Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

«Apetite de aventura»

Urbanamente

 

 

      «– Refiro-me aos esforços ansiosos e descombinados para transcender a nossa mesquinha condição, àquele desafio constante do verdadeiro espanhol ao bom senso, à própria morte... Refiro-me à saudade de acção impetuosa que fermenta nos anos de apatia em que a Espanha periodicamente se revolve. Tudo isso me agrada: o espírito pouco prático, o orgulho do pobre; o apetite de aventura, de vida arrojada e palpitante... Mas desculpe, Mari-Paz, estou a castigá-la com um verdadeiro discurso...» (Obras Completas, Vol. 1, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009, p. 215).

 

  [Texto 3893]

Este não replica

Tomem lá!

 

 

      Replicar uma experiência. Farto-me de corrigir – outras vezes, sugerir –, e nem sempre em vão, mas até aqui no blogue já deixaram comentários em que defendem que não é condenável. Mais, acrescentam, até faz falta. Sim? Agora, num livro de um professor universitário português, com doutoramento na Grã-Bretanha, leio: «O pior é que se tornava impossível duplicar as experiências.» Duplicar, repetir. Eu tenho defendido, entre outras, reproduzir. Anotem, seus aprendizes.

 

 

  [Texto 3892]

Léxico: «outrotanto»

Conheciam?

 

 

  «Outrotanto fazem os vendedores de água a copo e andam esganiçando-se por meio do arraial: quem quer água!?» (Constantino de Bragança, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Bertrand Editora, 1987, p. 292).

   Nunca antes tinha visto. Não está nos dicionários; não está no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves. Alguém a viu?

 

  [Texto 3891]

Léxico: «bigle»

E não é a primeira vez que o digo

 

 

      «– Não pude ver. O caminho curva à direita quase logo a seguir. Levava um dos beagles pela trela. E uma carta na mão» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 123).

   Está assim em toda a tradução. Viva a coerência! Contudo, há muito que a palavra está aportuguesada: bigle. «Havia dois anos ou mais que aquele cão fazia parte da tua vida, e tu gostavas muito dele – um bigle jovem e cheio de energia, com um grande apetite pela aventura e a mania de correr atrás dos carros» (Diário de Inverno, Paul Auster. Tradução de Francisco Agarez. Alfragide: Asa II, 2012, p. 34).

 

  [Texto 3890]

Ortografia: «brontiano»

Basta pensar

 

 

   «A voz dela soou clara, investindo as palavras de um esplendor absolutamente bronteano» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 158).

    Nada disso: brontiano. Mas há quem saiba, claro, há sempre: «O que interessou a Sónia dos Santos não foi mais, ou menos, do que isto: captar e transpor para o espaço cénico aquilo a que, à falta de melhor, chamarei o clima em que mergulha o romance brontiano, essa atmosfera, termo óbvio, que tanto tem perturbado os seus leitores ao longo das gerações» (Fábrica Sensível, Carlos Porto. Lisboa: Cotovia, 1992, p. 130).

 

  [Texto 3889]

Tradução: «deaconess»

Na primitiva e na actual

 

 

      «Havia uma Isabella na minha turma de música, há muitos anos. Uma mulher impecável. Penso que hoje é diaconisa. Ajuda alguma coisa?» (Morte na Aldeia, Caroline Graham. Tradução de Mário Dias Correia. Alfragide: Asa II, 2013, p. 136).

      E está bem traduzido, pois no original lê-se deaconess. O que não ajuda é os dicionários, como o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, registarem que diaconisa é a «mulher virgem ou viúva que», na Igreja primitiva, «por encargo oficial, se dedicava a obras e assistência e de caridade». Nos dicionários de língua inglesa, lê-se que é, «in the early Church and some modern Churches, a woman with duties similar to those of a deacon».

 

  [Texto 3888]

«À vontade/à-vontade»

Às vezes, em vão

 

 

      «“Na cabeça dele já ganhou as legislativas ou pode ganhá-las, o que era impossível há oito meses ou um ano”, diz o comentador, para explicar este à vontade de Passos. “E se pode ganhar as legislativas [de 2015], pode definir o perfil do candidato que quer apoiar” às presidenciais de Janeiro de 2016» («Marcelo diz que, “sem surpresa”, Passos o quis excluir de candidato a Belém», Maria Lopes, Público, 20.01.2014, p. 13).

      Este é um erro muito comum, que já expliquei por diversas vezes (às vezes, em vão, mesmo a revisores. Lembras-te, S. P.?): nesta frase, não se deveria ter usado a locução adverbial à vontade (sem preocupação; negligentemente), mas sim o substantivo à-vontade (descontracção).

 

  [Texto 3887]

Ortografia: «cata-vento»

É «cata-vento», senhores

 

 

     «Ao procurar definir o perfil desejável de um candidato presidencial, a moção de estratégia de Pedro Passos Coelho ao XXXV Congresso do PSD revela, sem o enunciar, um desejo de mudar a relação de poderes entre governo e presidência. O documento diz que o Presidente “não pode colocar-se contra os partidos ou o Governo como se fosse mais um protagonista político”. Deve ainda evitar “tornar-se numa espécie de catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes” ou ser um “catavento de opiniões erráticas”. Esta última frase foi lida como um veto a Marcelo Rebelo de Sousa, como o próprio comentador reconheceu» («Contratar um presidente», editorial, Público, 20.01.2014, p. 44).

 

  [Texto 3886]