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Linguagista

«Um GNR»

Um tudo-nada estranho

 

      «Coitada, era filha de um guarda-republicano, estava-lhe o mau gosto na massa do sangue» (Explicação dos Pássaros, António Lobo Antunes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 26). É curioso que, na oralidade e na escrita, não se use muito; talvez se use mais «GNR». «Numa dessas noites, estava a mesa formada quando lá apareceu um GNR fardado» (Vida e Mortes de Faustino Cavaco, Faustino Cavaco e Rogério Rodrigues. Lisboa: ER-Heptágono, 1989, p. 168). Não deixa de ser estranho que se use uma sigla para designar um agente. Não por ser em maiúsculas, porque em minúsculas também é estranho: «Uma vez o gajo [Edmundo Pedro] ia num camião com uma carga valiosa: estava cheio de whisky e de tabaco... Um gnr manda-o parar, os gajos não podiam perder a carga...» (Entrevistas a Luiz Pacheco, VV. AA. Lisboa: Tinta-da-China, 2008, p. 212). Mas poucas vezes ouvi «um PSP», e nunca «um PJ». Assim, para os dicionários também tem de ir, pelo menos, GNR na acepção de agente da GNR (como está, por sugestão minha, «pide» no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Claro que às siglas falta o que o acrónimo PIDE tem («nunca um acrónimo se abotoou tão bem à farda», escreve Ana Margarida de Carvalho em Que Importa a Fúria do Mar).

 

[Texto 5559]

A palermice das aspas desnecessárias

Ninguém vê nem pergunta

 

      «Ao todo, 227 prelados foram chamados a Roma para o consistório extraordinário que antecede a entrega, no sábado, dos barretes e anéis cardinalícios a 20 novos “purpurados”, entre eles Manuel Clemente, patriarca de Lisboa desde 2013, e Arlindo Gomes Furtado, bispo de Santiago de Cabo Verde, país que nunca antes tinha tido um cardeal» («Papa pede franqueza e colaboração dos cardeais para a reforma da Cúria», Ana Fonseca Pereira, Público, 13.02.2015, p. 24).

    Ana Fonseca Pereira, para que servem as aspas ali? Se purpurado é o que foi elevado à dignidade de cardeal, que foi o que sucedeu com aqueles vinte prelados, para quê as aspas?

[Texto 5558]

«Metástase/metátese»

São mudanças

 

      A mulher, disse, em Dezembro fez «a PET para ver se ainda tinha metáteses». Não é gralha — é erro, confusão. Metástase vem do grego e significa «mudança de lugar». É usado, pelo menos, em dois sentidos: é o recurso estilístico em que o orador declina de si para outrem a responsabilidade do que afirma; em medicina, é a designação que se dá a cada um dos focos secundários de uma doença, em especial o cancro, disseminados de um foco principal. Já a metátese também vem do grego e significa «transposição, mudança», ou seja, a ideia não difere muito da «mudança de lugar». E, por isso, em medicina é a operação cirúrgica que consiste em mudar de um lugar para outro, onde seja menos nociva, a causa ou sede de uma doença; em filosofia é a transposição dos termos de um raciocínio, do que se deduz uma consequência; e em gramática é o fenómeno fonético que consiste na transposição ou deslocamento de fonemas ou sílabas dentro da mesma palavra (v. g., «enjoar» proveio, por metátese, de «enojar»).

 

[Texto 5556]

Léxico: «raba»

Rabos e rabas

 

       Depois das lampreias, as rabas. Não encontro o termo em nenhum dicionário geral da língua. No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, lê-se que vem de «rábão», o que nos poderia levar a pensar, naturalmente, em rábano, pois aquele é uma espécie de rábano. Contudo, José Pedro Machado cita a Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde, de Francisco da Fonseca Henriques (à venda aqui por 900 euros), que na página 289 informa que «as rabas são huma espécie de nabos, da mesma natureza que elles». É erro em que laboram até mesmo dicionários de transmontanismos.

 

[Texto 5555]

Seis espécies de lampreia

Há escolha

 

      «Há seis espécies de lampreia em Portugal. Até há três anos só eram conhecidas a lampreia-marinha, a lampreia-do-rio e a lampreia-de-riacho. Em 2012, investigadores de Lisboa e Évora descobriram mais três: a lampreia-da-costa-da-prata [Lampreta alvariensis], a lampreia-do-sado [Lampreta lusitanica] e a lampreia-do-nabão [Lampreta auremensis]» («Está aberta a época da lampreia», Luísa Marinho e Sara Chaves, «Tentações»/Sábado, 5-11.2015, p. 16).

 

[Texto 5554]

«Música de câmara»

Por último

 

      «Reflexões sobre as contingências da idade atravessam a novela. Nicole desistiu dos “prazeres da cama” e André conclui: “Ela devolvera-lhe desse modo a liberdade” (sabendo, todavia, que o seu próprio corpo deixara de ser “um presente que se desse a uma mulher”). Rejeitando ambos ser “um casal que continua porque começou”, sentem a progressão do silêncio. Pura música de câmera» («Paris-Moscovo», Eduardo Pitta, «Tentações»/Sábado, 5-11.2015, p. 34).

      Nem sequer, ao que creio, no Brasil, onde todavia se usa muito a variante «câmera», se diz «música de câmera». Emprega-se apenas quando se refere ao aparelho para fotografar ou filmar.

 

[Texto 5553]

Léxico: «badanista»

Também existe

 

      «Por último, lembrar ao autor da badana que Simone de Beauvoir morreu em 1986 e não em 1976.» Assim termina Eduardo Pitta («Paris-Moscovo», «Tentações»/Sábado, 5-11.2015, p. 34) a recensão do livro Mal-Entendido em Moscovo, de Simone de Beauvoir (Quetzal).

      Vê-se muito disto: teve badanista, seja lá quem for, mas esqueceram-se de dar a ver ao revisor. Ah, sim, badanista não está nos dicionários, mas capista, por exemplo, está. Não em todos, contudo: no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é apenas o «clérigo que assiste, revestido de capa, ao capitulante, quando este recita ofício». Mas «badanista», mesmo que com aspas: «Entretanto, agora que vou publicar a Poesia I não terei outro remédio senão recorrer a esse processo, afinal aplicado por todos. (O meu “badanista”, camarada e amigo Costa Dias, saiu da Portugália.)» (Dias Comuns, vol. 1, José Gomes Ferreira. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990, p. 157).

 

[Texto 5552]