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Linguagista

Léxico: «rajado»

O gato rajado de miado plangente

 

 

    «Ali estava tudo imóvel, excepto um gato cinzento rajado, que se arrastou do borralho para fora e me saudou com um miado plangente» (O Monte dos Vendavais, Emily Brontë. Tradução de Maria Franco e Cabral do Nascimento. Lisboa: Portugália Editora, 1965, p. 32).

    Há quanto tempo não via a palavra «rajado»... O mesmo que «raiado», ou seja, que tem raias ou listas. Deste lado do Atlântico, já está morta e enterrada. Se não fosse o Brasil, onde esta e muitas outras são diariamente revivificadas, estaríamos reduzidos ao português fundamental.

   «Nothing was stirring except a brindled, grey cat, which crept from the ashes, and saluted me with a querulous mew.»

 

  [Texto 3914]

Ortografia: «Liverpul»

Não agora

 

 

      «O patrão tentou explicar o sucedido. Mas estava de facto semimorto de fadiga, e tudo quanto percebi, no meio daquele alarido da senhora, foi que encontrara o pequeno a vaguear sòzinho nas ruas de Liverpul, quase a cair de fome e ainda com mais dificuldade de se fazer entender do que se fosse mudo» (O Monte dos Vendavais, Emily Brontë. Tradução de Maria Franco e Cabral do Nascimento. Lisboa: Portugália Editora, 1965, p. 40).

      Liverpul. Bons tempos em que se podia escrever desta maneira. Agora mandar-nos-iam internar se sugeríssemos tal.

 

  [Texto 3913]

Ortografia: «Hanôver»

Aleluia

 

 

     «O consórcio inclui ainda a Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Centro Laser de Hanôver (LZH, na sigla em alemão) e o Centro de Investigação Espacial Checo, anuncia a LusoSpace em comunicado» («LusoSpace fará laser por três milhões de euros», Teresa Firmino, Público, 23.01.2014, p. 35).

     Afinal, sempre se vão usando estas formas aportuguesadas, e ainda bem. Nos tempos que correm, é espantoso que a jornalista não escrevesse «Laser Zentrum Hannover» ou, ainda pior e como eles gostam, «Laser Center Hannover». Parabéns.

 

  [Texto 3912]

«Uma grama», escrevem eles

Temos de confirmar

 

 

      «Ou, a partir de 500 escudos, uma grama de cocaína. E em quase todos eles existem tags, a versão cabo-verdiana dos gangs, uma invenção de repatriados dos EUA, que aqui reproduzem estilos de vida e de delinquência que são um cliché em tantos países. As novas rotas internacionais do tráfico de droga aproveitaram o remanso cabo-verdiano como ponto de paragem no seu trajecto para a Europa e deixaram as suas consequências e algo mais» («Cabo Verde. E o tráfico de droga criou as “bocas de fumo”», Amílcar Correia, Público, 23.01.2014, p. 32).

      Quem sabe se aquela gramática — que custa 65 euros — editada pela Fundação Calouste Gulbenkian já defende isto. «Os Maia» asseveram eles que está correcto.

 

  [Texto 3911]

Léxico: «levadeiro»

Eles também não

 

 

      «A habitação situa-se a cerca de três quilómetros do local onde a criança foi encontrada. “Estava sentada sobre a feiteira, com frio, a chorar”, conta Manuel Teixeira. Responsável pela distribuição da água da rega na localidade, este levadeiro deslocava-se ao Atalhinho, na companhia de outros colegas de trabalho, para a tarefa rotineira de verificação do curso de água, quando ouviu um choro. Depois, pela indumentária, confirmou a suspeita: “É o pequeno!”» («Autoridades convictas de que criança foi colocada no local onde apareceu», Tolentino de Nóbrega, Público, 23.01.2014, p. 14).

      Não conheciam? O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora também não.

 

  [Texto 3910]

«5º graus Celsius»!

Não é preciso tanto

 

 

      «Com as presentes condições atmosféricas, com temperaturas inferiores a 5º graus Celsius e quase sempre com chuva desde domingo, “era difícil a criança sobreviver sozinha estes dias todos e tinha de estar toda encharcada”, concluiu, considerando todo este caso “muito estranho”» («Autoridades convictas de que criança foi colocada no local onde apareceu», Tolentino de Nóbrega, Público, 23.01.2014, p. 14).

   Pode ser lapso de escrita, sim. E se, ao invés, é convicção? Caro Tolentino de Nóbrega: ou escreve 5 ºCelsius ou 5 graus Celsius (e ainda 5 ºC). Os dois ao mesmo tempo é que não.

 

  [Texto 3909]

Pronúncia de «ruptura»

Como queiram

 

 

     A jornalista Diana Palma Duarte foi ver a peça de William Shakespeare Como Queiras (leiam aqui na folha de sala a esotérica «nota à tradução»), no São Luiz, encenada por Beatriz Batarda. «Por trás do registo cómico, há para ler no subtexto a abordagem de uma sociedade em ruptura.» E articulou quase enfaticamente o p de «ruptura». Anda a ler, está visto, os teóricos do Público. Enfim, pode ser que isso ajude a manter no sítio os cc de «contacto» e de «impacto»; sim, estes já os corrijo em autores e tradutores que lhos decepam: impato, contato. Se estivessem habituados a pensar, já não lhes saía um desconchavo destes.

 

  [Texto 3908]

Léxico: «controleiro»

Ainda têm medo deles

 

 

  «Rafael e um controleiro, o chefe do grupo, foram de carro, transportando todo o equipamento: pistolas, metralhadoras, radiotransmissores, detonadores eléctricos e cargas explosivas. Os outros quatro meteram-se num comboio até Salamanca, onde o grupo voltou a reunir-se» (Os Últimos Presos do Estado Novo: Tortura e Desespero na Véspera do 25 de Abril, Joana Pereira Bastos. Alfragide: Oficina do Livro, 2013, pp. 38-39).

   Parece-me que não está em nenhum dicionário. M’espanto às vezes, outras m’avergonho. Talvez seja melhor pedirem a definição a Pacheco Pereira.

 

  [Texto 3907]