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Linguagista

Plural de «mórmon»

Não está, não

 

 

      Ainda hoje não sei como não vi que o verbete «mícron», no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, registava o plural. Tenho de acreditar no Departamento de Dicionários da editora, que me diz que estava lá. Ora, a verdade é que este dicionário não regista muitos plurais. Acabei agora de consultar o verbete «mórmon»: não regista o plural. E fazia falta, oh, se fazia. No Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, encontramos na página 687 o plural de «mórmon»: «mórmones».

      «Howard Brownstein lembra-se de jogar basquetebol nos seus tempos de estudante em Harvard na igreja mórmon local porque tinha um ginásio. A maioria dos jogadores eram mórmones. “Alguns deles eram muito bons. Muito melhores do que eu”, ri Brownstein. [...] Mas e se Romney não fala da sua religião precisamente porque isso não faz parte da natureza dos mórmons, uma comunidade que há um século era alvo de perseguição?» («Ainda ninguém sabe o que vai na cabeça de Mitt Romney», Kathleen Gomes, «2»/Público, 8.04.2012, p. 22).

 

[Texto 1340] 

Como se fala na televisão

Jazem... a arrastar pelo chão!

     

 

      O repórter da RTP Luís Henrique Pereira continua a passear por Braga, a Idolátrica, o seu esplendor. Desta vez, na Procissão do Enterro do Senhor. «O silêncio sepulcral impõe-se nesta noite.» Tinha de ser sepulcral, ou seria demasiado vivo para a ocasião. «Em sinal de luto, os capitulares e membros de confrarias vão de cabeça coberta. As bandeiras e estandartes jazem a arrastar pelo chão.» É melhor escolher: ou jazem ou arrastam-se. Ao mesmo tempo, causa solavancos na própria mente.

 

[Texto 1339]

Ler o jornal como TPC

Era bom, era

 

 

      «Para o pedopsiquiatra Eduardo Sá [,] ir ao supermercado, verificar o talão e o troco, pode ser “fantástico” [como TPC]. O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Albino Almeida, frisa que há muito que na Finlândia os TPC passam por ler o jornal. “Não é a brutalidade dos TPC com que os nossos alunos vêm para casa. Às 23h os pais ainda estão a empurrar a sopa de um lado e os TPC do outro”» («Ver o telejornal pode ser um TPC?», Maria João Lopes, Público, 8.04.2012, p. 17).

      Era bom, era, mas isso só é possível quando o ensino é tão bom, que dispensa os trabalhos para casa, quase sempre vistos como um castigo.

 

[Texto 1338]

«Milhão de milhões»

Eu não agradeço

 

 

      «Nos anos 1920, durante a República de Weimar, a Alemanha viveu um fenómeno de hiperinflação, em que chegaram a ser precisos quatro milhões de milhões de marcos para perfazer um só dólar americano. A instabilidade provocada por este constante aumento de preços acabaria por gerar tensões sociais e políticas que, em última instância, conduziriam à ascensão de Hitler ao poder» («Na Alemanha, o slogan mudou, mas a receita para a crise continua a mesma», Ana Rita Faria, Público, 8.04.2012, p. 22).

      Não nos surpreendemos duas vezes: já aqui tínhamos falado desta hiperinflação. Ana Sá Lopes, no i, escreveu então: «No auge da inflação, uma libra esterlina valia 4,3 biliões de marcos.» Não sei se é apenas aos jornalistas do Público que se recomenda que escrevam, «sempre que possível» (!), «milhão de milhões» em vez de «biliões». Temem pela nossa cabecinha, coitados.

 

[Texto 1337]

«Para acabar com o trauma»

P’rtuguês light

 

 

      Segundo Teresa R. Cadete, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, «para acabar com o trauma, esse real, de confrontação diária com um p’rtuguês light inconsequente e descaracterizado, só existe um caminho coerente: o de exigir a revogação do AO assinando a petição através do link http://ilcao.cedilha.net/. Porque o AO só se tornará num facto consumado se não houver um número significativo de cidadãos que se dêem a esse ínfimo trabalho.

      Não quero terminar sem uma nota de solidariedade para todos aqueles que se vêem profissionalmente coagidos a aplicar o AO. Na verdadeira política, a que parte dos indivíduos pensantes em interacção, não há receitas. Deixo aqui a minha homenagem a essas pessoas que têm um caminho mais difícil para organizar formas de resistência a uma medida injusta, autoritária e irracional — porque é essa via que fará História, mas que também só se fará caminhando» («A desmontagem do “facto consumado”», Público, 8.04.2012, p. 54).

 

[Texto 1336] 

Léxico: «nervoseira»

Está melhor

 

 

      «Fora o valor de entretenimento destas querelas entre políticos sem função, não se percebe onde o secretário-geral do PS, com seu arzinho de menino de “bons costumes”, queria chegar. A parte nenhuma, provavelmente. Sem mais nada para dizer, resolveu, numa crise de nervoseira, dizer aquilo» («Seguro e o socialismo», Vasco Pulido Valente, Público, 8.04.2012, p. 56).

      Vasco Pulido Valente anda cada vez mais afastado, para nosso descanso e compreensão do indígena, do idioting. Agora vai usando palavras que só o indígena usa e os dicionários desprezam. Está melhor.

 

[Texto 1335]

Sobre «avalancha»

Algo mudou

 

 

      «A neve deixada pela avalancha chegava a 25 metros de altura numa área de um quilómetro. Mais de cem soldados paquistaneses estariam soterrados debaixo da enorme quantidade de neve, onde socorristas lutavam para encontrar sobreviventes, apesar do [sic] mau tempo dificultar as operações. [...] A avalancha atingiu um campo militar paquistanês no glaciar de Siachen, nos Himalaias, junto à fronteira com a Índia, ontem, por volta das 6h (hora local)» («Uma centena de soterrados em avalancha em Caxemira», Público, 8.04.2012, p. 29).

  O aportuguesamento «avalancha» está, nos últimos tempos, e pelo menos na imprensa, a ganhar terreno a «avalanche». O sinónimo perfeito «alude» (ver aqui), que nos veio do castelhano e tem, ao que parece, origem pré-romana (o que não chegaria, na opinião de David Lopes, para o impor entre nós), raramente aparece. Manuel de Paiva Boléo preferia-o a «avalanche», como em vez de «glaciar» preferia «geleira». Consultem o verbete no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Lá está: «Geologia ⇒ glaciar».

 

[Texto 1334]

Léxico: «vermicomposto»

Mais um passo e

 

 

      «Tudo aqui é tão natural e artesanal que até decidiram fazer o próprio vermicomposto para a terra. Antes de partirmos, Vasco vai mostrar-nos. Debaixo de um telheiro estão umas grandes camas de estrume já compostado. Ele mete a mão e aparecem uma série de minhocas que ali estão a trabalhar activamente para melhorar o composto. Mais biológico é difícil» («Adeus monotonia, “há tantas formas, feitios, sabores e cores de tomates”», Alexandra Prado Coelho, «Fugas»/Público, 7.04.2012, p. 27).

      O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa está quase lá, pois regista «vermicompostagem».

 

[Texto 1333]

«Escuso-me de...»

Usa-se menos

 

 

      «Escuso-me de dizer que os ovos têm de ser muito frescos — acabados de pôr é o melhor — e que os mais saborosos são os ovos de galinhas que andam soltas e levam a vida que querem» («A felicidade, quando ataca, pode ser só um ovo estrelado (ou dois)», Miguel Esteves Cardoso, «Fugas»/Público, 7.04.2012, p. 10).

      É regência menos vulgar, mas correcta, do verbo «escusar». Encontro-a em Vasco Botelho de Amaral, por exemplo, ou na Carta de Guia de Casados, de D. Francisco Manuel de Melo: «Escuso-me de acabar o adágio, porque de todos é sabido.»

 

[Texto 1332]