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Linguagista

Ortografia: «feijão-verde»

Se for em inglês

 

 

    «Começamos com hors d’oeuvre, ovos cozidos cobertos por uma saborosa maionese, sardinhas, feijão verde frio e anchovas» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 174).

    Poucas vezes vejo a palavra escrita como deve ser, com hífen. Nesta tradução, é a segunda vez, e, para contrariar o que se costuma dizer, à segunda é de vez. Se não queremos usar o hífen, por qualquer convicção religiosa ou política, escrevemos em inglês, string beans. Ou a designação científica, Phaseolus vulgaris.

 

  [Texto 3806]

«Laranja-vivo/azul-vivo»

Haja coerência

 

 

      «Estas trazem turbantes laranja-vivo em volta da cabeça e roupas verdes, roxas e amarelas» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 120). «A carroça está pintada de azul vivo e amarelo, os barris são azuis, o circassiano traz botas altas e vestes garridas» (idem, ibidem, p. 190). Ora, não pode ser: se se escreve laranja-vivo, também se tem de escrever azul-vivo, isso é certo e sabido. No original, uma é bright orange e a outra bright blue. Vermelho-vivo já está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora; agora só faltam mais umas centenas de cores.

 

  [Texto 3805]

Tradução: «Turkish delight»

São só delícias turcas

 

 

      «Ali depressa desapareceram, encobertos por papel de desenho, papel para a máquina de escrever, cigarros, turkish delight, etc., e definharam na escuridão – esquecidos, fora da vista, mas, é preciso que se diga, não inodoros» (Na Síria. Conta-me cá como Vives, Agatha Christie Mallowan. Tradução de Margarida Periquito. Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 170).

      O uso da expressão em inglês exigiu uma nota de rodapé: «Turkish delight (delícia turca): pequenos cubos gelatinosos, aromatizados com essências florais e cobertos de açúcar.» Escusadamente: era preciso estar noutra língua que não em inglês para se ter de manter. Se está na mesma língua, traduz-se: «As minhas colegas ensinaram-me algumas palavras – raha (delícia turca) e biscotte (biscoitos), que costumavam comprar para o lanche da manhã e com os quais faziam sanduíches» (Casei com Um Beduíno, Marguerite van Geldermalsen. Tradução de Sónia Oliveira. Alfragide: Edições Asa II, 2013, p. 221).

 

  [Texto 3804] 

«Sensação térmica»

Não é só uma sensação

 

 

      «Uma imagem divulgada pelo National Weather Service [NWS] através do Twitter, na madrugada de ontem (manhã em Lisboa), mostrava o Sul do Canadá, o Nordeste e o Midwest dos Estados Unidos com sensações térmicas entre menos 23 e menos 49 graus Celsius» («“Está mesmo perigosamente frio” na América do Norte», Ricardo Garcia, Público, 7.01.2014, p. 30).

      Só recentemente é que passei a conhecer o conceito. É a temperatura aparente, que pode ser diferente da temperatura real.

 

  [Texto 3803]

«Esqui de fundo»

Ora aí está

 

 

    Voltemos aos Alpes. Reparem: «A informação foi avançada pelo seu porta-voz, no dia em que se previa o regresso de Merkel ao trabalho, após alguns dias de férias. “A chanceler não vai poder honrar os compromissos agendados para a próxima semana. Sofreu um choque grande ao cair quando fazia esqui de fundo durante as festas de Natal e fracturou a bacia”, explicou Steffen Seibert» («Merkel fracturou bacia a esquiar», Público, 7.01.2014, p. 31).

   Tal como se pôde deixar de escrever «ski cross-country» e passar a escrever-se «esqui de fundo», também se pode e deve deixar de escrever «permafrost» e passar a escrever «pergelissolo». Basta querermos.

 

  [Texto 3802]

Alpes Suíços... mas Alpes franceses?

Vou dizer a François Hollande

 

 

      «Merkel é uma fã de desportos ao ar livre e costuma passar o final de ano com o marido na estância de esqui de Engandin, nos Alpes Suíços» («Merkel fracturou bacia a esquiar», Público, 7.01.2014, p. 31).

      É apenas uma fractura incompleta do anel pélvico, nada de muito grave. Grave é os jornalistas do Público nesta notícia escreverem «Alpes Suíços» e num artigo da página 48 escreverem «Alpes franceses». «Oito dias após o acidente de esqui que sofreu em Méribel, nos Alpes franceses, Schumacher permanece em coma induzido e “sob permanente observação devido aos tratamentos médicos que lhe são administrados”, adiantaram os médicos» («Schumacher segue estável mas em estado crítico», Público, 7.01.2014, p. 48). Talvez precisem, já não digo de revisores, mas de umas caixas de Memofante.

 

  [Texto 3801] 

Tradução: «permafrost»

Ai isso é que há

 

 

  «A Península Antárctica está a aquecer depressa: desde 1950, a temperatura média anual do ar subiu 2,5 graus Celsius. Caso a temperatura do ar continue a subir, o permafrost pode sofrer mudanças drásticas. Até há uma década nada se sabia sobre ele. Criou-se entretanto uma rede mundial de monitorização e os dados recolhidos pela equipa de Gonçalo Vieira em várias ilhas da Península Antárctica, que contribuem para essa rede, denotam uma tendência para o aquecimento, essencialmente no Verão, nos primeiros metros do solo, a camada que se funde e volta a ficar congelada no Inverno e abaixo da qual está o permafrost» («Cientistas portugueses pedem ajuda para comprar drone para a Antárctida», Teresa Firmino, Público, 7.01.2014, p. 36).

   Pode ser um horror, como alguns querem, mas temos equivalente português, usado tanto em textos científicos como em romances, dos anos 50 à actualidade. Incompreensivelmente, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ignora-a.

      «A minha última amante, uma italiana de Cuneo que continua a vender frigoríficos novos aos moribundos, está-se também a derreter. Como nós todos sabemos, o calor provoca a fusão do pergelissolo em que assentam as estradas árcticas, e perto de Fairbanks a via das bicicletas está cheia de lombas» (A Ponte Submersa, Manuel da Silva Ramos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2007, p. 22).

 

  [Texto 3800] 

Revisão nos jornais

E logo no editorial

 

 

      Eu não disse que se ia ouvir agora muito a palavra «panteão»? É preciso alguns cuidados, com as repetições, por exemplo: «Mas o que significa Eusébio no Panteão? Melhor: o que significa, para Portugal e para os portugueses, o Panteão? Sabe-se quem lá está, e nem todos são nomes consensuais: a Almeida Garrett, Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro, João de Deus, Manuel de Arriaga, Óscar Carmona, Sidónio Pais e Teófilo Braga juntaram-se, mais tarde, Humberto Delgado, Amália Rodrigues e Aquilino Ribeiro. E há uma campanha para que Sophia de Mello Breyner Andresen também para ali seja trasladada. Note-se que D. Nuno Álvares Pereira, o Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral ou Afonso de Albuquerque “estão” lá, mas apenas em cenotáfios (memoriais fúnebres) porque todos estão sepultados noutro lado» («Eusébio, o Panteão e certas conveniências», editorial, Público, 7.01.2014, p. 50).

      Dantes, as nuvens de fumo nas redacções podiam impedir a visão clara dos textos, mas agora, graças a Sócrates, com a melhor lei dos últimos 75 anos, a Lei do Tabaco, já não é assim. Vêem-se as palavras, não se vêem é revisores.

 

  [Texto 3799]