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Linguagista

«Popozuda» e «periguete»

E se fosse em Portugal?

 

 

      «Está confirmada a sua presença no Carnaval do Rio de Janeiro e, por isso mesmo, Jennifer Lopez não quis perder tempo. A artista já começou a ter aulas de português e terá pedido para lhe ensinarem palavras engraçadas. “Popozuda” e “periguete” (mulher liberal) serão duas das expressões brasileiras que já aprendeu» («Jennifer Lopez. Artista aprende a falar português», VIP, n.º 760, 7.02 a 12.02.2012, p. 83).

      De «popozuda» não diz nada, mas «periguete» o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista-o. Critérios...

 

[Texto 1331]

Como querem

Às ordens

 

 

      «Para produzir canhões, Filipe de Brito não olha a meios: incendeia pagodes, derrete o bronze de sinos sagrados, despoja-se dos escrúpulos que ainda lhe restam e ataca Shwedagon, o mais sagrado dos templos budistas do Sul da Birmânia. O erro, Brito, pagou-o caro. Capturado e empalado vivo, o autoproclamado rei da Baixa Birmânia só ao fim de três dias sucumbiu à tormenta, levando para a cova o insensato sonho de um reino português no delta do Irrawady» («Birmânia. A noite em que voltou a esperança à ilha a que os portugueses chamaram Sirião», Marco Carvalho, Público, 7.04.2012, p. 23).

      Por ordem e sem nada escapar (como alguns querem e outros, insensatos, exigem): não podemos ter uma vírgula a separar o sujeito do predicado. «O erro, Brito pagou-o caro.» «Empalado vivo»? Ainda nos há-de dizer, Marco Carvalho, se conhece algum suplício aplicado a mortos. De «autoproclamado» talvez Montexto afirme que o elemento «auto-» está a mais, mas o certo é que, pelo menos no caso em apreço, não saberíamos então, se mais não disséssemos, quem o proclamou. E, por fim, a empalação será uma tormenta ou um tormento?

 

[Texto 1330]

Léxico: «estupa»

Mais uma falha

 

 

      «Kyi Kyi Jhan marcou encontro em Sule e desbravou um mar de trevas para nos receber. Sule Paya é onde bate o coração de Rangum, pagode grotesco e circunvalação por onde se escoam à hora de ponta milhares de viaturas e de transeuntes sem paciência. Kyi Kyi, 68 anos, aguarda-nos no ponto em que as duas faixas de Mahabandoola se dividem e engolem num abraço a estupa dourada» («Birmânia. A noite em que voltou a esperança à ilha a que os portugueses chamaram Sirião», Marco Carvalho, Público, 7.04.2012, p. 22).

      É vocábulo que continua — anos depois de o ter dito no Assim Mesmo — ausente da maioria dos dicionários.

 

[Texto 1329]

Como se escreve nos jornais

Ou seja?

 

 

      «A Birmânia é uma terra de sombras, um país onde até os gestos mais inofensivos se revestem de significados truncados. Até há não muito tempo, os birmaneses evitavam o contacto com os estrangeiros que os visitavam para evitar retaliações. Agora abrem-lhes as portas, convidam-nos para a mesa, mostram que há mais no país do que uma desolação de cimento apodrecido, fachadas queimadas e passeios partidos» («Birmânia. A noite em que voltou a esperança à ilha a que os portugueses chamaram Sirião», Marco Carvalho, Público, 7.04.2012, p. 22).

 

[Texto 1328]

«Ecce homo»

Eis o homem


      Este ano, dois elementos do Corpo Nacional da Polícia espanhola estiveram a patrulhar as ruas de Braga durante a Procissão Ecce Homo, que teve pouco público, talvez por causa do frio e da ameaça de chuva. O repórter da RTP Luís Henrique Pereira pronunciou duas vezes, com deleite, as palavras latinas. Com pronúncia eclesiástica, como também eu aprendi. No Forvo, está registada a pronúncia de três falantes, estupidamente duas na entrada «ecce homo» e uma na entrada «ecce hŏmo», como se a braquia fizesse dela outra expressão. Se quisermos contribuir com a pronúncia tradicional, recebemos insistentemente a mensagem: «Opa! O gravador está em manutenção. Por favor, tente novamente mais tarde. Obrigado..» No entanto, há um ecce com pronúncia tradicional.

 

[Texto 1327] 

Ah, os dicionários

No Alentejo

 

 

      Um dos melhores programas da televisão é Viagem ao Centro da Minha Terra. Infelizmente, dos seis transmitidos, apenas vi dois. Ontem a terra era Odemira, o maior concelho do País. Foram ter com mestre Chico da Ribeira, antigo ferrador, mas que, com um toque de humor alentejano, se apresenta como «sapateiro de solípedes». Tão rara será já a palavra, que o operador de câmara (foi ele?) perguntou o que eram solípedes. «O que é solípedes?» «É um cavalo, uma mula, um macho.» «Ah, ok.» Quem apresentou mestre Chico foi Pamela Wieser, uma austríaca a viver em Odemira, que foi apresentada como equitadora. Agora vejam. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define «equitador» como «bom cavaleiro». O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora diz que é a «pessoa que pratica equitação». Para o Dicionário Houaiss, é o «indivíduo especializado em equitação».

 

[Texto 1326]

Ortografia: «supetão»

Incúria linguística

 

 

      Do editorial do Público de hoje: «Cortes nos subsídios prolongados, reformas antecipadas proibidas, revisões do memorando elogiosas mas ameaçadoras. A novela da crise, que parecia adormecida desde o acordo europeu de 2 de Março, regressou em força. Os cortes abruptos, decididos de sopetão, trouxeram consigo as marcas do improviso e da batota linguística. O pior foi ter-se faltado à palavra dada quanto à vigência dos cortes nos subsídios. A explicação “vagarosa” de Vítor Gaspar, para dizer que referira o limite de 2013 “por lapso”, só acrescentou uma preocupante arrogância intelectual ao que toda a gente já entendeu» (p. 52).

      Não faltam abonações para a grafia «sopetão», como seria de imaginar, mas creio que nenhum dicionário a regista. A locução é de supetão. O que alguns dicionários registam é «súpito» e «súpeto». A evolução foi essa mesma: de súbito passou-se para súpito e deste para súpeto e, mais expressivo, supetão.

 

[Texto 1325]