Costumes indígenas imorredouros
Um leitor recomendou-me a leitura da última crónica do «grande cínico Alberto» na revista Sábado, mormente do trecho que transcrevo a seguir: «Na língua caseira, a tradução daria algo semelhante a: “Médico Esteves, ando com enxaquecas diárias.” Não sendo clínico, restaria ao historiador ou ao bacharel em Psicopatologia Curativa suportar um “sr. Esteves”, vexame que o sr. Esteves definitivamente não suporta. Falar em bom português e ser um bom português são realidades incompatíveis.
Há uns anos, Eduardo Prado Coelho (EPC) descreveu o sofrimento experimentado sempre que o privavam do direito ao “dr.” durante um diálogo: “O sujeito é assaltado por um sentimento de irrealidade que é mais próprio da literatura fantástica do que do realismo quotidiano. Por uma simples forma de tratamento passa-se de repente para o lado de lá. E o pesadelo consiste em não saber se a viagem tem regresso...” Para o falecido EPC, pois, perder o título era o equivalente a entrar nos comboios nazis rumo a Auschwitz.
A maioria dos nossos “doutores” concordará. E se os “doutores” roçarem a vida política, a concordância é dobrada. Basta lembrar a reacção ao pedido de Álvaro Santos Pereira para que os jornalistas se lhe dirigissem somente por “Álvaro”. Vindo de uma inocente carreira no Canadá, o ministro da Economia descurou os costumes indígenas e, conforme se notou na indignação subsequente, incorreu numa ofensa grave aos principais valores da pátria, comparável a cuspir na bandeira, subverter a letra do hino ou desejar a derrota da selecção da bola» («Esta crónica não é sobre o “dr.” Relvas», Alberto Gonçalves, Sábado, n.º 428, 12 a 18.07.2012).
[Texto 1824]