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Linguagista

No casino — um rodo

A vida oscila

 

 

      Recordam-se, decerto, de já aqui ter trazido a questão de como referir o utensílio para aproximar e recolher o dinheiro nas bancas do jogo. Sim, é o rodo. E o nome que tem o empregado de casino que dirige uma mesa de jogo. Sim, é o banqueiro. O leitor Rui Almeida, que está a ler Poesia, de Eugenio Montale (Assírio & Alvim, 2004, com tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos), ficou impressionado ao ver que o tradutor recorreu, num dos poemas, respectivamente, a e a... croupierQuanto a pá: «Como qualquer pessoa da minha idade», escreve Rui Almeida, «com um mínimo de referências, e mesmo sem nunca ter entrado num casino, percebo naturalmente do que se trata, mas imaginei que tivesse outro nome, que também não me ocorre qual seja.» É esse, muitas vezes, o problema: percebemos, mas devia lá estar outra palavra. No original está cucchiaione, «colherão»; no outro caso que já vimos, era rastrello. Quanto a croupier, tolera-se no caso, pois também há uma frase em francês: les jeux sont faits.

 

  [Texto 3885]

Tradução: «cancel»

Voo cancelado

 

 

     «Parecia colorir, quase cancelar, todo o anterior conhecimento que tinha delas» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 15). To cancel significa também, é certo, cancelar, mas, para significar destruir o efeito de, usamos o verbo anular. E suprimir também se adequava. Na página 73 desta tradução ocorre um caso em tudo igual.

 

  [Texto 3884]

Raças de cães

Quietinhos

 

 

      «Uma mulher grande, com um golden retriever pela trela, gritou: “Tenho a certeza que o Henry pode ajudar.”» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 84). E umas páginas mais à frente: «Era um velho Jack Russell e já não via muito bem» (p. 98). Que está assim no original (excepto no itálico), evidentemente, não há dúvida, mas o que interessa é como deve ser em português — porque é uma tradução. Há incongruência, isso qualquer leitor mais atento concluirá; mas qual é a forma correcta de grafar as raças de cães? É com minúscula: golden retriever, jack russell. Com minúscula, porque é um nome derivado, que o reverendo Jack Russell tenha santa paciência.

 

  [Texto 3883]

Tradução: «chignon»

Era o que faltava

 

 

      «Os suaves cabelos louros presos num chignon, os olhos bem afastados, a boca firme» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 42).

      Já tratámos aqui disto uma vez; voltamos a fazê-lo. Em inglês está perfeito, mas tem tradução, como quase sempre: «Com o seu vestidinho preto e os sapatos vermelhos sexy de saltos altos, com o cabelo comprido apanhado num puxo elegante, costas direitas, joelhos convenientemente juntos, tentava estar à altura do ambiente que a rodeava» (Férias em Saint-Tropez, Elizabeth Adler. Tradução de Inês Castro. Alfragide: Quinta Essência, 2013, p. 20). No original: «In her little black dress and sexy red heels with her long glossy hair pulled into a sleek chignon, back straight, knees properly together, she was trying to live up to her surroundings.»

 

  [Texto 3882] 

Tradução: «mouthpiece»

É parecido, pois

 

 

      «Um homem já de idade sentava-se a uma secretária com dois telefones, o auscultador de um deles colado ao ouvido. Tapou o bucal com a mão enquanto murmurava “sente-se, por favor” a Barnaby e continuou a ouvir, acenando gravemente com a cabeça de vez em quando» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 30).

      É das tais que praticamente só vejo nas traduções, e quase sempre bem escrita, o que não é o caso aqui. É bocal – a parte do telefone por onde se fala – e não bucal. Não está, incompreensivelmente, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

  [Texto 3881]

«Friday the seventeenth»

Não é assim

 

 

      «– Sexta-feira dezassete. Há dois dias. Tenho andado a tentar decidir o que fazer desde então. Sabia que não tinha muita coisa a que me agarrar, compreende? Provavelmente responder-me-iam que estava a dizer um monte de disparates. Que foi o que aconteceu, claro» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 27).

   Assim, sem vírgula e por extenso, em inglês, é claro: «Friday the seventeenth.» Exemplifique-se também com uma tradução: «Crónica breve: Bruno Walter dirige o seu último concerto nesta temporada domingo, 15 de Abril, na Städtische Oper» (Berlim Alexanderplatz, Alfred Döblin. Tradução de Sara Seruya e Teresa Seruya. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, 3.ª ed., p. 268).

 

  [Texto 3880]

«Police Training College»

Intraduzível, isto?

 

 

      «O sargento Troy concentrou-se na sua própria respiração, um truque que aprendera com um colega que frequentara com ele o Police Training College e que estava muito metido no T’ai Ch’i e noutras chinesices da moda» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 21).

      Não se traduz apenas o que não é passível de tradução, por não ter correspondência com uma realidade da língua de chegada. O Police Training College não poderá ser traduzido por Escola Superior de Polícia? E o nome da arte terapêutica chinesa não precisa daqueles arrebiques gráficos: é tai chi, como se vê nos dicionários da língua portuguesa.

 

  [Texto 3879]

Tradução: «nicotiana»

Eis a prova

 

 

      «Abriu as portadas de par em par, aspirou a fragrância da nicotiana e os aromas noturnos dos goiveiros plantados diretamente por baixo da janela» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 14).

      Na tradução, lembrei-o há dias, é preciso muito cuidado com o nome de plantas e de animais. No original está nicotiana, que é uma planta ornamental da família do tabaco, muito fragrante à noite. Em português, como se estava mesmo a ver, é nicociana. Além, naturalmente, dos nomes comuns: erva-de-todos-os-males, erva-do-rei, erva-do-tabaco e erva-santa.

 

  [Texto 3878]

Tradução: «window seat»

Era a oportunidade

 

 

      «Ao fim da tarde, estava sentada no banco da janela a olhar para o jardim que escurecia» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 14).

      Era a oportunidade para usar a palavra portuguesa conversadeira. Que, por acaso, não se encontra no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Falei dela aqui e está no Aulete: «Assento integrado à parede pouco abaixo de peitoril de janela, de madeira, cantaria, ou da própria alvenaria.»

 

  [Texto 3877]