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Linguagista

Adeptos trajados

Ou viriam tarjados?

 

 

      Foi tal como me disseram. A repórter Filipa Pereira estava a fazer uma reportagem sobre o Académica-Sporting para o Primeiro Jornal da SIC. «Já se vão vendo alguns adeptos que vêm trajados.» Ela própria estava trajada e abrigava-se sob um guarda-chuva azul. Por causa disto, fui ver o que estabelece o Código Penal. Primeiro facto: este diploma legal não contém a palavra «nudez». Espanto e exultação dos defensores do nudismo. O artigo 170.º prevê a punição de «quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista». Lá está, clamam os defensores do nudismo, «exibicionismo»! Imaginem, pedem eles, que estamos a falar de pessoas de 80 anos que se despem numa praia qualquer. Estão a exibir-se? Confundem um pouco as coisas: exibir não é pôr à vista, mostrar? Então...

 

[Texto 1562]

Como falam os políticos

Grande coisa: «o coiso»

 

 

      «O desemprego tem que ser uma preocupação de todos nós. E todos nós temos que trabalhar em conjunto, sindicatos, patrões e partidos, para conseguirmos ultrapassar este coiso» (Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia, na sexta-feira, no Parlamento).

      A palavra «coisa» significa tudo e não significa nada, como se sabe. É, como dizem os Brasileiros, palavra-ônibus. Parece modesta, mas é irmã da palavra «causa». «Coiso», não, «coiso» é qualquer indivíduo, fulano. («Já francamente injurioso e provocador soa a forma masculina correspondente coiso», escreveu Manuel de Paiva Boléo.) Isto registam os dicionários. Mas «coiso» também é, como substituto lexical, sinónimo de pénis. «Nunca lhe ouvi nenhum palavrão, era sempre: o coiso. O seu coiso isto, o seu coiso aquilo, dê-me o seu coiso, senhor tenente, gosto tanto do seu coiso, meta o seu coiso na minha coisinha» (Os Cus de Judas, António Lobo Antunes. Lisboa: BIS/Leya, 2010, p. 85).

 

[Texto 1561]

Dos dicionários

Uma tarefa infindável

 

 

      «Para o vulgo os físicos hebreus eram hereges e sequazes do Diabo, com o qual tinham pacta» (Portugueses das Sete Partidas, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Livraria Bertrand, [1951], 3.ª ed., p. 237).

      É o mesmo que «pacto», claro, mas não a vejo nos dicionários, que deixam, forçosamente, muito de fora. Ainda ontem, no Arte & Emoção, ouvi: «Xavier Cortegano [do Real Grupo de Forcados Amadores de Moura] sofreu uma mangada forte do toiro, rematada com aparatosa voltareta.» Vejam se as encontram aí nos dicionários...

 

[Texto 1560]

«Car boot sale»

Feira de usados e vendas de garagem

 

 

      «João e Sofia participaram ontem, pela primeira vez, como vendedores, numa car boot sale. Uma venda em que os participantes pagam uma inscrição por carro, levam os seus artigos na bagageira e vendem tudo o que quiserem. A iniciativa é da Women Royal Voluntary Service, uma organização com fins caritativos que reúne voluntários da comunidade internacional a residir em Portugal» («Abrir a bagageira do carro e vender tudo a um euro», Rita Carvalho, Diário de Notícias, 20.05.2012, p. 17).

      Como é uma iniciativa da Women Royal Voluntary Service (WRVS), está bem, pode ficar em inglês. Umas linhas mais à frente, a jornalista não resiste a usar mais uma expressão inglesa: «Como compradora já tinha participado numa, bem como em garage sales (vendas de garagem), às quais vai com regularidade.»

 

[Texto 1559]

«Statu quo»

Só português seria menos arriscado

 

 

      Fernando Nogueira, presidente do júri do Start Up Programme, declarou no fim da competição: «Quando se fala em capacidade de improviso, eu acho que é inteligência prática. Mas como estamos muito dependentes do Estado e do statuos quo, nem sempre pomos, de uma forma inteligente e racional, essas qualidades próprias do Português em campo. Eu acho que isto ajuda.»

      Já vimos mais de uma vez que isto é latim abastardado por influência — como quase sempre! — do inglês. No caso do ex-ministro, ainda se intrometeu ali um o. Oh!

 

[Texto 1558]

O discurso dos finalistas

Enquanto o futuro não chega

 

 

      Na Alameda da Universidade, ontem, o cardeal-patriarca deixou mensagem de esperança a estudantes durante a Bênção de Finalistas. E que mensagem deixaram os estudantes? A repórter da RTP Catarina Dias Ribeiro escolheu-os bem. O primeiro, com a Torre do Tombo como cenário e impecável no seu traje académico, disse: «É uma concretização de objectivos a nível escolar, a nível académico. Ao fim ao cabo, é a abertura de uma nova etapa de vida, tanto profissional como pessoal em que vamos tentar concretizar os nossos sonhos e sagrar nas nossas áreas.» O segundo errou menos — porque felizmente falou menos: «Sabemos que o nosso mercado não anda muito bem. Talvez emigrar lá para fora.»

      Por sorte, a repórter não lhes perguntou o nome, que assim resvalará, sem pena de ninguém, à perpétua obscuridade.

 

[Texto 1557]