«Pucela de Orleães»
Por causa das pulgas
Hoje também ouvi parte do programa Em Nome do Ouvinte, na Antena 1. (Ah, sim aquela música de fundo é irritante.) Uma ouvinte — que «pediu reserva de identidade», mas é professora de São Domingos de Rana — queixava-se, de forma irónica, de uma tradução que ouvira na emissão de 7 de Janeiro do programa Musica Aeterna, de João Chambers, dedicada aos 600 anos do nascimento de Joana d’Arc (podem ouvir aqui). «[...] O nosso amigo não a conhecia mas conhecia puce, o mesmo que “pulga”. Portanto pucelle devia ser um diminutivo de “pulga”. Mas hesitou em atribuir à heroína da sua crónica o cognome de Pulguinha e ficou-se pelo simples e mais digno Pulga. Teve ainda o cuidado de explicar a origem de tão obscura e menos decorosa alcunha. O problema é que pucelle significa “virgem” ou “donzela”, e não tem nada a ver com pulgas. Em francês, quando a palavra aparece com maiúscula, como substantivo próprio, La Pucelle refere-se sempre a Joana d’Arc [...]. Quando não se conhece uma palavra, vai-se procurar no dicionário. De resto, a palavra “pucela” existe em português, como o nosso historiador à pressão saberia caso se servisse de um dicionário. Mas, evidentemente, os dicionários são uma chatice e a malta traduz a olho e sai sempre bem. Como se vê.»
João Chambers tentou defender-se (mas valia mais ter-se calado): «Exma. Senhora: agradeço reconhecido o reparo, uma tradução desadequada embora correcta de uma palavra estrangeira, que fez o favor de enviar, o qual foi o primeiro em onze anos de colaborações ininterruptas na Antena 2. Trata-se de um daqueles equívocos que nos acompanham desde criança e que nem uma estadia profissional de largos anos num país de língua francófona serviu para debelar. Aproveito a oportunidade para, em face do estilo e da ortodoxia utilizados no meio de V. Exa., concluir com o seguinte aforismo de Pascal: ninguém é tão ignorante que não tenha algo a ensinar, ninguém é tão sábio que não tenha algo a aprender.»
Havia outros disparates (mas só ouvi durante 5 minutos), como João Chambers afirmar que estudos do século XX revelaram que a personalidade de Joana d’Arc evidenciava «a santidade e o integralismo», mas nesses não tocou a ouvinte.
[Texto 1475]