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Linguagista

Sobre «soldeur»

Ou sim?

 

 

      Azar. Temos «saldo» e «saldar», mas o soldeur francês, que me dava agora jeito, não nos coube em sorte. «Comerciante de saldos»? Ah, mas vejo que o Dicionário Houaiss regista «saldador», «que ou o que salda». Incluirá todas as acepções? Nunca o vi referido ao que vende por preços inferiores aos normais mercadorias que estão fora de moda ou que não têm procura.

 

[Texto 1349]

Sobre «sobredosagem»

Não é um caso para Marcelo

 

 

      «A 5 de Agosto assinalam-se os 50 anos da morte de Marilyn Monroe, encontrada sem vida aos 36 anos na cama da sua casa de Los Angeles graças a uma sobredosagem de barbitúricos e muitos são os acontecimentos pensados para homenagear a sex symbol» («50 anos depois, Marilyn mais viva que nunca», Público, 10.04.2012, p. 39).

      Estamos, por uma feliz vez, com sorte: esqueceram a overdose. Agora reparem: o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista nem «sobredose» nem «superdose», como o Dicionário Houaiss, mas acolhe «sobredosagem». O pior, porém, é que o verbete «overdose» não remete para o verbete «sobredosagem».

 

[Texto 1348]

Como se escreve nos jornais

Podia ser pior

 

 

      «Profissionais, utentes e familiares vão realizar hoje um cordão humano junto à Maternidade Alfredo da Costa (MAC), contra o encerramento desta instituição, disseram à Lusa fontes clínicas. A ideia do Abraço à MAC partiu de profissionais desta instituição — médicos, enfermeiros e administrativos — mas também de utentes e familiares de utentes que se consideram ligados à MAC» («Cordão humano contra fecho da MAC», Público, 10.04.2012, p. 11).

      «Realizar um cordão humano»! Não seria melhor dar outra redacção à frase e evitar o verbo?

 

[Texto 1347]

Esqueçam a «golpaça»

Neste ínterim

 

 

      Jornalista Sandra Sá Couto no Jornal da Tarde de ontem: «Marcelo deixou cair a palavra “golpaça”, porque descobriu que não existe no dicionário, mas mantém que a revisão dos estatutos no PS foi um golpe de António José Seguro.»

      Descobriu... Na Internet não se tem falado de outra coisa. Bem, «não existe no dicionário», e depois? Não se pode usar por isso, querem ver? Isto é que é uma compreensão da língua... O Ciberdúvidas de ontem publicou a opinião de Paulo J. S. Barata sobre esse crime de lesa-língua. Transcrevo os últimos três, e mais significativos, parágrafos: «Neste ínterim ninguém parece ter reparado que a palavra “golpaça” não está dicionarizada, o que está é golpada.

      O que fez Marcelo Rebelo de Sousa? Pegou no substantivo golpada, retirou-lhe o sufixo -ada e substituiu-o pelo sufixo aumentativo -aça, conferindo uma conotação mais pejorativa a uma palavra que já a tem. O sufixo -aça é usado em palavras como por exemplo gentaça, mulheraça, louraça, peitaça ou populaça, colocando-lhes frequentemente algo de depreciativo. Não lhe chegando o golpe ou a golpada, que já significa “grande golpe” ou golpe forte, Marcelo Rebelo de Sousa quis ainda carregar um pouco mais nas cores e cunhou, mas corretamente — diga-se —, esta “golpaça”...

      E assim se criam novas palavras...»

      Enfim, opiniões. Marcelo Rebelo de Sousa sai sempre a ganhar. Agora criou uma nova palavra, dizem os especialistas.

      «Valentim ficou ali especado, cheio de raiva. Não conseguiu fixar a matrícula. E nada se podia fazer, era uma golpaça frequente, tinha que se ter o maior cuidado com estes sujeitos... — disseram-lhe na portaria» (Assim Se Esvai a Vida: Três Livros num Só, Urbano Tavares Rodrigues. Revisão de Clara Boléo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, p. 278).

 

[Texto 1346]

«Colocar»

Põe de lado

 

 

      «Uma decisão-surpresa é que só pode ser inaceitável para qualquer pessoa de boa-fé. Coloquemo-nos na pele destas pessoas. Sobretudo sabendo que o Governo nunca faria o mesmo, se fossem outros os privados e os contratos» («Os limites da emergência», Pedro Lomba, Público, 10.04.2012, p. 48).

     «Sempre que Alexandra ia de viagem e o deixava entregue à Sophia Bonifrates, era sabido que começavam as porreirices da tipa, a tipa a pôr-se na pele da tia-amiga, da Tia Sophia, como a si mesma se chamava (...)» (Alexandra Alpha, José Cardoso Pires. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p. 125).

 

[Texto 1345]

«Cristianismo», grande e pequeno

Sem critério nem cuidado

 

 

      «A evangelização do Congo, no século XVII, é descrita pelo antropólogo Carlos Almeida como uma luta em que o padre é visto pelos africanos como mais um especialista na manipulação dos espíritos que o Cristianismo combatia» («Congo: quando os padres e os feiticeiros lutavam pelo poder dos espíritos», Nicolau Ferreira, Público, 10.04.2012, p. 24).

      Em todo o artigo, a palavra foi usada nove vezes, seis vezes grafada com maiúscula inicial, três com minúscula inicial. O leitor tira forçosamente conclusões, mas não decerto sobre a grafia da palavra.

 

[Texto 1344]

«Arqueação bruta, GT»

Nós aguentamos

 

 

      «No ano passado, a Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura tinha nos seus registos 8383 embarcações, das quais 7328 se enquadravam no segmento dos pequenos barcos, que muitas vezes operam a poucas centenas de metros da costa, por um ou dois tripulantes. Estas unidades tinham uma arqueação bruta de menos de 2 GT (medida do volume interno de uma embarcação). No total, os pequenos barcos – que representam quase 90% do total – dispunham, no seu conjunto, de menos de 10% da arqueação bruta da frota nacional» («Pequenas embarcações continuam a ser dominantes na frota», José Manuel Rocha, Público, 10.04.2012, p. 14).

      Não era preciso, creio, darem-nos a fórmula para calcular a arqueação bruta ou iniciarem-nos nos arcanos da Convenção Internacional de Arqueação, mas pelo menos informarem que GT é abreviatura de gross tonnage.


[Texto 1343]