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Linguagista

«Penny/péni/dinheiro»

Dos pénis aos dinheiros

 

 

      «A minha irresistível paixão eram uns macacos que custavam um péni. Custavam realmente um péni e eram pequenas e felpudas reproduções dos macacos verdadeiros, encimando um longo alfinete que se espetava no vestuário» (Autobiografia, Agatha Christie. Tradução de Maria Helena Trigueiros. Lisboa: Livros do Brasil, [1978], «Colecção Dois Mundos», p. 125).

      Qual é o tradutor que, nos dias que correm, optava por traduzir «penny» da mesma maneira? Nem um, aposto. Porque receiam que o leitor se ria — embora não tenham o mesmo receio quando insistem em deixar largas dezenas de palavras por traduzir. Receiam, c’um caralho, que o leitor confunda com o nome do órgão sexual masculino? Mesmo no singular?... Agora é assim: «A minha paixão particular era algo conhecido como macacos de um dinheiro. Custavam um dinheiro e eram pequenas representações felpudas de macacos, presos num alfinete comprido que enfiávamos no casaco» (Autobiografia, Agatha Christie. Tradução de Elsa T. S. Vieira. Alfragide: Edições Asa II, 2011, p. 116). Talvez gostem de ficar a saber que, se péni ainda figura nos dicionários — moeda inglesa equivalente à centésima parte da libra —, já quanto a dinheiro, nesta acepção, não encontrei em nenhum. Eu sei: a língua não está (só) nos dicionários.

 

  [Texto 3864]

«Dar de si»

Sim? Não?

 

 

   «Enfiaram a corda pela argola, e puxaram os dous fidalgos e dous lacaios. Deu de si a tampa: repuxaram, e a tampa resaltou d’um sacão» (O Judeu, Camilo Castelo Branco. Porto: Em Casa da Viúva Moré – Editora, 1866, p. 78).

    A questão é esta: em vez de se escrever dar de si, podemos escrever simplesmente, com o mesmo sentido (ceder a uma força, ao uso continuado ou a um esforço), dar? «A tampa deu». Na oralidade, não é raro usar-se.

 

  [Texto 3863]

Léxico: «toiça»

Mal escolhidas

 

 

      A toiça é, explica o autor numa nota de rodapé, «o cepo ou base do tronco que se mantém enterrado no solo após corte da árvore». Ainda ontem vi que ali no separador central da Álvaro Pais têm vindo a cortar paulatinamente as árvores que lá estavam. Tantos engenheiros, tantos arquitectos, e depois escolhem as piores espécies de árvores, que em meia dúzia de anos morrem. É isso, só lá ficaram as toiças. A definição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora parece-me muito menos clara: «parte de uma planta, especialmente árvore, que compreende as bases do caule e da raiz». Dicionário que desconhece alto fuste, e mesmo talhadia está mal explicado.

 

  [Texto 3862]

«Biblioteca Bodleiana»

Mais uma vez

 

 

      aqui falei disto, mas agora com uma abonação de peso: «Depois dos museus vi, embora muito de fugida, a Biblioteca Bodleiana, assim denominada de Tomás Bodley, que a fundou nos começos do sec. XVII, ampliando a antiga livraria universitaria» (De Campolide a Melrose, José Leite de Vasconcelos. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1915, p. 96).

    Pois claro que os confusionistas do costume não aceitam — a não ser que, declaram-no ingenuamente, pudessem vê-la nos dicionários. De fugir.

 

  [Texto 3861]

Como se escreve nos jornais

Paralelo 40º

 

 

   «Estudo da Universidade Católica e do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano apresentado amanhã mostra que quem recebe mais de quatro mil euros é tão infeliz como quem recebe menos de 500» («Quanto mais instruídos e ricos, menos solidários são os portugueses», Maria João Lopes, Público, 15.01.2014, p. 10).

   Um leitor mandou-me o recorte e perguntou-me o que acho daquele «apresentado amanhã». Digo que meteram os pés pelas mãos e que não foi por falta de espaço — desculpa de que lançam mão de vez em vez — que escreveram assim.

    Outra coisa: o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista «ilírio», mas apenas «ilírico».

 

  [Texto 3860]

Plural dos apelidos

Sempre a desaprender

 

 

    «A minha mãe e a Sr.ª Pirie tinham muita coisa em comum e imediatamente iniciaram, se bem me lembro, uma discussão acerca da arte japonesa. Os Piries tinham com eles os dois filhos — Harold, que estudava em Eton, e Wilfred, que, suponho, deve ter estudado em Dartmouth, pois seguiu a carreira da Marinha» (Autobiografia, Agatha Christie. Tradução de Maria Helena Trigueiros. Lisboa: Livros do Brasil, [1978], «Colecção Dois Mundos», p. 99).

   Muito, muito bem — mas ainda ontem um autor me mandou um recado: em português não é assim. Argumento: imagine-se o apelido Campo; pluralizado, seria Campos; ora, também há o apelido Campos. Pois é, e depois, isso levanta algum problema?

 

  [Texto 3859] 

Tradução: «cottage»

É o que vos digo

 

 

      «Ethel não se casou e morava num pequeno chalé com a suave Annie — coisa muito apropriada, penso agora: exactamente o que deveriam ter feito se tivessem realmente existido» (Autobiografia, Agatha Christie. Tradução de Maria Helena Trigueiros. Lisboa: Livros do Brasil, [1978], «Colecção Dois Mundos», p. 112).

      No original, está «small cottage». Dificilmente hoje em dia um tradutor prescindiria do termo inglês, decerto por o reputar coisa para lá de transcendente. E, a não ser que a tradução da palavra fosse da iniciativa do tradutor — afinal, na tradução feita por Elsa T. S. Vieira (Alfragide: Edições Asa II, 2011), lê-se «pequena casinha» —, também dificilmente uma sugestão do revisor nesse sentido teria êxito.

 

  [Texto 3858]