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Linguagista

Léxico: «amarelo-choque»

Para nada

 

 

      «A associação ambientalista Quercus alertou ontem que a EDP está a pintar partes do paredão da barragem de Bemposta (Mogadouro) de “amarelo-choque”, sem autorização do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB)» («EDP pinta barragem à revelia do ICNB», Público, 22.12.2011, p. 21).

      Ainda não foi acolhido, como o rosa-choque, nos dicionários, mas essa não é razão para ter o preservativo das aspas.

 

[Texto 873]

«Azulejo/mosaico»

Até para não haver confusões

 

 

      «Aqui, em contraste flagrante, encontramos um chão de azulejo cinzento, corredores bem iluminados ladeados de painéis de vidro num calmante verde-pálido e retretes com louças bonitas e portas de madeira maciça a toda a altura dos cubículos» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, pp. 119-120).

      Não serão muitos os dicionários que registam que o azulejo serve para revestir paredes. Alguns registam que é a placa de cerâmica geralmente utilizada no revestimento de paredes. Outros registam apenas que serve para revestir superfícies. Sabemos, contudo, do dia-a-dia, que, se formos a uma loja de materiais de construção e pedirmos azulejos, não nos darão nada de semelhante às placas cinzentas que revestem o chão dos terminais mais recentes do Aeroporto de Heathrow. Dar-nos-ão antes a escolher, e sem surpresa para mim, de entre uma série de placas de cerâmica parecidas com as que Ricardo Taveira desenhou para o Estádio do Sporting.

 

[Texto 872] 

Anglicismos

Já não chegam as palavras portuguesas

 

 

      «Sempre que mergulhavam os olhos um no outro, como se realizassem de novo a catástrofe que lhes ia cair em cima, entregavam-se a um novo acesso de choro» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 45). «A nossa sociedade é afluente em grande medida porque os seus cidadãos mais ricos não se comportam como popularmente se imagina» (idem, ibidem,  pp. 86-87).

      Decerto que o tempo de que se dispõe para se traduzir e rever tem toda a importância, mas, em relação a certos aspectos da língua, tanto demora e custa fazer bem como fazer mal. E quem quer, deliberadamente, fazer mal? Ninguém, certamente, mas adquirir conhecimentos é árduo, é trabalho, e trabalho que cedo se revela infinito.

 

[Texto 871]

Tradução: «room»

E ainda dizem que eles não

 

 

      «A intervalos de minutos, uma voz (geralmente de Margaret, ou então da sua colega Juliet, falando a partir de um pequeno quarto no andar de baixo) fazia um anúncio tentando reunir, por exemplo, uma Sr.ª Barker, recentemente chegada de Frankfurt, com a sua bagagem extraviada, ou de recordar ao Sr. Bashir o embarque imediato no voo para Nairobi» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 55).

      Ora vejam como se cai nos erros mais elementares. Uma funcionária do Aeroporto de Heathrow a trabalhar num pequeno quarto. Entre nós, o quarto é a divisão da casa onde geralmente se dorme. Quando se traduz a palavra room, é prudente pensar nestas coisas básicas. No caso, nem tradutor nem revisor repararam. É muita gente...

 

[Texto 870] 

Adjectivos compostos

Se não ofender

 

 

      Então qual foi o critério seguido? «[...] Algumas das viagens iniciadas aqui foram decididas apenas alguns dias antes, reservadas em resposta a uma situação a desenvolver-se rapidamente nos escritórios de Munique ou de Milão; outras são o fruto de três anos de ansiosa antecipação de regresso a uma aldeia no Norte de Caxemira com seis malas verdes-escuras cheias de prendas para jovens parentes ainda desconhecidos» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 35). «Não poderemos gozar palmeiras e piscinas azul-celestes, se a relação em que estamos envolvidos subitamente se revelar cheia de incompreensão e ressentimento» (idem, ibidem,  p. 54).

 

[Texto 869] 

«Eminente/iminente»

Dos piores

 

 

      «Do lado do terminal sobressaía a cauda solitária de um A321 da British Airways, antecipando outra odisseia eminente no frio implacável da baixa estratosfera» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 30).

      É o mais amaldiçoado par de parónimas que existe. Ainda ontem vi num autor, que me dissera ter sido professor de Português durante mais de 40 anos, «a eminência de um novo cerco». Na maioria dos casos, há-de ser resultado apenas de falta de atenção. Feito o diagnóstico, já se sabe o remédio.

 

[Texto 868]

Gíria médica

Aqui ao lado

 

 

      No noticiário das 7 da tarde, na Antena 1, o director clínico do Hospital da Luz, Dr. José Roquette, veio falar do estado de saúde de Eusébio. «Está estável, vígil e bem-disposto e acabou de jantar.» Quanto tempo vai ficar hospitalizado o Pantera Negra? «Nesta fase, é muito difícil fazer qualquer informação sobre o tempo que ele vai cá ficar.»

      Fazer medicação, fazer uma entorse, fazer informação... É a gíria médica na sua ausência de esplendor e de imaginação.

 

[Texto 867]

«Cisalhamento do vento»

Isso sim

 

 

      «Por detrás de cada voo bem sucedido estão os esforços coordenados de centenas de almas, desde os fabricantes dos kits de cortesia das companhias aéreas até aos engenheiros da Honeywell, responsáveis pela instalação de radares de detecção de cisalhamento do vento e de sistemas de prevenção de colisão» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 25).

      Eu não conhecia a expressão, de cariz técnico. Só me espanta uma coisa: que se não tenha copiado a expressão inglesa: wind shear. Kit está entre as palavras díficeis impossíveis de traduzir...

 

[Texto 866]

Uma frase

Interessa saber

 

 

   «Quando observamos objectos caríssimos de beleza tecnológica, podemos sentir-nos tentados a resistir ao assombro, não vá ficarmos estúpidos de admiração» (Uma Semana no Aeroporto – Um Diário de Heathrow, Alain de Botton. Tradução de Manuel Cabral e revisão de Tiago Albuquerque Marques. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 17).

   Trata-se, acaso, de uma expressão fixa, para que possa ficar assim? Ou há ali uma elisão: «não vá [acontecer] ficarmos estúpidos de admiração»?

 

 

[Texto 865]