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Linguagista

Como interpretar

O mesmo ou dois?

 

 

      «A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e editor.» Pode a frase entender-se de outra forma que não que autor e editor são a mesma pessoa, a mesma entidade — ou esta interpretação é só, como estão aqui a dizer-me, má vontade minha? Digam com sinceridade, eu aguento.

 

 [Texto 1825]

 

Doutores e engenheiros

Costumes indígenas imorredouros

 

 

      Um leitor recomendou-me a leitura da última crónica do «grande cínico Alberto» na revista Sábado, mormente do trecho que transcrevo a seguir: «Na língua caseira, a tradução daria algo semelhante a: “Médico Esteves, ando com enxaquecas diárias.” Não sendo clínico, restaria ao historiador ou ao bacharel em Psicopatologia Curativa suportar um “sr. Esteves”, vexame que o sr. Esteves definitivamente não suporta. Falar em bom português e ser um bom português são realidades incompatíveis.

      Há uns anos, Eduardo Prado Coelho (EPC) descreveu o sofrimento experimentado sempre que o privavam do direito ao “dr.” durante um diálogo: “O sujeito é assaltado por um sentimento de irrealidade que é mais próprio da literatura fantástica do que do realismo quotidiano. Por uma simples forma de tratamento passa-se de repente para o lado de lá. E o pesadelo consiste em não saber se a viagem tem regresso...” Para o falecido EPC, pois, perder o título era o equivalente a entrar nos comboios nazis rumo a Auschwitz.

      A maioria dos nossos “doutores” concordará. E se os “doutores” roçarem a vida política, a concordância é dobrada. Basta lembrar a reacção ao pedido de Álvaro Santos Pereira para que os jornalistas se lhe dirigissem somente por “Álvaro”. Vindo de uma inocente carreira no Canadá, o ministro da Economia descurou os costumes indígenas e, conforme se notou na indignação subsequente, incorreu numa ofensa grave aos principais valores da pátria, comparável a cuspir na bandeira, subverter a letra do hino ou desejar a derrota da selecção da bola» («Esta crónica não é sobre o “dr.” Relvas», Alberto Gonçalves, Sábado, n.º 428, 12 a 18.07.2012).

 

 [Texto 1824]

«Os linguistas é que sabem»

Mas a língua é nossa

 

 

      Merece maior divulgação e debate a carta aberta a Maria Helena Mateus que Teolinda Gersão fez aparecer hoje no Público, de que extracto o penúltimo parágrafo: «Se grande parte do país leu o meu texto e se identificou com ele, é algo que está fora do teu controle, e do meu. Por muito que isso te desagrade (e a todos os que te olharem como porta-voz), será o país a decidir que ensino quer – os pais, os professores, os cidadãos, e o ministério (que será julgado por tudo o que fizer ou não). Vivemos há décadas no enorme equívoco de que “os linguistas é que sabem, por isso o poder é deles”. (O que te deve parecer tão óbvio que nem dás conta da imensa arrogância do teu artigo.) Mas é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não» («Carta Aberta a Maria Helena», Teolinda Gersão, Público, 13.07.2012, p. 53). (Na íntegra aqui.)

 

 [Texto 1823] 

«Ajudante de marechal»

Como pode isto ser?

 

 

      Ora bem, retomemos a questão da omosessualità e da bestialità. Continua o artigo do Diário de Notícias: «O manual, datado de dezembro de 2011 e aprovado pelo comandante Pasquale Santoro, destinava-se aos candidatos que no dia 25 de junho deste ano se apresentaram em Pádua para fazerem o exame para ajudante de marechal» («Homossexualidade é desvio para ‘carabinieri’», Maria João Caetano e Patrícia Viegas, Diário de Notícias, 13.07.2012, p. 24).

      A minha filha, com 5 anos, não podia nem tinha de suspeitar — mas duas jornalistas? As jornalistas acham mesmo que maresciallo é o equivalente ao nosso oficial-general de quatro estrelas douradas? Valha-me Deus! No contexto, maresciallo equivale ao nosso sargento. Aqui, a uma crítica nossa, o jornalista Miguel Marujo defendeu-se dizendo que a expressão condenada tinha sido acrescentada por alguém que não ele. Provavelmente, tinha escrito algo correcto, e foi alterado para pior. Neste caso, duas jornalistas escrevem esta barbaridade e o editor ou quem quer que seja acha tudo correctíssimo. Este não é claramente apenas um problema de tradução, mas de cultura geral.

 

 [Texto 1822]

Léxico: «bestialismo»

Fu!

 

 

      «Um manual para os carabinieri, a polícia militar italiana, colocou em pé de igualdade a homossexualidade, o bestialismo e o incesto, designando-os a todos como “comportamentos desviantes”. Os responsáveis pediram depois desculpa por este “erro” e o texto do manual foi corrigido» («Homossexualidade é desvio para ‘carabinieri’», Maria João Caetano e Patrícia Viegas, Diário de Notícias, 13.07.2012, p. 24).

      É uma coisa tão aberrante, mas tão aberrante, que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não a acolhe. Ora toma.

 

 [Texto 1821] 

«Púlpito/tribuna»

Fora da igreja

 

 

      Jornalista Daniela Santiago, no Telejornal de ontem: «Foi colocado inclusive aqui um púlpito com microfone especificamente para o ministro responder às questões e a todas as questões que se têm levantado nas últimas semanas ligadas a esta licenciatura.»

      Ninguém ignora que tribuna e púlpito são vocábulos parcialmente sinónimos. Se alguma destas duas coisas estivesse na sala do Palácio Foz, onde o ministro estava, seria mais uma tribuna, não um púlpito nem um ambão. Mas nem isso: é uma simples estante de leitura ou leitoril ou atril de acrílico com um microfone o que podemos ver na imagem (aqui).

      «O padre é o jornalista de sobrepeliz. O púlpito alarga-se em tribuna. O sacerdote volta-se para o Cristo do altar e grita-lhe: peço a palavra sobre a ordem» (As Farpas, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Lisboa: Principia, 2004, 3.ª ed., p. 485).

 

 [Texto 1820]