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Linguagista

Tulipeiro-da-virgínia, etc.

Comecemos por algo mais simples

 

 

      «Já uma vez disse que sou péssima com nomes de árvores. Gostava de olhar para elas e saber identificá-las num instante. Não pelos seus nomes científicos e quase sempre impronunciáveis, mas pelos nomes comuns, doces e que se enrolam na língua: liquidâmbares, tília-de-folhas-pequenas, cedro-do-Atlas-de-folhas-azuis, castanheiro-da-Índia, tulipeiro-da-Virgínia» («Todas as cores do Outono», Patrícia Carvalho, «2»/Público, 24.11.2013, p. 42).

      É uma ambição como outra qualquer, mas Patrícia Carvalho fica a saber que pode começar por melhorar a ortografia. Em nomes compostos, os topónimos perdem a maiúscula: cedro-do-atlas-de-folhas-azuis, castanheiro-da-índia, tulipeiro-da-virgínia... Ora, não tem de quê.

 

  [Texto 3585]

Léxico: «calulu»

Em Angola ou em São Tomé?

 

 

      «O almoço estava marcado para as 13h, mas uma hora antes o aroma intenso do calulu de peixe, prato tradicional de São Tomé e Príncipe, já se fazia sentir por toda a casa. Anilta, que sonha abrir um restaurante seu para ver as pessoas comerem “satisfeitas” aquilo que cozinha, passou as últimas horas à volta dos tachos, a preparar um almoço atípico de domingo: ao seu lado vai sentar-se um casal de origem ucraniana e nacionalidade portuguesa, com o qual a são-tomense de 39 anos nunca trocou uma palavra que fosse» («São-tomenses e portugueses nascidos na Ucrânia juntos à volta de um calulu», Inês Boaventura, Público, 25.11.2013, p. 14).

      Também o podemos encontrar no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que, no entanto, regista que em São Tomé e Princípe se diz cálu, ao passo que calulu é o termo usado em Angola. Entre os leitores do Linguagista de certeza que há quem saiba.

 

  [Texto 3584]

Agora em russo

No alfabeto cirílico, портя́нки

 

 

      «Desde o século XVII que os soldados do exército russo utilizam simples panos a envolver os pés, em vez das meias comuns. Durante a Guerra dos Sete Anos, as Invasões Napoleónicas e ainda nas duas guerras mundiais, eram os portyanki que acomodavam os pés dos homens que combateram pela Mãe Rússia, fosse em nome do czar ou do proletariado. Mas a sua existência tem os dias contados. Até ao final do ano, os portyanki vão ser postos de lado, por ordem expressa do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e isto pode ter uma importância crucial para o futuro do xadrez geopolítico mundial» («Soldados russos marcham em direcção ao século XXI», João Ruela Ribeiro, Público, 25.11.2013, p. 21).

 

  [Texto 3583]

Sobre «seguidista»

Não só

 

 

      «Ainda que tenha obra espalhada pelo país, ficou sempre associado à Escola do Porto – mesmo se a certa altura foi “acusado” de cedência ao pós-modernismo: “É verdade que fui considerado, não direi um trânsfuga, mas um herético da Escola do Porto. Não é totalmente verdade. O que não fui foi um seguidor epidérmico da Escola. Mas os princípios, a interpretação do sítio, todos esses mecanismos que subjazem à Escola estão sempre nas coisas que fui fazendo, mas não de uma forma seguidista”, comentou à Fugas. E considerava que a Escola do Porto tinha já acabado, depois de cumprido o seu papel. “Teve o seu princípio, o seu apogeu, e acabou naturalmente.”» («Morreu Alcino Soutinho, o arquitecto da Câmara de Matosinhos», Sérgio C. Andrade, Público, 25.11.2013, p. 48).

      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, seguidista é a «pessoa que segue uma autoridade ou um partido sem deles fazer qualquer juízo crítico». Há definições melhores; esta, no contexto do artigo do Público, não se adequa propriamente.

 

  [Texto 3582]

Sobre «contraprodutivo»

E a explicação é

 

 

      «A prevista redução, diminuição do número de magistrados nas novas comarcas não tem justificação, é contraprodutiva e vai ser muito má para a reorganização que está em curso» (Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Telejornal, 25.11.2013).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, como outros, apenas regista «contraproducente». Creio que até recentemente não deparávamos nunca com «contraprodutivo», que se vê agora com alguma frequência — ou não estivesse mais próximo do inglês counterproductive.

 

  [Texto 3581]

Ou o revisor por ele

Torga sabia

 

 

      «Até ao princípio do século XVIII, São Tomé viveu o ciclo do açúcar, acompanhado e potenciado pelo crescimento do tráfico negreiro, então a principal fonte de riqueza da coroa portuguesa. E são as explorações de açúcar que constituem o precedente para a instalação das roças de cacau, a partir da segunda década de oitocentos. As diferentes tipologias destas vão acompanhando as mudanças sociais» («10 anos para salvar as roças de São Tomé», Vanessa Rato, Público, 25.11.2013, p. 27).

     Torga sabia: «Um Gama que descobrisse o caminho para a Índia em Quinhentos, desembarcasse no Mindelo em Oitocentos e jogasse o futebol agora» (Diário, Vols. I a IV, Miguel Torga. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, p. 327).

 

  [Texto 3580]

Sobre «hã»

Mais do que um espirro

 

 

      «“Hã?” em português, “huh?” em inglês, “hein?” em francês, “eh?” em espanhol. Estas palavras simples, curtas, que saem da boca sem esforço, interrogando logo ali o interlocutor e pedindo-lhe para repetir o que disse, são estranhamente parecidas. Um estudo publicado online na revista de acesso livre PLoS ONE mostra que existem na realidade inúmeros pequenos vocábulos semelhantes nas línguas humanas. [...] “Hã?” e as suas congéneres são tão excepcionais na sua uniformidade que os cientistas quiseram demonstrar que são palavras “a sério” — e não apenas “ruídos” inatos, tais como os espirros ou o choro. Uma cuidada análise fonética revelou então, explica um comunicado do Instituto Max Planck, que elas são de facto palavras porque precisam de ser aprendidas em cada língua. A prova disso, argumentam os investigadores, é que os nossos “primos” mais próximos, os chimpanzés, não emitem nenhum som desse género, os bebés também não usam essas interjeições e que as crianças só começam a usar bem o “hã?” ou afins mais ou menos a partir dos cinco anos, quando já dominam as principais estruturas gramaticais da sua língua. Para os autores, só faz sentido ter uma palavra destas, tão especializada na clarificação da compreensão, quando já existe um sistema de comunicação como a linguagem» («“Hã?”: uma palavrinha curta, simples e quase igual em todas as línguas», Ana Gerschenfeld, Público, 25.11.2013, p. 25).


   [Texto 3579]