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Linguagista

Apostila ao Ciberdúvidas

Corria o ano de 2005

 

 

      Uma pergunta de um leitor fez-me repescar outra consulta, já antiga, do Ciberdúvidas. Um leitor, Murillo Sérgio de Farias Félix, depois de citar o Dicionário Houaiss, escreveu: «Assim, num texto técnico, p. ex., na frase “Nossos trabalhos nos trouxeram evidência de superfaturamento”, é seguro afirmar que a palavra “evidência” pode ser substituída por “prova”, ou seria mais adequado substituí-la por “indício”?» Respondeu o consultor F. V. Peixoto da Fonseca: «Evidência, no sentido que aponta, é um anglicismo que se deve evitar. É, de facto, prova o termo correcto nestes casos e ainda noutros, como na justiça, em que os Ingleses também usam “evidence” com o significado de prova

      Será mesmo assim? Se num texto em inglês aparecessem as palavras inglesas evidence e proof, que faria o consultor? Vertê-las-ia a ambas por «prova»?

      Evidence é qualquer coisa (objecto, testemunho, etc.) que tenda a demonstrar algo, mas sem chegar a fazê-lo, ao passo que proof é uma demonstração contudente. No fim da acção, uma parte terá «provided proof of this case»; a evidence, que nem sempre é irrefutável, já teria sido carreada antes pelos advogados e pelas testemunhas. O problema está precisamente na tradução desta evidence, que alguns vertem por «evidência», que em português sempre foi certeza manifesta — o que evidence não é em inglês. Em suma, evidence deve traduzir-se por elementos de prova, indícios.

 

[Texto 819]

 

Termo relacionado no blogue: «piezas de convicción»

Apostila ao Ciberdúvidas

Aromeno

 

 

      Um leitor do Ciberdúvidas quis saber se se deve escrever «arromeno, ou aromeno, ou arumânico, ou arrumânico, ou arrumano, ou outro termo, ao fazermos referência a um idioma novilatino, com estreito parentesco com o romeno, atualmente com mais de trezentos mil falantes, dipersos [sic] pela Romênia e por países balcânicos, tais como Grécia, Sérvia, Albânia». «Sem querer ser infalível», afirma, o que só lhe fica bem, o consultor, «(apesar da confiança no Ciberdúvidas que o consulente amavelmente manifesta), deve escrever-se arromeno, visto ser esta a forma que parece mais difundida, a avaliar pelos registos em dicionários (cf. Dicionário Houaiss e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado).»

      Pode concluir-se dessa forma? Bem, não me parece. No meu caso, nem sequer alguma vez tinha lido a variante arromeno, mas apenas aromeno (ou mácedo-romeno, como também é designado).

 

[Texto 818] 

Apostila ao Ciberdúvidas

Wiclefianos

 

 

      Reporto-me a esta questão no Ciberdúvidas. Não sei porque se há-de reservar a forma wycliffiano ou wiclefiano, «como adjectivo relacional, usado na acepção de “relativo a John Wycliff”, sem referência especial à sua doutrina». No excerto a seguir, a par de «hussitas» e «calvinistas», estão os adjectivos «wiclefianos» e «luteranos», todos, pelo contexto e pela referência conjunta, a indicarem seguidores de doutrinas. A incompreensível ausência dos dicionários do vocábulo «luteranista» até ajuda a pôr as coisas nos seus termos. Wiclefiano tanto serve para nos referirmos ao que é relativo a John Wycliff como à sua doutrina.

      «A actividade expurgatória do Santo Ofício foi muito vasta. Importa recapitulá-la pelo que toca às obras de tema relacionado com o nosso, pondo de lado porém os escritos de Erasmo e dos autores de filiação teológica herética (hussitas, wiclefianos, luteranos, calvinistas, etc.)» (Correntes de Sentimento Religioso em Portugal: Séculos XVI a XVIII, José Sebastião da Silva Dias. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1960, p. 625).

 

[Texto 817]

Nome de jogo

Alguém sabe?

 

 

      Um leitor procura tradução para o nome de um jogo — ghost — que sabe que existe em Portugal (o leitor até se lembra vagamente de o ter jogado). Um jogador diz uma letra do alfabeto e os seguintes vão acrescentando novas letras, mas de modo que evite completar uma palavra, pois, se a completar, perde. Em inglês é ghost, porque a cada jogador que perde vai sendo atribuída uma das cinco letras da palavra e, quando completa o vocábulo «ghost», é eliminado.

 

[Texto 816]

Sobre «crioulo»

Nova definição

 

 

      «Os Pretos de Pousaflores constitui, por isso, uma ficção ainda mais radical, na medida em que ao purgatório comum a todos os “retornados” se junta o facto de estarmos perante três jovens crioulos, filhos de Silvério, um português que vivia em Angola há quarenta anos quando, em 1975, achou mais prudente regressar à pátria [...]. Sendo tão portugueses como o louro Rui, são, porém, apenas “pretos”, quase alienígenas para os vizinhos e para a tia que os acolhe de má catadura» («Um eterno retorno», Jorge Marmelo, «P2»/Público, 13.12.2011, p. 3).

      Por aqui não se percebe bem, mas a sinopse é clara: «Agora, quase quarenta anos volvidos, Silvério está de regresso a Pousaflores. A guerra civil eclodiu em Angola e, se o seu coração é negro, a sua pele não engana e ainda ontem lhe mataram o melhor amigo. Com três filhos mulatos pela mão – todos de mães diferentes –, resta-lhe na aldeia uma irmã amarga, beata e com reumatismo.»

      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, crioulo (que tem, acima de tudo, uma acepção linguística) é o «indivíduo que, embora descendente de europeus, nasceu em país originário da colonização europeia». Não é uma definição equívoca? Descendente de europeus, à primeira vista, significa que ambos os pais, pai e mãe, são europeus, isto é, brancos. A ser assim, onde está a miscigenação a que o termo sempre se refere?

 

 

 [Texto 815] 

«Incumbente», de novo

Havia muito por onde escolher

 

 

      No «Sobe e desce» da edição de hoje do Público, a língua está de rastos: «O candidato socialista às presidenciais francesas do próximo ano tem uma grande vantagem sobre Nicolas Sarkozy nas sondagens. Ao declarar que renegociará o acordo saído da última cimeira europeia, se ganhar a eleição, reforçou a sua posição e a capacidade de tirar partido das vulnerabilidades do incumbente. (Págs. 16/17)»

     «Portinglês a cevar-se na incúria do indígena», comentava Montexto recentemente a propósito do uso desta palavra no mesmo jornal. Não conhecem ou esqueceram-se da lição de Bertrand Russell: «Na vida não se deveria cometer duas vezes o mesmo erro: há bastante por onde escolher.»

 

[Texto 814]