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Linguagista

Tomate é fruto

Uma baga

 

 

      «O conhecimento do genoma do tomate, que para os botânicos é uma fruta mas que os chefs usam como legume, “será um recurso essencial para compreender como funciona, ao nível da forma, sementes, sabor, resistência à seca e outras, este produto que é uma das bases da alimentação em muitos países do mundo. Será também base de trabalho para o estudo genético de outros frutos» («Genoma do tomate foi sequenciado por consórcio», Diário de Notícias, 31.05.2012, p. 31).

      Qualquer dona de casa, mesmo sem dicionário, sabe que o tomate é um fruto, uma baga, usada em culinária. A adversativa não tem, aqui, razão de ser. (Ah, e mais acima, o «nome científico Solanum Lycopersicum» está quase certo: é Solanum lycopersicum. Não tem de quê.)

 

[Texto 1625] 

Emília-Romanha e Módena, de novo

Ah, assim está bem

 

 

   «Cinco dezenas de réplicas sentiram-se durante a noite na região italiana de Emília-Romanha, atingida nos últimos dez dias por dois fortes sismos que causaram a morte de 23 pessoas. Os 14 mil desalojados vivem com medo, sem saber quando poderão voltar a casa. Ontem, foi encontrado o corpo de um trabalhador que se encontrava desaparecido desde o abalo de magnitude 5,8 na escala de Richter, registado na terça-feira, elevando para 17 o número de vítimas mortais. O primeiro sismo, a 20 de maio, tinha causado seis mortes. O presidente da região, Vasco Errani, prometeu que “a reconstrução começará rapidamente e será bem feita”. O Ministério Público de Módena abriu um inquérito aos desabamentos de edifícios, com o procurador Vito Zincani a falar de uma “política suicida” de construção» («50 réplicas numa noite e 14 mil desalojados em Itália», Diário de Notícias, 31.05.2012, p. 26).

 

[Texto 1624]

Mas têm desculpa

Não têm nada razão

 

 

      «Daí a homenagem póstuma de Obama. Mas este disse, no seu discurso, que Karski “visitou um campo da morte polaco”. A referência “polaco” era geográfica, não do símbolo de uma nação. Porém, desde ontem há um levantamento na Polónia contra Obama, e os polacos têm razão: o campo era nazi. Houve polacos que fecharam os olhos a Auschwitz, Treblinka e Belzec, mas também houve justos como Jan Karski. Obama, o das palavras de encantar, deveria saber também que há palavras que não podem ser substituídas por outras. Um campo nazi é um campo nazi e nada é igual» («Até Obama tropeça em palavras», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 30.05.2012, p. 56).

 

[Texto 1623] 

Língua e literatura

Vamos ver se lêem e reflectem

 

 

      O texto é mais longo, mas não queria deixar de partilhar estes parágrafos da crónica de ontem, no Diário de Notícias, de Vasco Graça Moura. «No que à língua diz respeito, os programas escolares não têm contemplado nas últimas décadas o contacto exigente e variado com os grandes testemunhos da nossa língua ao longo da história, que são os veiculados pela literatura.

      As gerações mais novas são confinadas a um pragmatismo comunicacional empobrecedor e rudimentar cujas consequências nos vão sair muito caras.

      O sistema tende a incorporar o erro gramatical, legitimando-o, e a aceitar o empobrecimento lexical e sintáctico.

      A língua, numa visão cara a George Steiner, é um instrumento de conhecimento e apreensão do mundo. Esse instrumento está permanentemente irisado de uma multiplicidade de valores afectivos, estéticos, sociais, culturais, etc., sedimentados pela memória e pela história colectivas, pelo uso transgeracional, pelos autores, pelas características dos lugares onde é falada, por muitos outros factores.

      Disso não se pode fazer tábua rasa. Há quem não encontre solução para as dificuldades de definição dessa norma-padrão, mesmo quando se diz reconhecer a conveniência dela, de modo a ser possível circunscrever o que é “correcto” e o que é “incorrecto”. Afinal, parece que não se quer legitimar essa distinção pelo próprio processo evolutivo da língua, num reducionismo pretensamente lógico que só pode ser empobrecedor e que não compreende que as línguas não se regem propriamente pelas regras da lógica formal.

      Uma língua transporta grande parte de uma visão do mundo e de uma cultura. É pela boa aprendizagem de uma língua que se torna possível a formulação eficaz do pensamento abstracto nas suas implicações filosóficas, matemáticas, científicas. E é por aí que se chega ao conhecimento e ao progresso» («Língua e cidadania», Vasco Graça Moura, Diário de Notícias, 30.05.2012, p. 54).

 

[Texto 1622]

«Dote/enxoval»

Basta pensar, parece-me

 

 

      «Há noivos que passam anos nessa tarefa: — a tratar dos papéis e a tratar do enxoval. Não falo no tempo que se consome a tratar do dote, o que também é objecto» (John Bull: O Processo Gordon Cumming, Lord Salisbury e Correlativos Desgostos, Ramalho Ortigão. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943, p. 50).

      São conceitos relacionados, mas diferentes, e por isso mesmo desde sempre confundidos. Se consultarmos o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, comprovamos que dote, bens ou dinheiro que a mulher levava para o casamento, é termo antiquado. Quer dizer, historicamente definido. Enxoval é, na definição daquele dicionário, a colecção de peças de roupa e objectos necessários para o serviço e uso de um bebé ou de uma pessoa que vai ou está a montar uma casa. A questão foi suscitada pela tradução do vocábulo alemão Aussteuer. No contexto, era inequivocamente «enxoval», mas foi vertido por «dote». Bem aparece em primeiro lugar no Dicionário Alemão-Português da Porto Editora, mas, ainda assim, o tradutor foi para a segunda acepção.

 

[Texto 1621]

«Tirar pela pinta»

Ao longe

 

 

      Como era judeu, naquelas circunstâncias, temia ser «tirado logo pela cara». Mas não é sempre tirar pela pinta? Não há aqui cruzamento de expressões? Esta é que é a expressão vernácula. Espera, vernácula? Em castelhano, diz-se sacar a uno por la pinta.

      «O moço tirou-o pela pinta e queria conversa sobre as verdades da doutrina cristã, mas o fradinho não lhe deu trela» (De Meca a Freixo de Espada à Cinta, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Bertrand Editora, 1960, p. 37).

 

[Texto 1619]

Velas e candelas

Simplifiquemos

 

 

      Para poupar, tinha trocado a lâmpada da sala por outra de «menos velas» (kleinere Kerzenstärke). Fernando Ferreira já nos informou, em Janeiro do ano passado, de que esta unidade de intensidade luminosa foi abolida antes de 1950, tendo-se passado a usar a candela. Mas quem vai agora falar em candelas? Não será suficiente escrever «tinha trocado por uma lâmpada mais fraca»?

 

[Texto 1618]