Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

«Santuário de vida selvagem»

De caras

 

 

      «África do Sul: Shamwari – Santuário de vida selvagem», li na revista Caras há dias. Está certo ou errado, este título?

      «Vem esta pergunta a propósito de uma notícia publicada num diário da Capital, cujo título era o seguinte: “Os templos de Anckor transformados em ‘Santuários’ pelas forças comunistas.”

      Pareceu-me estranho os comunistas preocuparem-se com santuários. Ao ler, porém, a notícia, verifiquei que os comunistas se tinham servido dos templos da região para neles instalarem o hospital de campanha, depósito de munições e grupos de refugiados.

      Os templos da região estavam, portanto, transformados em redutos, em locais de refúgio e protecção, a que os Ingleses chamam sanctuaries (no singular sanctuary). A tradução errada do inglês originou o disparate em português.

      Esta de chamarem santuários aos lugares de refúgio, aos redutos, nem ao Diabo lembraria!

      A palavra inglesa sanctuary é derivada do francês sanctuaire e esta do latim sanctuarium (santuário).

      O sentido primitivo de sanctuary é realmente santuário. Mas como tudo neste mundo está em mudança contínua, a palavra inglesa adquiriu com o decorrer do tempo o sentido de refúgio. O caso deu-se assim: antigamente os fugidos à justiça livravam-se da prisão recolhendo-se aos santuários (santuaries). Por isso o inglês sanctuary (santuário) passou a significar também refúgio ou protecçãoÉ lamentável que a tradução das notícias publicadas nos nossos periódicos nem sempre seja confiada a pessoa competente: a quem saiba suficientemente a língua estrangeira e a nossa» («Um anglicismo», in A Bem da Língua Portuguesa, boletim da Sociedade de Língua Portuguesa, 1971, n.º 7,  pp. 37-38).

 

 [Texto 1856]

«Mar da Palha»

Muita palha

 

 

      Sempre que passamos pelo restaurante A Pastorinha, na Marginal, diz-me que o nome é um contra-senso, por estar perto do mar. Não vejo porquê. Nunca falámos sobre o Mar da Palha.

      «Quanto à causa da designação, temos em Palha, não o nome da “haste seca de certas plantas, depois de despojada de grãos”, mas um sinónimo de palheta, “cada uma das pequenas partículas de ouro, que aparecem em alguns cursos de água» («Mar da Palha», in A Bem da Língua Portuguesa, boletim da Sociedade de Língua Portuguesa, 1974, números 5/6,  p. 247).

 

 [Texto 1855]

«Sobre/sob»

E alguma vez aprenderão?

 

 

      «Os escândalos não querem deixar a família real espanhola. Depois do envolvimento do marido da infanta Cristina num caso de desvio de dinheiros públicos e da polémica com a caçada do rei no Botswana, agora é a vez de a família de Letizia Ortiz estar sobre os holofotes» («Família de Letizia suspeita de ocultar bens», Público, 21.07.2012, p. 37).

      Se fosse apenas ela, vá que não vá, magrinha e pequenina como é, o holofote não vinha abaixo. Com várias pessoas em cima, o holofote vai partir-se.

 

 [Texto 1854]

Sobre «certo»

Eu não encontro

 

 

      «Assim, a uma pergunta em que respondeste tudo o que sabias e que, por isso, entendas que não irás acrescentar mais nada, poderás pôr um risco vertical do lado esquerdo e/ou eventualmente um certo» (de autor anónimo do século XXI).

      Onde está, ao certo, esta acepção nos nossos dicionários, alguém sabe? Podia e devia estar num de dois verbetes, mas não está em nenhum.

 

 [Texto 1853] 

«Leitura (na) diagonal»

E os dicionários nada

 

 

  1. Assim? «Numa leitura diagonal, apercebera-se dela, daquela menina deslocada, telemóvel entre dedos, gaguejando justificações apressadas em voz de baixa vibração» (Mágoas Furtadas, Inês Tavares Rodrigues. Vialonga: Coisas de Ler, 2005, p. 47).
  2. Ou assim? «Fez uma leitura na diagonal, superficial — não queria desconcentrar-se e perder de vista o essencial, o sensual rebolar das ancas da bela Paula Cristina —, mas mesmo assim conseguiu descortinar todo o seu potencial» (Cinco Balas contra a América, Jorge Araújo. São Paulo: Editora 34, 2008, p. 47).

 

 [Texto 1852]

Uso impessoal do verbo «ter»

Hoje não tem perigo

 

 

«Madalena

(falando ao bastidor)

— Vai, ouves, Miranda? Vai e deixa-te lá estar até veres chegar o bergantim; e quando desembarcarem, vem-me dizer para eu ficar descansada. (Vem para a cena.) Não há vento, e o dia está lindo. Ao menos não tenho sustos com a viagem. Mas a volta... quem sabe? O tempo muda tão depressa...

Jorge — Não, hoje não tem perigo» (Frei Luís de Sousa, Acto I, cena 10, Almeida Garrett).

 

      «Já disse uma vez e repito-o hoje: quanto melhor se conhece a língua arcaica e mais se investigam os falares portugueses, menor é o número de brasileirismos. Eu próprio tive de corrigir-me, como o fiz diversas vezes em aula e o faço agora pela primeira vez ante público maior. Em A Língua do Brasil arrolei como brasileirismo o uso impessoal de ter, a indicar existência de acto ou facto. Mas, andando pelo Alto-Minho, dei com o fenómeno em Póvoa-de-Lanhoso (e bons conhecedores da fala popular portuguesa me informaram que ele ocorre em outros sítios), o que me animou a retirar as dúvidas e reservas que punha na interpretação deste passo do Frei Luís de Sousa, de Garrett» («A unidade da língua-padrão», Gladstone Chaves de Melo, in A Bem da Língua Portuguesa, boletim da Sociedade de Língua Portuguesa, 1971, n.º 7,  p. 6).

 

 [Texto 1851]