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Linguagista

Léxico: «tantrista»

Essa é a verdade

 

 

      Antes do almoço, a minha filha perguntou-me se quando for crescida pode ganhar a vida a fazer construções com peças de dominó, porque acha que as sabe fazer fantásticas. Porque não? Só esta tarde é que eu soube que também há tantristas (todos adolescentes em Maio de 68?). Por isso...

 

  [Texto 3213]

Tradução: «glissière de sécurité»

Mais um esquecimento

 

 

      O carro do rapaz despistou-se na auto-estrada e «heurta légèrement la glissière de sécurité». A mim, no dia 29 de Julho, aconteceu-me quase o mesmo: ia contornar uma rotunda, a menos de 20 km/h, mas tinha começado a chover intensamente e todo o lado esquerdo do carro, pesado, um Mercedes-Benz 220 CDI, deslizou para cima do lancil da rotunda, qual frágil folha batida pelo vento. Ah, sim: o tradutor verteu assim: «embateu ligeiramente na barreira de segurança». Estivesse no original «rail», e provavelmente seria «rail» (ou «raile», como já uma vez vimos) que passaria para a tradução. O Dicionário Francês-Português da Porto Editora regista «glissière», «corrediça», e quanto a expressões, nada.

 

  [Texto 3212]

«Alta Provença»

Mas as palavras perduram

 

 

      Aqui o nosso tradutor acha bem que o topónimo Haute-Provence fique por traduzir, talvez pense mesmo que nunca ninguém em centenas de anos da língua portuguesa se lembrou de o afeiçoar à nossa língua.

      «Só os olhos de ambos se devoravam, numa tensão tão violenta que ambos gritaram, por fim, nem sabiam já se de prazer ou dor, e ele caiu, prostrado, sobre o peito dela e assim ficaram, ainda abraçados, Manuel quase a adormecer, ela entoando, num sussurro, como a embalá-lo, uma velha canção dos pastores da Alta Provença, de uma tão bela e inquietante placidez que dir-se-ia brotar-lhe, estranha à sua natureza crispada, dos longes da retentiva, senão de uma memória anterior» (Exílio Perturbado, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Publicações Europa-América, 1982, p. 98).

 

  [Texto 3211] 

«Cascos de Rolha»

Indeterminado, mas topónimo

 

 

      «O caso individual do aventureiro inconformado de outrora, que saltava o risco nacional, ou a transumância do rebanho penitente, que em fila indiana e com vieiras no chapéu vinha de Cascos de Rolha a Compostela, deram lugar a um excursionismo oficial e maciço por conta da unidade do mundo, de que já todos nos sentimos, pelo menos, cidadãos honorários» (Diários, Vols. IX a XII, Miguel Torga. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 5.ª ed., 2011, p. 52).

      É assim (e também no plural — Cascos de Rolhas) que Rebelo Gonçalves regista na página 223 do seu Vocabulário da Língua Portuguesa. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista «cascos de rolha» e «Cascos de Rolha» — mas não regista, por exemplo, «cu-de-judas» e «Cu de Judas». Todos locais afastados e/ou indeterminados. (E por isso ainda hoje rio com vontade quando relembro esta frase de Nuno Pacheco, do Público, sobre o Acordo Ortográfico: «Até cu-de-judas deixou, para eles, de ser lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa alta, assim mesmo.»)

 

  [Texto 3210] 

«Que compara com», «face à», etc.

Quase português

 

 

      «As previsões do INE apontam para uma produtividade de 19.150 quilos por hectare, que comparam com os pouco mais de 10 mil de 2012. [...] A produção de maçã também regressou aos níveis de 2011, depois de no ano passado ter rondado os 17 mil quilos por hectare. Espera-se, agora, um aumento de 15% face à campanha anterior, muito prejudicada pela seca extrema registada nas principais regiões produtoras» («Um ano depois da seca, a produção agrícola recupera», Ana Rute Silva, Público, 21.08.2013, p. 18).

      E mais: «Depois de um ano marcado pela seca extrema, a produção de pêras e maçãs deverá aumentar em 2013, tal como a da uva para vinho.» Cara Ana Rute Silva, tem obrigação de saber que o plural de «pêra» não tem acento gráfico, pois não está em homografia com palavra proclítica. Digam-lhe, mostrem lá que o Facebook serve para alguma coisa.

 

  [Texto 3209] 

«Tratar-se de», também

E na outra página...

 

 

      «Vestígios de fluidos corporais ao redor da boca e do nariz fariam supor à população, imbuída de uma superstição demoníaca, de que se tratariam de vampiros que se teriam alimentado de sangue recentemente» («Na Polónia, os arqueólogos andam às voltas com os vampiros», Catarina Durão Machado, Público, 20.08.2013, p. 23).

      Bem nos parecia que o Sr. Pierzak não tinha culpa de nada. Ele há-de perceber mais de vampiros, estacas, morcegos, etc. Foi a Catarina Durão Machado que se distraiu. Agora já fica a saber: a construção tratar-se de é impessoal, pelo que apenas se conjuga na terceira pessoa do singular. Digam-lhe, mostrem lá que o Facebook serve para alguma coisa.

 

  [Texto 3208]

«Tratar-se de»

Diria Pierzak

 

 

      «“No início, descobrimos duas ou três sepulturas com as cabeças dos mortos entre as pernas e pensámos que podiam tratar-se de práticas antivampíricas. Mas não excluímos que podiam ser esqueletos de pessoas condenadas à morte”, acrescentou Pierzak» («Na Polónia, os arqueólogos andam às voltas com os vampiros», Catarina Durão Machado, Público, 20.08.2013, p. 22).

      Pois, pois, mas o Sr. Pierzak não tem culpa de nada, já que não saberá português, não é assim, cara Catarina Durão Machado?

 

  [Texto 3207]

A boa escrita

Disse e morreu

 

 

      «Em 2001, o NYT pediu-lhe [ao escritor norte-americano Elmore Leonard, que morreu ontem] as dez regras da boa escrita e ele aconselhou: nunca começar um livro a falar do tempo, evitar prólogos, nunca usar outro verbo além de “disse” para terminar um diálogo e ter sempre os pontos de exclamação debaixo de olho (só são permitidos dois ou três em cem mil palavras)» («Morreu o escritor de policiais Elmore Leonard, “o Dickens de Detroit”», Isabel Coutinho, Público, 21.08.2013, p. 30).

 

  [Texto 3206]