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Linguagista

Como falam os psicólogos

O povo não percebe

 

 

      Triplo homicídio em Beja. Maria Francisca Rebocho, psicóloga forense, veio explicar tudo: «Tipicamente, este crime, estes crimes organizados estão associados a patologia mental, do tipo psicótico, patologia major, que este indivíduo não parece ter, porque, se ele estivesse sob o efeito de um delírio, não teria havido lugar àquela premeditação tão estruturada.» Hã?! Está bem, está bem.

 

[Texto 1117]

«Nariz saliente»

Mas todos dizem assim

 

 

      «D. João V era bastante alto, por isso descrito como tendo “uma estatura bizarra”. Contudo, era bem proporcionado e de agradável presença, com grandes olhos cinzentos e nariz saliente» (O Caminho dos Reis de Portugal, Sérgio Luís de Carvalho. Revisão de Fernanda Fonseca. Lisboa: Planeta Manuscrito, 2.ª ed., 2010, p. 88).

      Ora, eu já li muitas vezes isto: «nariz saliente». Fará sentido? É que o nariz é, como se pode ler em qualquer dicionário, a parte saliente do rosto, situada acima da boca, onde se encontra a parte anterior das fossas nasais, e que constitui o órgão do olfato. O vigésimo quarto rei de Portugal não teria antes o nariz demasiado saliente?

 

 

[Texto 1116]

Felicitas Philippi

Por um p

 

 

      «Filipe II chegou a pensar em transferir a capital de Espanha para Lisboa. A cidade passaria a chamar-se Felicitas Philipi» (O Caminho dos Reis de Portugal, Sérgio Luís de Carvalho. Revisão de Fernanda Fonseca. Lisboa: Planeta Manuscrito, 2.ª ed., 2010, p. 72).

      Só o refiro porque poucos portugueses (e nenhum espanhol?) o saberão. Quase acertaram, o autor e a revisora. Felicitas Philippi. «Houve mesmo o projecto de estabelecer a capital da Hespanha em Lisboa, a que chamavam Felicitas Philippi; a morte do monarcha, acontecida a 13 de março de 1621, impediu, talvez, de realizar-se a mudança», escreveu Teixeira de Aragão em 1875.

 

[Texto 1114]

«Último/mais recente»

Tu quoque, Antoni

 

 

      Na Antena 1, estavam a oferecer bilhetes para o concerto de Sara Tavares no Centro Cultural de Belém. Os ouvintes só tinham de saber o nome do último disco (Xinti) da artista. «Último não», corrige-se a si próprio António Macedo. «O mais recente trabalho. Último será daqui a muitos anos.» Não é assim, caro António Macedo, pois «último» também significa mais recente, mais novo. Nunca teve curiosidade de consultar um dicionário para ver? Quis dizer-lhe, mas: «A caixa de correio do destinatário está cheia e não pode aceitar mais mensagens.»

[Texto 1113]

«Força Armada»

Também não percebi

 

 

      Um oficial da Armada, Rui Amaral, nas «Cartas à Directora» do Público: «Li com bastante atenção o artigo de Vasco Pulido Valente (V.P.V.) de 10/02, “A insubmissão militar”. Entre outras coisas, escreve V.P.V. “Para que precisa a Força Armada de privilégios, que só faz sentido conceder em tempo de guerra? Como de costume, os militares começaram agora com exigências de puro carácter corporativo: promoções (sempre essa velha questão), saúde, equiparação de facto ao funcionalismo civil e outras queixas do mesmo teor....” Quanto à “Força Armada”, interrogo-me porque não usou V.P.V. a expressão correcta “Forças Armadas”. Terá querido usar um termo depreciativo para se referir a uma organização secular e estruturante do país ou ao invés tratou-se somente de um engano?»

      Também me interroguei sobre este singular tão singular. Não é raro que tais subtilezas, se o são, se percam completamente. É, convenhamos, um castigo justo.

 

[Texto 1112] 

Diferença e discriminação

Não se percebe a intenção

 

 

      «“A paz vai tardar” na comunidade de Beja, antecipa João Gregório, que diz ter andado “à escola” na primária com Francisco Esperança» («Prisão preventiva para alegado autor de triplo homicídio», Carlos Dias, Público, 16.02.2012, p. 10).

      Não sei se gosto de ver os jornalistas, habitualmente tão desleixados quanto ao resto, tão atentos a estas diferenças linguísticas. Está a fazer um ano que a jornalista Catarina Pires tentou reproduzir o sotaque de uma imigrante chinesa: «Estudantes do 9.º e 6.º anos da Escola Selecta, em Lisboa, estão entre os melhores alunos e, quando não estão nas aulas, estão em casa a estudar. “Acho que aquela é muito regulosa. Eu também sou, mas ainda não cheguei ao nível dela. Ela é mais exigente”, observa Inga, a rir» («Mães tigre em Portugal», Catarina Pires, Notícias Magazine, 6.03.2011, p. 69).

      «Nega, contrafeito, e informa-me que é de Évora. Digo-lhe de onde sou. Servido o brande, com mão de alentejano para alentejano, a conversa adianta-se, fluente e íntima como se nos conhecêssemos de andar à escola» (Crónicas Algarvias, Manuel da Fonseca. Lisboa: Círculo de Leitores, 1987, p. 72).

 

[Texto 1111]