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Linguagista

«Tu cá, tu lá»

Se é fino, é francês

 

 

      «Clientes sobretudo mulheres, empregados todos homens, tu-cá tu-lá com denominações como crêpe georgette (tecido fino, enrugado, geralmente de seda natural), cetim duchaise (cetim espesso de seda natural), soie laine (tecido de lã e seda), pongé (seda natural muito fina, usada para forro e sombras), bouclé (lã com “caracolinho”) e outros jargões do ofício, e com o trato altivo de quem se considera a nata do comércio e se habituou a atender gente de posses e com gostos caros» («Adeus, casa Souza, adeus ó sedas de luxo que não voltam mais», Fernanda Câncio, Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 21).

      Já tenho visto assim, mas os dicionários registam tu cá, tu lá. «E outros jargões do ofício»? Percebo, mas está mal. Não, não tem nada que ver com o argumento cultiparlante de que «gíria» é mais correcto, mas antes a extensão artificial do termo. Natural seria «e outros termos do jargão do ofício».

 

  [Texto 3721]

Sobre o plural «filhoses»

Com mil Satanases

 

 

      «A noite de terça-feira será “muito tradicional, com a família mais chegada, à lareira e com o bacalhau, as filhoses e algumas prendas”» («Do Nepal para a lareira e bacalhau tradicional», Joana Capucho, Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 15).

      É, já vimos mais de uma vez, um plural duplo ou redundante, como «ilhoses», por exemplo. E alguém afirma que estão errados? Pois não... Então porque estão incorrectos moses, avoses, poses?... Por acaso, e ainda recentemente aqui falei disso, nestes casos — anómalos — dos plurais duplos tiraram-se os falsos singulares.

 

  [Texto 3720]

«Descrição/discrição»

Tinha de ser

 

 

      «“Morreram por hipotermia. O meu irmão resistiu uma hora a nadar por ser o mais novo, mas os outros não aguentaram”, relatava ao DN Dani Almeida, proprietários [sic] do barco Cochicho, de sete metros, registado em Peniche, o mesmo que não resistiu a um [sic] “estranha onda”, como a adjetiva, numa zona do mar da costa de Caparica que “parecia uma piscina”, segundo a discrição feita pelos pescadores» («Mitchell Almeida aguentou uma hora na água», Roberto Dores, Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 5).

      Confusões são confusões, e se é mais habitual ver-se «descrição» por «discrição», também se vê o contrário.

 

  [Texto 3719]

AOLP90

Aplicado cegamente

 

 

      «Era um dos sócios mais antigos da coletividade 31 de janeiro, ao lado da qual fundou o Talho do Piloto, que era gerido por si e pelo filho. [...] Manuel Pereira, vice-presidente da coletividade 31 de janeiro, comentava com outros a morte do João Piloto, o pescador que parecia ter várias vidas depois do naufrágio da Comporta» («A sorte não esteve com João Piloto que resistiu a naufrágio igual há anos», Rute Coelho, Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 4).

      Não é descuido, é desconhecimento das regras mais básicas do Acordo Ortográfico de 1990. E ninguém lhe diz, nem colegas, nem editores, nem conhecidos. Ou também não sabem ou querem que ela se espalhe, vá lá saber-se.

 

  [Texto 3718]

Sobre «moral»

Um erro persistente

 

 

      «Para celebrar este momento de sorte, o dono da loja de onde saíram os bilhetes, [sic] mandou abrir garrafas de champanhe. “É uma satisfação compartilhar um pouco de felicidade. Isto serve para levantar a moral de Mondragón”, disse ao El País José Maria Garai» («‘El Gordo’ abafou crise e deixou espanhóis em festa», Ana Meireles, Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 25). Pois disse, e em castelhano está certo: «El lotero José María Garai ha afirmado que “esto sirve para levantar un poco la moral de Mondragón”.» Em português, contudo, cara Ana Meireles, nesta acepção de estado de espírito, moral é do género masculino. (Pois é, não temos uma palavra equivalente a lotero, «persona que tiene a su cargo un despacho de billetes de la lotería». Loteiro só se usa no Brasil, para designar o proprietário de um ou mais lotes de terras.)

 

  [Texto 3717]

Sobre «vicunha»

Como o sisal

 

 

   «A Loro Piana, sediada no Piemonte, em Itália, era a maior manufatureira de caxemira e vicunha, fibra natural rara e oito a dez vezes mais cara do que a caxemira» («O empresário italiano que dedicou a vida à caxemira», Diário de Notícias, 23.12.2013, p. 43).

      Dito assim, dá, parece-me, uma ideia errada. A vicunha é o nome que se dá ao mamífero ruminante que vive nos Andes e ao tecido fabricado com a lã fornecida por esse mamífero. O parágrafo seguinte traz a luz: «O negócio foi criando, ao longo dos anos, a sua própria cadeia de fornecimento[,] tendo os irmãos comprado inclusivamente uma reserva natural no Peru, nas montanhas, onde protegem as vicunhas, uma espécie de camelo em perigo de extinção e responsável por uma das mais raras lãs do mercado têxtil mundial.»

 

  [Texto 3716]