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Linguagista

«Sob/sobre»

Estes jornalistas, estes autores...

 

 

      Simão Mateus, formado em Engenharia Zootécnica e autor da Pré-História na Lourinhã e Arqueologia para Principiantes, ontem no Portugal em Directo: «Lourinhã ficava sobre a dependência de Óbidos. Assim como a Lourinhã hoje está sobre a dependência política do distrito de Lisboa, na altura a divisão romana estaria sobre a dependência política de Óbidos.» Claro que o autor teve a preciosíssima ajuda (obrigadinho!) do repórter Mário Galego, que lhe perguntara: «Segundo conta no seu livro, Lourinhã ficou sobre a dependência de Óbidos.»

 

 [Texto 1818]

Sobre «unidade»

Esta não é militar

 

 

      «O presidente da unidade [Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa (UTRA)] que vai analisar as propostas de agregação de freguesias quer manter o máximo possível de autarquias e defende que a reforma administrativa “deveria ser mais ambiciosa”, promovendo a descentralização» («Manter o máximo de autarquias», Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 13).

      Esta acepção ainda não chegou aos dicionários, que de unidade só afirmam que é o agrupamento militar de estrutura orgânica e funcional definidas.

 

 [Texto 1817]

«Primeiro Mundo»

Pela mesma razão

 

 

      «É mais do que simples coincidência. A doença de Alzheimer é hoje uma espécie de “epidemia” do primeiro mundo, para a qual contribui o envelhecimento da população nas nações ricas. Em média, mais de 5% das pessoas com mais de 60 anos do mundo industrializado sofrem de demência, dois terços das quais por Alzheimer, e a prevalência da doença quase duplica acima dos 65 anos – acima dos 90 anos ultrapassa mesmo os 25%» («Cientistas caracterizam evolução da Alzheimer», Filomena Naves, Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 30).

      Deverá escrever-se Primeiro Mundo, com maiúsculas, exactamente pela mesma razão que se escreve Terceiro Mundo.

 

 [Texto 1816]

«Beta-amilóide»

Alfa, beta, gama...

 

 

      «Já na Nature, o grupo do islandês Thorlakur Jonsson descreve uma mutação genética que, por uma vez, é positiva: os seus portadores estão mais protegidos contra a Alzheimer. A mutação ocorre no gene APP, precursor da proteína beta-amiloide, e diminui em 40% as hipóteses de acumulação da proteína no [sic] tecidos neuronais» («Cientistas caracterizam evolução da Alzheimer», Filomena Naves, Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 30).

      Certíssimo — segundo, abstraindo do acento, qualquer grafia. O pior é o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora registar que antes se escrevia «betaamilóide». Mas de ß-amilóide, que não é prático escrever —, só beta-amilóide, ou não? Já vimos aqui, no Assim Mesmo (que caminha alegremente para as 600 mil visualizações), esta questão.

 

 [Texto 1815]

Como se escreve nos jornais

Como se vê

 

 

      «Passados 100 anos, as causas de morte do fundista continuam a suscitar muitas dúvidas. Recorrendo a documentos e relatos do início do século passado, Gustavo Pires, a lecionar as disciplinas de Gestão do Desporto e Olimpismo e Jogos Olímpicos na Faculdade de Motricidade Humana na Cruz Quebrada, apresenta hoje (18.00) nessa instituição o livro “Francisco Lázaro, o Homem da Maratona”, onde coloca em causa a versão oficial que procura explicar a morte do atleta pela sua própria negligência. Na mais profunda investigação sobre o tema, Gustavo Pires analisa o homem na sua época: as divergências entre desporto e educação física e a fundação do Comité Olímpico de Portugal. “Sem tirarmos conclusões, recusamo-nos a aceitar de uma forma acrítica o discurso conveniente: o rapaz era simples, modesto, estúpido e ignorante. Como queria ganhar, ensebou-se, depois, apanhou sol e morreu”, critica para defender que “Francisco Lázaro foi vítima de uma cultura. À semelhança dos outros atletas, também se socorria de produtos (enborcamento) como kola e estricnina” que o ajudavam a suportar esforços violentos» («Livro lança pistas para a morte de Francisco Lázaro», C. L., Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 40).

 

 [Texto 1814] 

«Planeta anão»

Não vale a pena

 

 

      «Cinco luas – até agora – é uma boa marca para um planeta-anão, e os próprios astrónomos, que detectaram a nova lua graças a observações feitas com o telescópio Hubble, mostram-se surpreendidos com a complexidade do sistema de Plutão. A descoberta vem dar força à tese de que todas estas luas são restos de uma brutal colisão entre Plutão e outro corpo da cintura de Kuiper» («Descoberta quinta lua de Plutão», Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 30).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista «planeta anão», e eu também não vejo para que serve, no caso, o hífen.

 

 [Texto 1813]

«Garantiu-o informador»

Pelo menos ambíguo

 

 

      «Em 1998 foi testemunha de defesa de Maurice Papon, o funcionário de Vichy e depois prefeito de Paris, condenado por crimes contra a humanidade. [Robert de] La Rochefoucauld garantiu-o informador da Resistência e até lhe deu o passaporte com que Papon fugiu durante o processo... dois dias» («O conde que se tornou uma lenda na luta contra os nazis», Diário de Notícias, 12.07.2012, p. 43).

 

 [Texto 1812]

«Escritor fantasma»

Não resistir aos avanços

 

 

      «No seu livro In Command of History (2004), David Reynolds revelou a história por dentro da escrita das memórias de guerra de Churchill. A descoberta de que grande parte do texto foi escrita por um escritor fantasma ou de que era avaro com a verdade teve, curiosamente, pouco efeito na sua reputação: a construção de mitos contou, talvez, como um dos seus direitos como pessoa famosa» («A guerra fez de Churchill uma lenda e dos seus livros uma mina de ouro», Paul Addison. Tradução e adaptação de Cristina Queiroz, «Q.»/Diário de Notícias, 7.07.2012, p. 18).

      Sendo uma tradução, é de aplaudir que a tradutora tenha sabido resistir a ghost writer. Claro que estar no original um verbo também terá ajudado: «The discovery that much of the text was ghost written...» Não soube ou não quis, porém, resistir aos advances do original: «Os enormes avanços que obtinha dos editores eram despendidos na crença de que poderia sempre arranjar mais, se e quando o dinheiro acabasse, o que invariavelmente acontecia.» No mundo editorial, é o termo usado, mas como é acepção que nem sequer está nos melhores dicionários e há um termo sinónimo usual, não foi a melhor escolha.

 

 [Texto 1811]

«Net Cafés»!

Retrocessos

 

 

      «Nos nossos dias, há pontos de Internet e Net Cafés por toda a parte. Quando Ray Bradbury era novo e nenhum escritor de ficção científica (FC) tinha ainda antecipado a Internet (na realidade, nunca nenhum o fez), havia nos EUA locais onde se podia pagar para escrever à máquina» («Ray Bradbury nunca escreveu num computador», Eurico de Barros, «Q.»/Diário de Notícias, 7.07.2012, p. 20).

      E não se diz e está mesmo dicionarizado «cibercafé»? E para quê as maiúsculas iniciais?

 

 [Texto 1810]