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Linguagista

«Tu mantém-la»

Se puderes, colega

 

 

      Há dias, ouvi na Antena 1 alguém dizer «mantia». Não foi, porém, a primeira vez. Com sorte, não será a última. Agora, caiu-me no regaço esta frase: «Se eles me venderem a capela, eu mantenho-a intacta. Diz-lhes.» «Mantém-na intacta onde?» São dois amigos, tratam-se por tu... A forma infinitiva do verbo «manter», seguida do pronome pessoal na forma acusativa, a, neste caso, conjuga-se assim: eu mantenho-a, tu mantém-la, ele/ela/você mantém-na, nós mantemo-la, vós mantende-la, eles/elas/vocês mantêm-na. Será difícil, mas há dicionários de verbos.

 

[Texto 1645]

«Debaixo/de baixo»

Parece... Mas será?

 

 

      «Palmira estremeceu, ao ver-me assomar debaixo do reposteiro» — Camilo, no Amor de Salvação. Mas agora, que acabei de ler outra frase («Assomei o nariz de baixo do cobertor.»), voltei a ler o que se escreveu no Assim Mesmo sobre a mesma questão. Nos comentários, Kupo afirmou: «Também acho que deveria ser “de debaixo da cama” no caso trazido pelo Helder. Ou talvez “de baixo da cama” separado e sem repetição. O que é certo é que a preposição “de” deve aparecer como tal — preposição — para indicar o LUGAR DE ONDE. O “debaixo” significa LUGAR ONDE, no meu entendimento, e no de Cláudio Moreno, cujas palavras uma vez mais trago para ilustrar a questão». Efectivamente, é o que afirma Cláudio Moreno: «Meu caro Wellington: acho que detrás e debaixo são um pouco mais simples que o movediço demais; nosso idioma parece estar marcando, aqui, a distinção entre “lugar onde” e “lugar DE onde”. Compara:

      (1) Ele estava debaixo da cama (onde)

      (2) Ele saiu de baixo da cama (de onde)

      Na frase (2), de baixo se opõe a de cima; é a mesma oposição que vamos encontrar em “ele mora no andar de baixo”, “ele mora no andar de cima”.» 

 

[Texto 1644] 

«Lanço de escada»

Igual ao litro

 

 

      Um leitor do Ciberdúvidas quis saber se é «lance de escadas» ou «lanço de escadas» que se diz. O consultor J. M. C. respondeu: «Lanço de escada (no singular), “secção de uma escada entre um patamar e outro”.» No TemaNet, porém, lê-se: «lanço de escadas, lanço de escada, lance de escadas, lance de escadas». Ou seja, igual ao litro. Não assim para os dicionários. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, só encontramos isto: lanço, «conjunto de degraus de uma escada compreendido entre dois patamares».

      «Praças, ruas, as típicas casas com um lanço de escadas à entrada, e o ar sereno da liberdade, e os parques imensos, tão cheios ainda de uma melancolia que já se não usa — mas é tudo para se usar, não para se ver» (Conta-Corrente, Vols. 1-2, Vergílio Ferreira. Lisboa: Bertrand Editora, 1981, p. 56).

 

[Texto 1643]

«De vez em vez»

Com rareza

 

 

      Num número de 1929 da Revista de Cultura, sobre a locução «de vez em quando», leio: «Os dicionários não mencionam de vez em vez, outra forma de exprimir o mesmo, embora usada com rareza. É interessante a simetria vocabular das quatro expressões, de igual significado: de quando em quando, de vez em quando, de quando em vez, de vez em vez.» Continua a estar ausente dos dicionários. Usada ainda é, porque acabei de a ver numa tradução.

 

[Texto 1642]

Regência de «tardar»

Haver-se com tardança

 

 

      Agora refastelado na caleche, «o cocheiro não tarda em ressonar». Ou tarda a? Francisco Fernandes diz-nos que há três regências. «Esta não tardou a aparecer» (Herculano). «Não tardou este em descer à cerca» (Herculano). «Ouve, Senhor, e não tardes de vir a este teu servo indigno» (apud Stringari). Mais um padre, José F. Stringari, de que Francisco Fernandes se socorre muito. Vivam os Brasileiros!

 

[Texto 1641]

Sobre «britchkas» e leões

Se tem de ser

 

 

      Quem é que hoje em dia escreve Leão Tolstoi? Quase ninguém. Desde que se começou a traduzir directamente do russo, passou a ser Lev Tolstói. Ou será Liev? Bem, isso não interessa. Leão, Leo, Leon, Lev, Liev... Tolstoi, Tolstói, Tolstoy...

     A propósito ou quase, britchka (ver aqui) é mesmo intraduzível? «Si l’on veut conserver l’exotisme de ce moyen de transport, peut être éclairé par une note: “calèche légère à caisse en osier”», escreveu Françoise Wuilmart. Queremos?

 

[Texto 1640]

A vírgula assassina

Criativos

 

 

      «A nossa energia lá fora, gera futuro cá dentro», lê-se em anúncios de página inteira na imprensa diária. É da GALP. Não terá sido o presidente executivo (ena, ena, o cargo não tem designação anglo-saxónica) a escrevê-lo, claro, mas uma agência de publicidade paga, mesmo em tempos de crise, a peso de ouro. A Snord. Se o preço é por carácter, quanto vale aquela vírgula assassina?

 

[Texto 1639]

Tradução: «procession»

Beatos

 

 

      O repórter da RTP Hélder Silva está em Londres a acompanhar o jubileu de diamante da rainha Isabel II. No Telejornal de ontem, informou-nos: «O trânsito no centro de Londres está praticamente cortado. É o que acontece no acesso às treze pontes sob as quais passou a procissão com mais de mil barcos.» Já ouvi o mesmo da boca de outros jornalistas portugueses. Vamos lá ver: apesar de Isabel II ser governadora suprema da Igreja de Inglaterra, o termo procession, que os repórteres ouvirão por lá, é muito mais usado em sentido não religioso do que em português «procissão». So? «Cortejo» ou «desfile» parecem-me bem. Nem quero saber como é que os jornalistas traduziriam esta frase, que fui encontrar na obra de Agenor Soares dos Santos: «How serious is this procession of troubles?»

 

[Texto 1638]