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Linguagista

Sobre «mal-entendido»

Se estou a ver bem

 

 

      Toda a gente sabe (?) que «mal-entendido» é galicismo (de malentendu) facilmente substituível por termo português, mas agora interessa-me outro aspecto. Quando entrou na nossa língua? Para o Dicionário Houaiss, a primeira abonação é do século XIX. Mas não é a mesma palavra (grafada então mal entendido) que lemos na obra, datada de 1630, o Casamento Perfeito, de Diogo de Paiva de Andrada? «Não persuadimos pelo menos às que são ricas, e servidas, que tudo sejam rocas, e almofadas, porque não faltam outras ocupações, e exercícios, em que possam gastar algumas horas, como ler por livros devotos, que é a lição mais conveniente, e acomodada para toda a gente cristã; ou também de histórias, contanto que não sejam lascivas, nem amorosas; porque nestes há muitos perigos, mal-entendidos que às vezes causam danos bem certos» (Casamento Perfeito, Diogo de Paiva de Andrada. Lisboa: Jorge Rodriguez, 1630, pp. 184–85 [ortografia actualizada por mim]).

      Apenas se a palavra do excerto da obra de Paiva de Andrada for um adjectivo, mal interpretado; incompreendido; mal apreciado, é que não se tratará de galicismo. E é certamente assim. «Porque nestes há muitos perigos mal-entendidos que às vezes causam danos bem certos». Escreverem-se ambos, adjectivo e substantivo, da mesma forma, e não é o único caso na ortografia (ou ortografias...) actual, não ajuda a distinguir.

 

[Texto 2217] 

«Ter direito a»

De quem é o direito?

 

 

      O tal engenheiro queimado por mil sóis africanos chegou ontem muito atrasado à reunião com o empreiteiro e deitou logo as garras de fora: «Têm direito a uma multa de 2,5 % por cada semana de atraso na obra. Façam as contas.» Garras rombas, afinal. Está errado, Sr. Eng.

 

[Texto 2216]

«Enquanto damas»

Agora não

 

 

      «Não lhes aprovamos maiores estudos, enquanto Damas. Preferimos vê-las revolvendo jasmins em vez de um Tito Lívio, rociando-se com água de âmbar e não suando com a Arte Poética de Escalígero», escreveu D. Francisco de Portugal (1585–1632) na Arte de Galanteria. Cá está: «enquanto damas».

 

[Texto 2215]

Açoriano, açoreano, açorano, açorense

Pois é, mas

 

 

      Aqui esta professora universitária escreve então «legado camoneano». Ora, como sabemos, o adjectivo relativo a Camões ou ao que se assemelha ao estilo de Camões grafa-se com i, camoniano. No Ciberdúvidas, pode ler-se: «No entanto, alguns dicionários registam a forma açoreano como variante ortográfica de açoriano, uma vez que até 1911 houve grande variação na grafia da vogal de ligação. Note-se ainda que foneticamente não há diferença entre iano e -eano.» Não sei se é assim, se há dicionários que registam «açoreano». Sei é que se vê com alguma frequência. Mesmo em obras revistas: «Eu queria alçar à minha janela uma bandeira açoreana em homenagem ao dom de José Medeiros» («É sempre a mesma canção», in Crónica Feminina, Inês Pedrosa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2005, p. 389). Alçar uma bandeira...

      Vários autores — e entre eles Leite de Vasconcelos e Botelho de Amaral — defendem que é «açoreano» que se deve escrever, ou, se não se quiser manter o e, «açorano». Estes autores estabelecem comparação com o topónimo Maçores, cujo gentílico é maçorano.

 

[Texto 2214]