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Linguagista

Última e átona: cai

Comem tudo

 

 

      Do Caixodré já toda a gente ouviu falar. Alguns até da Rua do Clolé. Do Cam Pequeno é que nem todos têm notícia. Numa «pilhéria linguística», o padre Américo F. Alves conta que uma equipa de futebol espanhola veio a Lisboa jogar com um clube português. Quando quiseram saber onde era o jogo, responderem-lhes: «O jogo é no Cam Pequeno!» Em Espanha, contaram e escreveram depois que tinham jogado no Perro Pequeño... «Se a última sílaba fosse pão, raros teriam fome em Portugal, porque muitos a comem...», remata o autor.

 

[Texto 1301] 

Como se escreve nos jornais

É preciso paciência

 

 

      «Os solavancos colocam à prova a perícia dos condutores. E a centenas de metrosde [sic] distância a unidade móvel é imediatamente reconhecida por aqueles a quem vai prestar apoio devido às suas cores vivas» («Uma luta diária para exorcizar o apelo suicidário nos velhos de Odemira», Carlos Dias, Público, 1.04.2012, p. 32).

      «Colocam à prova»! Ainda se isso fosse o pior do artigo. Começa pelo título: «suicida» já não chega para as necessidades, tem de se recorrer a «suicidário». E a pontuação? E as gralhas? Fica uma amostra:

1. «O mais novo, Manuel E., dirige-se bem humorado à equipa médica, desta vez acompanhada pelos dois psiquiatras e eplso [sic] PÚBLICO, enquanto remenda um velho cinto de couro.»

2. «O único contacto que os dois irmãos mantêm com o exterior, faz-se por telemóvel.»

3. “Se desviamos um palmo já não temos”, informa o irmão mais velho Olímpio E..»

4. «Álvaro de Carvalho, tenta confortá-lo, mas o homem insiste: ”Tenho cá uma coisa dentro da cabeça que não me deixa dormir, nem comer. Tomo comprimidos mas dói sempre.”»

5. «Deixou de trabalhar para tomar conta do pai. Está preocupado, porque acabou a medicação e tem medo de uma recaída. Conceição Quintas, descansa-o.»

6. «“Atão senhor Manel como vai isso hoje?”, pergunta a enfermeira Mónica Raimundo, que faz a muda de pensos, mede a tensão e verifica a medicação.»

7. «Uma constante observada entre os idosos isolados, realça a coordenadora da UMS, é “a ausência de capacidade reivindicativa, habituados que foram a ter pouco”. A primeira surpresa surge “quando se lhes dizque [sic] têm os direitos de toda a gente”, mas “recusam-se a pedinchar, não querem vistos como coitadinhos, têm a sua dignidade”.»

 

[Texto 1299]

«Se» apassivante (iii)

Boa pergunta

 

 

      «Os que defendem que o “se” é pronome indefinido e sujeito do verbo, raciocinam assim: o “on” francês é um pronome indefinido, sempre sujeito no singular e requer, portanto, o verbo no singular; ora o “se” português ocupa o lugar do “on” francês. Por conseguinte, o “se” português é também um pronome indefinido e sujeito do verbo no singular (vende-se casas, apanha-se urtigas, cata-se pulgas, etc.).

      Com franqueza! Os macacos me mordam se isto não é um argumento menos que primário! Se, por hipótese, e sem ponta de malícia, não existisse a caríssima Língua Francesa — que eu só ensinei trinta e nove anos! — mas houvesse a Língua Portuguesa tal como é, que haveríamos de chamar ao “se”?» (Nem Tanto Erro!, de Américo F. Alves. Edição do autor, Braga, 1993, pp. 85-86).

 

[Texto 1298] 

«Comemos e ingerimos»

Introduzir pela boca

 

 

      Jornalista Carla Trafaria no Bom Dia Portugal de ontem: «Assinala-se hoje o Dia Mundial da Nutrição. É uma data simbólica de sensibilização para uma alimentação saudável e equilibrada que garanta o bem-estar e a saúde. Tanto assim é que aquilo que comemos e ingerimos pode estar na origem de várias doenças, como a obesidade, a hipertensão arterial, o aumento nos níveis de glicose sanguínea e também o alto colesterol.»

      Já tínhamos visto, algures, esta confusão. «Comer» e «ingerir» são sinónimos. O que a jornalista queria dizer era «comemos e bebemos», mas também não era necessário. No contexto, bastava usar um dos verbos, e de preferência o segundo, de sentido mais genérico.

 

[Texto 1297]

«Se» apassivante (ii)

Comprem-se então dois queijos

 

 

      «O processo passa-se assim:

    Diz-se, por exemplo, “Compra-se queijo” ou “Compra-se um queijo”. É uma frase apassivada impessoal (sujeito — queijo).

      Se um queijo é pouco, porque não dois... meia dúzia?

      E dá-se mais um passo, aliás fácil mas falso, e começa-se a dizer: “Compra-se queijos”; “compra-se seis queijos”.

      Se “queijo” era sujeito e “se” partícula apassivante, como deixam de o ser?

      Mas não há concordância — dirão.

      Pois não, porque a frase está errada. Se num infeliz momento se considerar generalizada essa anomalia e, pior ainda, se os responsáveis concederem tréguas, fique ao menos a História da Língua para explicar o “mistério”» (Nem Tanto Erro!, de Américo F. Alves. Edição do autor, Braga, 1993, p. 113).

 

[Texto 1296]