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Linguagista

«Abancar»/«atabancar»

Das tais

 

 

      O autor usa por duas vezes o verbo «atabancar». Qualquer coisa como «atabancámos num hotelzinho perto do rio» e «atabancámos à farta mesa». Há aqui engano — das tais convicções que se têm do princípio ao fim da vida. Como combateu em África na Guerra Colonial, talvez tenha ouvido o verbo atabancar, que significa «entrincheirar-se», e que nem sequer está dicionarizado. O autor quer dizer abancar — sentar-se à banca ou em banco; instalar-se temporariamente.

      «Sucumbi com dentes de lobo e abancámos à mesa do clube da velha cidadezinha de madeira — a rirmos imenso de histórias patetas. Eles com a serenidade de quem nunca pensou na salvação do mundo» (Imitação dos Dias, José Gomes Ferreira. Lisboa: Portugália Editora, 1966, p. 77).

 

  [Texto 3150]

 

Léxico: «extrema»

Autênticos funis

 

 

      Ninguém se lembra de Pinheiro Chagas, mas aqui vai: «Aqui na extrema do Occidente houve um povo pequeno, que praticou grandes feitos, cujo nome encheu o mundo, cujas bandeiras tremularam em todos os mares, porque tinha um grande elemento de vida — o patriotismo!» (Ensaios Críticos, Pinheiro Chagas. Porto: Em Casa da Viúva Moré, 1866, p. 121).

      Apenas para dizer isto: o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista o substantivo «extrema». Impressionante! Para o Dicionário Houaiss, é «o ponto mais distante que se pode alcançar com a vista».

 

  [Texto 3149]

«Comprar mercearia»

Um caso singular

 

 

      «No regresso do passeio, e depois de se despedir da imprensa presente, o líder do Executivo afirmou ainda que era necessário “ir às compras”, provavelmente referindo [sic] às mercearias necessárias para duas semanas de descanso maioritariamente caseiro» («“Estamos a precisar de tirar uns dias de descanso”, confessa Passos», Raquel Costa e Lília Bernardes, Diário de Notícias, 3.08.2013, p. 11).

      Nesta acepção — conjunto de géneros alimentícios —, sempre o tenho visto ser usado no singular. «O pobre labrego do tempo do senhor D. Carlos — eu fartei-me de vê-lo a migar a malga do caldo, meia entalada entre os joelhos, com pão centeio de oito dias, e limpar as ventas ao canhão da véstia — comia da leira e da horta visto não ter posses para comprar mercearia» (Um Escritor Confessa-se, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Livraria Bertrand, 1974, p. 216).

 

  [Texto 3148]

«A páginas tantas»

É uma condição

 

 

      O escritor Manuel Jorge Marmelo tem dois novos livros, ambos vendidos somente através da Internet. Porquê? O escritor explicou no Bom Dia Portugal de ontem: «Primeiro, por uma tentativa de chegar a novos públicos, uma vez que o livro, estando na Amazon, pode ser comprado por pessoas em qualquer parte do mundo, desde que falem português e leiam português.» E se só falarem e só lerem tagalo, por exemplo, não podem comprá-los? Claro, não era isto que queria dizer.

      A entrevistadora, que confunde escritor com narrador, perguntou-lhe: «Às páginas tantas, tu dizes que “ser um zero à esquerda, ter disso consciência, viver plenamente com essa circunstância é decerto o mais venturoso dos estados de alma”. Porquê?» Prefiro a páginas tantas, até porque também não digo «às páginas vinte e uma».

 

  [Texto 3147]