [sic] da primeira página li, com espanto: ‘Quando nos anos 90 W.G. Sebald escreveu ‘Os Anéis de Saturno’ e referiu um funeral em Framingham Earl, teria-lhe ocorrido...’ E já não li mais. ‘Teria-lhe’ (...)? Numa reportagem que certamente terá sido dispendiosa, em Inglaterra, sobre um escritor? Ao que chegamos!”» («Regresso aos erros», José Queirós, Público, 11.12.2011, p. 55).

      Primeira conclusão do provedor: «O leitor terá assim perdido a também excelente peregrinação literária com que a autora do texto, Susana Moreira Marques, assinalou o décimo aniversário da morte de Sebald, mas a sua irritação é compreensível.» Perdeu a reportagem, mas conservou a paciência. O nosso leitor Francisco Agarez comentou aqui: «Enquanto almoçava, dei-me ao exercício de assinalar erros ou carências de pontuação no artigo em apreço. Contei só 65.»

      «Suspeito que só a pressão dos leitores, e uma maior visibilidade das suas reclamações, poderá colocar o problema do controlo de qualidade dos textos no nível adequado das prioridades editoriais.» Mas como, se os leitores também se queixam «de que são geralmente ignorados os comentários que enviam para o PÚBLICO, e nomeadamente para as caixas de comentários da edição online»?

 

[Texto 802]

«Tomar parte em»

Cruzamento de línguas

 

 

      Não é raro ver, nas traduções do castelhano, a expressão tomar parte em. É sempre, entre dezenas de outros, indício mais que certo de que o castelhano é a língua de partida. O que nem todos os tradutores e revisores sabem é que é espúria em castelhano, por ser mera cópia do francês prendre part à. Ora vejam se reconhecem estoutros «casticismos»: prendre en considération, prendre la parole, prendre des mesures, prendre la liberté...

 

[Texto 801]

«Levar a cabo»

Somos todos espanhóis

 

 

      Um castelhanismo já bem enraizado na nossa língua, com todo o ar castiço (com os castelhanismos, esse também é o problema: têm quase sempre, antigos ou recentes, ar de castiços — até «castiço» vem do castelhano castizo...), é a locução levar a cabo. Interessante é ver que, em Espanha, só no final do século XIX se passou a aceitar llevar a cabo, considerada forma espúria, a par de llevar al cabo, castiça (ou castiza, se quiserem...) dos quatro costados (ou por los cuatro costados, se lhes aprouver...).

 

 

[Texto 800]

«Colapso», de novo

Outros desmoronamentos

 

 

      «No centro, é o resultado recente do colapso do império soviético. Só no Norte e em franjas do Noroeste, ela faz parte de uma velha cultura nacional. Não admira que a prepotência de Sarkozy e Merkel não perturbe por aí além os 27. Estão habituados» («Democracia», Vasco Pulido Valente, Público, 11.12.2011, p. 56).

      Colapso é a queda, por exemplo, de um edifício ou de uma nação. Nesta acepção, é um anglicismo, como já vimos mais de uma vez. À semelhança de muitos outros estrangeirismos, e mormente anglicismos, o problema é o seu ar castiço ocultar, mascarar a origem. Veja-se, por exemplo, o vocábulo «recessão». A acepção descida do nível da actividade económica ou diminuição do seu crescimento é anglicismo semântico relativamente recente. Não há muito tempo, recessão era somente o afastamento progressivo das nebulosas extragalácticas.

 

[Texto 799]