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Linguagista

Desgraçadíssimo verbo «haver»

Pois parece mentira

 

 

      No noticário das 5 da tarde da Antena 1, Rui Cardoso, recém-eleito presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: «Podem haver brilhantes juristas, quer em termos de qualidade técnico-científica, quer em termos de probidade, de integridade das pessoas que são nomeadas, à prova de qualquer suspeita, à prova de tudo, de todo o juízo crítico de qualquer português.» Já não pode garantir — como fica provadíssimo — o mesmo em relação ao conhecimento que têm da gramática.

 

[Texto 1392]

«De requitó»

Reincidente

 

 

      «“Virá a ambulância, não virá?”, perguntou-se. “Que é que eu terei para ir assim de requitó para o hospital?”» (Tubarões e Peixe Miúdo, Alexandre Pinheiro Torres. Lisboa: Editorial Caminho, 1986, p. 121).

      Já conhecia a expressão... de outra obra de Alexandre Pinheiro Torres, O Adeus às Virgens. Alguém já a leu noutra obra?

 

[Texto 1391]

«Meter/pôr/colocar»

Derrancaram o bom povo

 

 

      Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. O repórter Virgílio Cavaco, da Antena 1, foi em demanda da Capela de Nossa Senhora do Campo, lá no cabeço do Facho, Macedo de Cavaleiros. Pôde assim ouvir o bom povo, que já está todo atrapalhado, a julgar por esta senhora, habitante da aldeia de Lamas: «Falou-se portanto com o senhor presidente da câmara para meter o santuário, ou pôr, colocar, o santuário no roteiro turístico, porque sempre teria mais pessoas que visitavam isso.»

      Ah, e sabiam que em português antigo «macedo» era a terra boa para mançaneiras? Não, não foi o repórter que o disse. Mançaneiras não, carago, que é quase castelhano, manzaneras. Macieiras. No português arcaico, a palavra era mançã, semelhante, pois, ao castelhano manzana. Se hoje dizemos maçã, é por dissimilação das nasais.

 

[Texto 1390] 

Léxico: «aiar»

Ai, ai

 

 

      «Povo sentimental, como é o Português, não admira que esteja sempre aos ais, do que até se fez o substantivo ai ai “lamento” e o verbo aiar, “dar ais”, arquivados no Diccionario Contemporaneo e no Novo Diccionario» (Estudos de Filologia Portuguesa, J. Leite de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1961, p. 184).

      «Quando chegou ao Ninho o chofer teve de o ajudar. Sacatrapo aiava desesperado, o que fez com que a Fagueiro e o Gurmesindo logo acorressem» (Tubarões e Peixe Miúdo, Alexandre Pinheiro Torres. Lisboa: Editorial Caminho, 1986, p. 103).

 

[Texto 1389]

Desgraçado verbo «haver»

Haviam de ver

 

 

      Ontem foi Dia Mundial da Hemofilia. A Dra. Alice Tavares, imuno-hemoterapeuta, foi ao Bom Dia Portugal explicar este distúrbio hereditário que dificulta a coagulação do sangue. O jornalista quis saber se se deve fazer prevenção. «Deve começar antes de haverem as hemartroses, portanto as hemorragias intra-articulares, porque são essas hemorragias de repetição que vão causar as alterações musculoesqueléticas graves e incapacitantes.»

      Não é nada raro ver os vocábulos «imuno-hemoterapia» e «imuno-hemoteraupeuta» incorrectamente escritos, como, por exemplo, aqui na página da Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches, que publicita o Curso de Aperfeiçoamento em Imunhohemoterapia». Estavam a precisar mais de um Curso Básico de Ortografia. Nas páginas da Ordem dos Médicos, do Hospital de São José, do Hospital de Santa Maria, do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio e em muitas outras lê-se essa grossa calinada. «Falar é fácil porque não há palavra que não se deixe dizer», já sentenciava Sacatrapo. O pior é escrever.

 

[Texto 1388] 

Consoante muda

Uma nova política

 

 

      «Há uma nova esquerda», é o título da crónica, que se lê com gosto e proveito, do historiador e eurodeputado Rui Tavares. «Historiador e eurodeputado» é mesmo o que se lê agora no fim da crónica, já sem o ferrete «a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico». Podemos vislumbrar aqui uma nova atitude do Público?

 

[Texto 1387]

Regência de «reverter»

Não percebi logo

 

 

      «A enóloga proprietária da marca Quinta de Remostias decidiu reverter um euro da venda de cada garrafa de vinho que produziu para a criação de uma bolsa de investigação que permita desenvolver novas formas de diagnóstico de doenças raras. Uma ideia invulgar e feliz para contribuir para o desenvolvimento da ciência. Portugal não está habituado a mecenato deste tipo e seria bom que outros seguissem Rola-Braz» («Ana Rola-Braz», Público, 18.04.2012, p. 48).

      Acho que estão a precisar de comprar um dicionário de regências verbais. Dá jeito tê-lo à mão. Em alternativa, estudarem um pouco mais.

 

[Texto 1386]

Rabo sem cauda

Ah, senhora professora...

 

 

    «Que lhe exibisse a miséria das placas dentárias, vá, mas agora as podridões do rabistel?...» (Tubarões e Peixe Miúdo, Alexandre Pinheiro Torres. Lisboa: Editorial Caminho, 1986, p. 78).

  Mero pretexto para contar o que me contaram: uma professora de Português convenceu os alunos a consultarem um dicionário para verem que, como ela afirmava, «rabo» é apenas «cauda» e nada mais. Não significa, argumenta ela, «nádegas» ou «ânus». Ainda estou para ver que dicionário usaram que não registasse a sinonímia.

 

[Texto 1385]

Da condestabresa à gerenta

Fazem companhia à «presidenta»

 

 

      Pois não, o título honorífico «condestável» não tem feminino, nem se está a ver como poderia tê-lo. Já a variante «condestabre» tem feminino: «condestabresa», como se lê, por exemplo, em Feliciano de Castilho. E «gerenta», já por aí viram?

      «Sim! Não sabia? Então vocês esfregam-se um no outro e você não sabia que ela era proprietária gerenta da oficina Ford de Cathays Street?» (Tubarões e Peixe Miúdo, Alexandre Pinheiro Torres. Lisboa: Editorial Caminho, 1986, p. 71).

 

[Texto 1384]

O lugar do til

O leitor que decida

 

 

      «Costumamos soletrar á ó til: ão. Diz-se assim, e não, como se esperaria, à til ó, porque antigamente, por exemplo, no século XVII, se escrevia e não ão. Há professores primários que hoje ensinam a pronunciar á-til-ó» (Estudos de Filologia Portuguesa, J. Leite de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1961, p. 157).

      Decerto já viram que os semianalfabetos e as crianças quando começam a aprender a escrever não o põem sobre o a nem sobre o o, mas estrategicamente entre os dois: o leitor que decida onde pertence!

 

[Texto 1383]