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Linguagista

«Croça da aorta»

Lá se foi uma convicção

 

 

      Vai para sete anos (!), escrevi esta nota de rodapé num texto que publiquei no Assim Mesmo: «É curioso, na verdade, que ninguém tenha dúvidas em designar o arcus aortae como “crossa da aorta”, pela semelhança, a curvatura, que tem com o báculo episcopal. Neste caso, parece não haver dúvidas de que o étimo é o francês.» Ninguém? Algo mudou. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, à parte recurvada da artéria aorta dá-se o nome de... «croça». E o Dr. Google também dá clara vantagem a esta grafia, o que jamais me deixaria abalado, se não fora juntar-se-lhe a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. E esta foi publicada há décadas. A coisa é muito simples: para muitos dicionários, «crossa» nem sequer existe. Bem, assim pelo menos é mais simples...

 

  [Texto 3322] 

«Sentenciar» e «comprazer»

À escolha

 

 

     «Está a perder o cabelo, como um homem; é verdade, tem a testa devastada dum sujeito idoso: “testa de pensador”, sentenceia em voz baixa» (O Fim da Noite, François Mauriac. Tradução de Cabral do Nascimento. Lisboa: Estúdios Cor, 1957, p. 13). «Teresa representara um bom papel, comprouvera-se nas atitudes tomadas» (idem, ibidem, p. 82).

      Igualmente correctas — meras variantes —, agora optar-se-ia, decerto, por «sentencia» e «comprazera-se».

 

  [Texto 3321]

«Conforme»

Só à medida

 

 

  1. «Jorge não sabia que ripostar. Conforme se aproximava a hora da partida, Maria menos afastava os olhos dele, observando-o com atenção — como se bebesse antecipadamente, prevendo que ia ter sede» (p. 84).
  2. «E, conforme falava, ela tinha a certeza de que as suas palavras indispunham o convidado mais e mais contra Maria» (p. 108).
  3. «Conforme ia enumerando os motivos que tinha um rapaz de vinte anos para amar a vida, Teresa recuperava pouco a pouco o tom de ironia: Jorge apurou então o ouvido e ergueu o rosto ávido e triste» (p. 121).
  4. «– Até à distribuição dos prémios, tornei-me mais irritado e duro conforme o via mais triste» (p. 127).

      São os quatro exemplos da obra O Fim da Noite, de François Mauriac, com tradução de Cabral do Nascimento (Lisboa: Estúdios Cor, 1957). Hoje, já se sabe que nem um «conforme» ali estaria naquelas frases. É triste ver-se assim a língua a afunilar, a empobrecer. Bela história, este O Fim da Noite. Agora vou ler a primeira parte, Teresa Desqueyroux, na tradução publicada dois anos antes também pelos Estúdios Cor.

 

  [Texto 3320]