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Linguagista

Os juízes e a língua

Muito mal sabido

 

 

      O famigerado juiz Rui Teixeira recusou receber, lê-se em toda a imprensa, pareceres técnico-sociais redigidos segundo as novas normas ortográficas. A Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS) pediu um esclarecimento ao magistrado, ao que este respondeu que a «Língua Portuguesa não é resultante de um tal “acordo ortográfico” que o Governo quis impor aos seus serviços», acrescentando que «nos tribunais, pelo menos neste, os factos não são fatos, as actas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário».

      Os professores e os jornalistas já vão sabendo que isto não é assim, mas alguns juízes, pela amostra, ainda metem alegremente os pés pelas mãos.

 

  [Texto 3472]

Diálogos

Fora daqui

 

 

      Ao escritor desconhecido. Se estão apenas duas personagens a falar, qual a necessidade de o narrador estar constantemente a intervir? Disse João, cochichou Maria, tranquilizou João... A não ser para dar um pormenor de comportamento, de espaço, etc., o narrador não tem de se intrometer nos diálogos, pois muitas vezes está apenas a duplicar a informação que o leitor recebe. Pensava que aprendiam isto nos cursos de escrita criativa.

 

  [Texto 3471]

Léxico: «ângelus»

Menos latim

 

 

      «O Papa Francisco lembrou durante o Angelus de ontem que “não existe profissão ou condição social, não há pecado ou crime de qualquer género que possa cancelar da memória e do coração de Deus um filho”» («Papa pede forte mudança nos corações», Diário de Notícias, 4.11.2013, p. 20).

    Em português, escreve-se ângelus — não precisamos nem do itálico nem da maiúscula. E será que nós dizemos «cancelar da memória»? Hum... Em italiano, sim: «Non c’è professione o condizione sociale, non c’è peccato o crimine di alcun genere che possa cancellare dalla memoria e dal cuore di Dio uno solo dei suoi figli.» Nós diríamos «apagar da memória», talvez até «riscar da memória».

 

  [Texto 3470]

«Mantrailing», hein?

Deve ser pela melodia

 

 

      «[Kevin J. Kocher] Esteve entre sexta-feira e ontem a dar a primeira formação feita em Portugal de mantrailing. Nada mais do que a “arte” de encontrar alguém específico pelo odor» («Cães ajudam a encontrar doentes perdidos através do faro», Ana Maia, Diário de Notícias, 4.11.2013, p. 20).

   Ainda nem sequer está registado nos dicionários de língua inglesa, mas não tarda podemos encontrá-lo nos de língua portuguesa.

 

  [Texto 3469]

«Colocar o dedo na consciência»!

Outra vergonha

 

 

      «Quem coloca o dedo na consciência coletiva é o escritor Hans-Magnus Enzensberger, que deixa no ar um [sic] pergunta de difícil resposta: “Porque é que ninguém se mexe para o ajudar? Parece que todos admiram Snowden, no entanto, nada fazem por ele.”» («Personalidades alemãs pedem asilo político para Edward Snowden», L. M. C., Diário de Notícias, 4.11.2013, p. 23).

      Então não é pôr a mão na consciência que se diz, caro L. M. C.? Isso não é meter os pés pelas mãos, confundir demasiado, atrapalhar tudo? Agora já não apenas trocam, a torto e a direito, o verbo «pôr» pelo verbo «colocar», como confundem também a anatomia. (Ah, e Hans Magnus não tem hífen.)

 

 

  [Texto 3468]

Ortografia: «ascensão»

Uma vergonha

 

 

      «O mesmo aconteceu com o jovem australiano Andrej Pejicc [na verdade, Pejić], cuja mudança lhe trouxe uma vertiginosa ascenção no universo da alta-costura» («A modelo que parece o que não é para... não perder o emprego», Ana Filipe Silveira, Diário de Notícias, 4.11.2013, p. 53).

      Quem escreve isto também é capaz de escrever «ascençor do Lavra», por exemplo. Uma jornalista! Pode haver excepções, mas, de forma geral, os verbos terminados em -nder dão origem a substantivos terminados em -nsão. É o caso: ascenderascensão.

 

  [Texto 3467]