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Linguagista

O que se diz na rádio

Coisas como estas

 

 

      Mesmo para quem, como eu, não liga absolutamente nada ao futebol, o lugar de Eusébio está bem firmado na história do desporto. Mas não exageremos. Na Antena 1, esta tarde, um jornalista assegurava que Eusébio «é um dos pilares da História de Portugal». Vá lá, alguma contenção. Um repórter, cujo nome não imortalizarei, com lágrimas ao canto da boca, dizia que já estava a ver «o caixão fúnebre de Eusébio». É a rádio portuguesa.

 

  [Texto 3790]

Tradução: «wadi»

Por montes e vales

 

 

      «O que significa seguir por um caminho através dos campos e atravessar diversas valas e barrancos» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 79). No original: «It means taking a line across country and the crossing of innumerable little ditches and wadis.» Não me perguntem que nome lhes dava Fr. Pantaleão de Aveiro. Sei é que alguns dicionários da língua portuguesa registam o termo aportuguesado uádi ou uade, que é o leito de um rio nas regiões desérticas de África e da Ásia, geralmente seco, excepto na estação das chuvas. Curiosamente, na autobiografia de Agatha Christie publicada pela Asa (Alfragide: Edições Asa II, 2011), a tradutora, Elsa T. S. Vieira, usou o termo «uádi».

 

  [Texto 3789]

Tradução: «local»

Não são todos iguais

 

 

     «Temos várias conversas com os habitantes locais nos vários montículos, no caminho para Tell Halaf» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 78).

    Nada de especial, dizem? Enganam-se: no original está isto: «We have many local conversations on the various mounds approaching Tell Halaf.» Já vimos aqui que alguns jornalistas usam o termo como se fosse uma acepção lidimamente portuguesa.

 

  [Texto 3788]

Tradução: «vegetables»

Aleluia

 

 

      «Compramos legumes e uma grande quantidade de ovos, e, com a Queen Mary cheia a ponto de rebentar com as molas, partimos, desta vez para dar início à pesquisa propriamente dita» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 57). «Como uma refeição colossal de arroz e guisado de legumes a nadar em gordura. Parece que é a coisa mais deliciosa que provei na vida!» (idem, ibidem, p. 64).

      «We buy vegetables and large quantities of eggs and with Queen Mary full to the point of breaking her springs, we set off this time to start on the survey proper. [...] After four days with nothing but weak tea without milk, I suddenly revive. Life is good again. I eat a colossal meal of rice and a stew of vegetables swimming in grease. It seems the most delicious thing I have ever tasted!»

      Ah, mas cá temos uma tradutora que não come vegetais, mas legumes. Aleluia!

 

  [Texto 3787]

Sobre «inconfortável»

Falares emigreses

 

 

      «O dr. Paulo Portas parece muito inconfortável com o “protectorado”, a que Pátria [sic] foi submetida. Presumo que ninguém lhe disse que, fora 20 anos durante a Ditadura de Salazar, Portugal viveu sob o “protectorado” da Inglaterra» («2013 — as confusões», Vasco Pulido Valente, Público, 5.01.2014, p. 55).

      Presumo que ninguém disse a Vasco Pulido Valente que isto é mais inglês,  uncomfortable, do que português. Não tarda, está a falar-nos de incameteques (income taxes), ou dos esteiques (steaks) do Gambrinus. Isto se não nos lançar um iracundo gorele (go to hell).

 

  [Texto 3786]

Léxico: «poinsétia»

Até ao fim

 

 

    «Enquanto contemplo as poinséttias com aprazimento e as instalações para a higiene corporal com desagrado, batem à porta» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 44).

    Semiaportuguesado? Ora, ora. Todos esperávamos que tivesse escrito «poinsétias», pois claro. O nome científico é Euphorbia pulcherrima, os nomes comuns mais conhecidos são flor-de-natal e folha-de-sangue. Aqui em Cascais, vejo-as agora por todo o lado. De tão perfeitas, parecem artificiais.

 

  [Texto 3785]

Léxico: «serpejante»

Que serpeia

 

 

      «Segue-se uma bela jornada de viagem ao longo da costa serpejante do Mar da Mármara, salpicado de ilhas enevoadas e encantadoras» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 39). No original, winding coast.

      A última vez que tinha lido a palavra foi no Livro de Consolação, de Camilo: «Hontem vi o marcador de bilhar, com os bigodes pintados, guiando dois alazões, que tiravam um char-à-bancs, em que íam reclinadas e retrançadas de serpejantes cabelleiras tres mulheres d’aquella especie ephemera de borboletas que tem uma segunda crisalida nos amphitheatros dos hospitaes.»

 

  [Texto 3784] 

«Xantungue/xantum»

Nadinha

 

 

    «Mas — sim — há mais coisas. Aqui há vestuário próprio para as esposas dos construtores do império. Xantungue!» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 25).

    É curioso como até esta não está em todos os dicionários. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, por exemplo, desconhece-a. É o aportuguesamento da designação inglesa, shantung, que se encontra no comércio. Temos outro, que a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira regista: xantum.

 

  [Texto 3783]