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Linguagista

Tradução: «sour cream»

Ah, assim está bem

 

 

   «Servir quentes com as tradicionais coberturas, como, por exemplo, natas azedas e molho de maçã. Ou então oferecer salmão fumado e caviar como acompanhamento» (Laços Eternos, Kate Jacobs. Tradução de Margarida Luzia. Alfragide: Edições Asa II, 2010, p. 236). No original: «Serve warm with traditional toppings, such as sour cream and applesauce, or offer smoked salmon and caviar as accompaniments.» Não me parece é que a tradutora fizesse bem em pôr um ponto final onde ele não estava no original.

 

  [Texto 3696]

Itálico, inglês, etc.

Pela boca

 

 

      A personagem estava a deliciar-se, lê-se aqui, com «uma salada de alface iceberg com gorgonzola». Demasiado itálico, fica tudo a pender para a direita (a propósito, há minutos, na Antena Aberta, alguém chamou homem-estátua ao PR). Gorgonzola já está integrado na nossa língua, é português. E sem esforço nenhum. E essa variedade de alface, ultimamente na moda, não é também chamada, mais portuguesmente (não, Luís Miguel Oliveira, este não leva acento), alface-americana? E a personagem tem mesmo de engolir o sour cream, ou pode, sem ofensa para ninguém, trocá-lo por natas azedas?

 

  [Texto 3695]

«Local», uma acepção alheia

Larga, não é nossa

 

 

      Estavam aqui ao meu lado a dizer (falam de um livro, percebo) que «o jovem médico português regressa em trabalho à ilha do Príncipe e apaixona-se por uma local». O resto da conversa perdeu-se no ruído. Agora que penso nisso, concluo que cada vez ouço e leio mais esta palavra usada nesta acepção — anglo-saxónica. Local é uma pessoa do lugar.

 

  [Texto 3694]

Escoceses, serranos e saiotes

Demasiado cedo

 

 

      Sporran, lê-se no Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora, é a «bolsa de pele usada pelos serranos escoceses diante do saiote». Sendo assim, já não precisamos de usar o vocábulo inglês para designar este saiote. Ou, pelo menos, nem sempre. Agora vejam isto: se pesquisarmos a palavra «kilt» no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora com o Acordo Ortográfico, lemos que «el kilt forma parte del traje tradicional de los escoceses». Hã?! Mas isto é só porque me levantei às 4 da manhã, pois que entretanto avisei o Departamento de Dicionários e já está corrigido.

 

  [Texto 3693]

Ortografia: «shakespeariano»

Noutra página

 

 

      Sou eu outra vez,  caro Luís Miguel Oliveira. Não se assuste. É que há aí outro erro. «Mas foi em Inglaterra que “se fez”, num meio que em nada o destinava às andanças shakespeareanas em que primeiro se veio a destacar. Nada tinha de aristocrático, pese o porte e os vários papéis de reis (foi duas vezes Henrique II, em Becket e O Leão no Inverno) e nobres que desempenhou no teatro e no cinema. Pelo contrário, a infância foi passada nos meios mais pobres de Leeds. “Nem sequer venho da classe operária, venho da classe criminal”, dizia, referindo-se ao facto de muitos dos seus colegas e amigos de infância terem depois dado em criminosos condenados» («Peter O’Toole (1932-2013). Um homem das Arábias», Luís Miguel Oliveira, Público, 20.12.2013, p. 37).

 

  [Texto 3692]

Ortografia: «irmãmente»

Não pode

 

 

      «Por outro lado, a sua vida fora dos palcos e dos sets pede meças à riqueza e complexidade das personagens que interpretou. Ainda agora, quando morreu, os jornais britânicos dividiam a sua atenção, quase irmamente, entre a obra e as muitas particularidades da sua vida pessoal» («Peter O’Toole (1932-2013). Um homem das Arábias», Luís Miguel Oliveira, Público, 20.12.2013, p. 36).

      Um jornalista tem obrigação de saber que se escreve irmãmente. Não pode ignorar que os vocábulos terminados em transmitem esta representação do a nasal aos advérbios em -mente que deles se formem: cristãmente, irmãmente, louçãmente,  temporãmente, sãmente, vãmente. Não são excepções a nenhuma regra, nada disso. É assim porque o til é apenas um sinal indicador da nasalidade da vogal, pelo que não pode ser confundido com os acentos gráficos.

      Quanto ao título do artigo, embora seja uma alusão ao título do famoso filme Lawrence da Arábia, é preciso dizer que, a significar homem extravagante, arrojado, façanhudo, o que parece que Peter O’Toole também era na sua vida pessoal, se escreve homem das arábias. Exactamente, com minúscula.

 

  [Texto 3691]

«Os 3 D»!

Tu quoque

 

 

   «Os 3 D do Partido Socialista em 1974 eram “descolonizar, democratizar e desenvolver”. Os 3 D de hoje são “a dignidade, a democracia e o desenvolvimento”. Aparentemente, 40 anos não chegaram para o trivial, apesar dos fundos da “Europa” e muita parlapatice» («Sem barulho», Vasco Pulido Valente, Público, 20.12.2013, p. 60).

      Uma coisa é dizer Movimento 3D, outra, bem diferente, são os 3 dd. Enfim, Vasco Pulido Valente não pensou bem ou escreveu mal. Mas tem razão quanto a tudo o mais: «Como os promotores do “movimento” dizem, e dizem bem, “é tempo” de tratar seriamente do caso. Infelizmente, a grande maioria desses promotores já tentou e já falhou na missão urgente de salvar a Pátria. Vieram do PC, do Bloco, do PS, do vaporoso “Partido Livre”, mesmo do lúgubre PRD do general Eanes. Ou seja, arrastam atrás de si uma carreira de tristeza e fracasso, de inutilidade e arrependimento. Muitos estão, de resto, reformados e não se deviam meter em aventuras liceais, deviam ficar em casa a beber chá e a ler os livros que não leram.»

 

  [Texto 3690]

Léxico: «encharcada»

Tudo doce

 

 

      Falam dela José Leite de Vasconcelos, Fialho de Almeida, Alfredo Saramago, entre outros, e eu conheço-a há décadas, mas o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ignora-a. É a encharcada, que esta semana vi Filipa Vacondeus fazer num programa de televisão. Também esta semana, vi o chefe Hélio Loureiro fazer mexidos, que eu não conhecia e que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista.

     «Serviu-se a açorda alentejana com bacalhau e ovo, o borrego do monte, alimentado a ervas o ano inteiro, o arroz de miúdos do borrego, o ensopado de lebre e a canja de pombo bravo, que fechava sempre o capítulo dos salgados, sendo seguida por uma profusão de doces de ovos, dos quais os mais celebrados foram a encharcada, o arroz-doce com canela, o leite-creme queimado a ferro para ficar mesmo estaladiço e a siricaia – uma improvável combinação de um doce indiano, que um Bragança, antepassado dos últimos reis de Portugal, trouxera da sua estada em Goa, a que acrescentara as ameixas verdes de Elvas» (Rio das Flores, Miguel Sousa Tavares. Cruz Quebrada: Oficina do Livro, 2007, p. 256).

 

  [Texto 3689]