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Linguagista

Demasiado francês

Quase nos enganavam

 

 

      «E com uma característica que importa salientar: foi dada primazia à reutilização de materiais. Há pupitres (peças em madeira usadas para fazer a remuage do espumante) que foram transformadas em mesas, paletes que serviram de base para sofás, caixas individuais de vinho que resultaram em óptimos e originais suportes de papel higiénico» («Noites com uma pitada de sal e champanhe», Maria José Santana, «Fugas»/Público, 24.08.2013, p. 28).

      Embora o Público seja parquíssimo em itálico — mas faz mal —, como vi a remuage em itálico, ainda pensei que «pupitre», que conheço bem do castelhano, fosse português. Nada disso: a palavra é francesa, como remuage. Vejam aqui uma imagem. É acepção que não está, por exemplo, no Dicionário Francês-Português da Porto Editora, que apenas regista: «carteira; escrivaninha; estante de música; estante de coro». Para o dicionário da Real Academia Espanhola, é o «mueble de madera, con tapa en forma de plano inclinado, para escribir sobre él». («De madera», cara Maria José Santana, repare bem.) No Trésor, lemos: «ŒNOL. Pupitre (à bouteilles, de cave). Meuble de cave constitué par deux panneaux de bois inclinés, percés de trous, dans lesquels on introduit le col des bouteilles et qui sert à les maintenir en position inclinée, en particulier dans la fabrication du champagne».

 

  [Texto 3233]

«Pôr uma hipótese»

Toda a gente

 

 

      «É um dos pratos mais afamados da Galiza, o polvo à galega — tanto que se tornou numa espécie de símbolo da gastronomia espanhola. Logo, esperávamos cruzar-nos com polvo, sim, à mesa — esse pulpo a la féria, cozido e polvilhado de pimentão; colocámos até a hipótese de o ver no aquário» («A cidade líquida e salgada que é um passeio marítimo», Andreia Marques Pereira, «Fugas»/Público, 24.08.2013, p. 18).

      Valia mais que a pusessem, à hipótese, como quase toda a gente e há muito tempo. «Ainda não chegara a conclusões certas e seguras sobre o curso que melhor me convinha, pus a hipótese de não estudar mais e ir à procura de emprego, e então folheava o Diário de Notícias» (Tudo Tem o Seu Tempo, Ana Maria Magalhães. Lisboa: Editorial Caminho, 2012, p. 401).

 

  [Texto 3232]

«O Opus Dei»

É obra

 

 

      «Na comissão de oito sábios nomeada em Julho pelo Papa Francisco para limpar a estrutura económica e administrativa do Vaticano há apenas um italiano. Na verdade, uma italiana, uma jovem laica de 30 anos, especialista em relações públicas e ligada à Opus Dei, bonita e, surpreendentemente, com um historial de declarações bombásticas no Twitter sobre a política do Vaticano, até sobre o próprio secretário de Estado, que estão a causar escândalo na Santa Sé» («A conselheira do Papa Francisco que falava de mais no Twitter», Clara Barata, Público, 24.08.2013, p. 24).

      Há livros de estilo de certas publicações que lembram — e lembram muito bem — que Opus Dei é do género masculino. E a fala-barato (ou escreve-barato, o que sempre é melhor, porque basta não a lermos) da ítalo-marroquina não é assim tão bonita, cara Clara Barata. Enfim, depende da perspectiva. Do perfil. Ao longe, talvez. Karima El Mahroug, a Rubyzinha, que ia atirando Berlusconi para a prisão, é mais bonita. E não escreve.

 

  [Texto 3231] 

Léxico: «herodiano»

Também

 

 

      Então, se se escreve «herodiano», porque não escrevemos «cristiano»? Não, não, a pergunta que eu queria fazer era outra. Esta: os dicionários não deviam todos dizer também que «herodiano» é o partidário de Herodes Antipas, e não apenas, como faz o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que é o relativo a este tetrarca da Galileia ou ao seu governo?

 

  [Texto 3230]

Léxico: «periurbano»

Para nada

 

 

      Jornalista Rita Roque, no noticiário das 2 da tarde na Antena 1: «Mas está fora de questão o avanço das chamas para a zona periurbana da cidade, ou seja, às portas da cidade da Covilhã?» Muito bem, muito bem — mas um pouco para nada, pois teve de explicar ao interlocutor do que se tratava. Periurbano: relativo à zona vizinha de uma cidade; situado nessa zona.

 

  [Texto 3229]

«Curados pelos editores»!

Esta nunca a tinha visto

 

 

      «Não é dessa velha-nova discussão que se ocupa Lolita — The Story of a Cover Girl: Vladimir Nabokov’s Novel in Art and Design, o livro de arte e ensaio que acaba de sair nos EUA e em que 80 ilustradores e designers gráficos, curados pelos editores John Bertram e Yuri Leving, imaginam a capa do romance como ela devia ter sido» («A Lolita de Nabokov como ela devia ter sido», Inês Nadais, «Ípsilon»/Público, 23.08.2013, p. 3).

      É mais ou menos o que lhes passa pela cabeça que escrevem. Sim, alguém precisa de ser curado, e é com a máxima urgência.

 

  [Texto 3228]

Ortografia: «maoista»

Desconversar é fácil

 

 

      «Bo Xilai, um dos “príncipes vermelhos” do PCC — como são conhecidos os filhos da primeira geração de dirigentes maoísta —, é acusado de corrupção, abuso de poder e de receber subornos. [...] Bo Xilai, de 64 anos, tornou-se muito popular por causa das suas campanhas contra o crime organizado, em defesa dos pobres e recriando o regresso a um culto maoísta que, apesar dos estragos, torturas e mortes dos anos da Revolução Cultural, tem ganhado força nos últimos anos» («Bo Xilai desafia o tribunal, no que se aposta ser um julgamento encenado», Clara Barata, Público, 23.08.2013, p. 25).

      Até o livro de estilo do Público recorda a regra: «Não são acentuadas quando o i e u são precedidos de ditongo: saia, baiuca, maoismo, tauismo.» Eu bem me lembro de já aqui ter tratado deste caso — também no Público. Na altura, uma leitora, que tanto podia ser a jornalista do Público autora do texto como não, respondeu: «Eu não pronuncio «ao» como ditongo, neste vocábulo (aliás, os casos em que a sequência «ao» é considerada ditongo são excepcionais, cf. Base VII, 1, AO 90). Logo, para marcar o hiato, recorro ao acento agudo.» Logo, nem sequer devia invocar o Acordo Ortográfico de 1990. 

 

  [Texto 3227]