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Linguagista

Léxico: «desnatural»

Também gosto

 

 

      Desnatural. Ora aqui está um formidável adjectivo, que ainda hoje me lembraram que foi usado por Oliveira Martins: «Esse tipo que nós receamos não acentuar devidamente, temendo a escassez dos recursos da nossa pena, era desnatural por assentar, senão no desprezo universal das coisas como Sila, no desdém universal dos homens» (História da República Romana, II, Oliveira Martins. Lisboa: Guimarães Editores, 1965, p. 381).

      Desnatural: não natural; contra a Natureza; desconforme; inverosímil; extraordinário.

 

  [Texto 3186]

Léxico: «descarinho»

Português diferente

 

 

      O leitor Rui Almeida quis partilhar comigo este excerto de uma obra da escritora e tradutora brasileira (mas nascida em Lisboa, onde a família vivia então exilada) Tatiana Salem Levy: «Não comia mais do que umas torradas com manteiga e um copo de leite com café, estava enfraquecendo, e os parentes diziam que só podia ser descarinho: ele está descarinhado, repetiam, pensando em mandá-lo de volta à Turquia no próximo navio. Mesmo os que moravam no Brasil há algum tempo ainda misturavam o português com a língua materna. Por isso diziam descarinho, que é a palavra deles para exprimir saudades» (A Chave da Casa, Tatiana Salem Levy. Lisboa: Livros Cotovia, 2007, p. 71).

      Descarinho... Bonita palavra. Camilo usou-a. Descarinho é falta de carinho, pois claro, mas também sevícias, maus tratos; desumanidade, rudeza, crueldade. A autora é de uma família judia. Agora leiam: «Era grande o apego e o descarinho que Portugal exercia no espírito daqueles descendentes. O sr. Joel estranhou aquele termo, descarinho, e pediu explicações: “é a palavra que usamos com frequência para exprimir a nostalgia que temos de alguém ou de alguma coisa. A mãe que tem o filho ausente diz que está “descarinhada”, privada do carinho, do seu filho”» (Judeus em Portugal: o Testemunho de 50 Homens e Mulheres, dir. José Freire Antunes. Versalhes: Edeline, 2002, p. 112).

 

  [Texto 3185]


«Sob», de novo

Grande abuso

 

 

      «O bombeiro que morreu esta tarde tinha 41 anos. Pertence à corporação da Covilhã, e os bombeiros que o acompanhavam estão sob ajuda psicológica» (repórter Adília Godinho, Telejornal, 15.08.2013).

      «Sob ajuda»... Leiam de novo o que João de Araújo Correia escreveu sobre esta preposição na obra A Língua Portuguesa: «Sabe-se, nesta enfermaria, que o celebérrimo sob, não obstante o instinto popular, que o sacode, não deixa de ser preposição portuguesa. Veio do Latim, sem passar pelo estômago do povo, mas, veio... Veio porque seria precisa esta preposição. Tanto, que bons escritores a empregaram. Mas, honra lhes seja, não abusaram dela. Foram, no seu manejo, tão cautelosos como elegantes. Quase se pode dizer que limitaram o sob à expressão abstracta, em frases como as seguintes: sob reserva, sob caução, sob custódia. Fora dessas frases, que se tornaram fixas, e à parte a discreta liberdade de algum estilista, o uso do sob é arriscado. Não abusemos dele, sob pena de o tornarmos ridículo» (Lisboa: Editorial Verbo, p. 75).

 

  [Texto 3184]