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Linguagista

Desconseguir, desaguentar, descabelar...

Vêm de África

 

      «Sentado [Joos De Raeymaeker] numa esplanada da marginal de Luanda, na cervejaria Rialto, diverte-se a falar das diferenças da mesma língua em territórios distintos. Aqui em Angola às vezes “está complicoso”, “há makas” (problemas), pode ouvir-se alguém a dizer “cheguei atrasado “através” [expressão que significa ‘por causa de’] do trânsito”. Em Angola há o verbo calorear (ter calor) e desconseguir (que é quase o mesmo que não conseguir) e a palavra “ainda” pode ser sinónimo de “não”. Já fizeste? Ainda. O seu guia inclui um dicionário do português de Angola» («A história de Joos em Angola começou num quintal do Porto», Catarina Gomes, Público, 28.02.2015, p. 19).

       Podemos encontrar o verbo desconseguir nas obras de Mia Couto, Pepetela, Ondjaki, entre outros. Mas não é apenas usado em Angola. O prefixo des- é um dos mais produtivos e, nos países onde se usa «desconseguir», também encontramos termos como descabelar por «cortar o cabelo»; desaguentar por «não resistir a», etc.

 

[Texto 5614]

Camundongo, caçula, corcunda...

Disparates e preconceitos

 

      Camundongo «palavra brasileira» «inconcebível e inexplicável»? Deixem-me rir. Nem uma coisa nem outra. Como centenas de outras usadas no Brasil (e algumas, menos, em Portugal), vem directamente do quimbundo, ka-mundongo, «ratinho». A partícula ka (ca), empregada para formar diminutivos, temo-la noutras palavras, como caçula, candonga e corcunda (que os nossos dicionários insistem em dizer que é de «origem obscura»), por exemplo.

 

[Texto 5613]

Ortografia: «contraponto»

E revisores, nem vê-los

 

      «Spock era um ser meio vulcano, meio humano, membro da tripulação da USS Entreprise, a nave especial que tinha por missão explorar novos mundos por mandato da Federação dos Planetas. Era o cientista racional para fazer contra ponto ao aventureiro capitão James T. Kirk (William Shatner)» («A vida longa e próspera de Mr. Nimoy», Joana Amaral Cardoso e Marco Vaza, Público, 28.02.2015, p. 28).

       Não parece gralha (como na página 24: «Será uma revolução num reino onde, apesar de ter havido quase sempre um terceiro partido na orla do poder, o sistema era classificado como bipardidário.»), e por isso tem de se dizer: é contraponto. Ou, quem sabe, talvez seja mesmo gralha, pois, mais à frente, lê-se isto, que não pode ser deliberado: «Mas foi ganhando reputação como actor e chegou
 a Star Trek por escolha própria, não como último recurso — podia escolhido ser um leading man numa telenovela, mas preferiu arriscar numa série de ficção científica sem garantia que desse alguma coisa.» E um pouco mais à frente: «“Amava-o como a um irmão. Vamos todos sentir falta do seu talento, do seu humor e da sua capacidade para amar”, escreveu no Twitter William Shatner, aquele que mais vez esteve em cena com Nimoy.»

 

[Texto 5612]

Normalistas mexicanos

Isto não é normal

 

      «Na cadeia institucional, Murillo Karam era o elo mais fraco: o seu infeliz desabafo no final de uma tensa conferência de imprensa sobre o caso dos normalistas — “Cansei-me” — fora recuperado como a palavra de ordem dos protestos antigovernamentais. “Cansamo-nos da violência, da corrupção, da injustiça”, repetiram os manifestantes em marchas sucessivas, atirando a popularidade do Governo de Peña Nieto para o mínimo histórico» («O México prendeu o narcotraficante La Tuta, o seu inimigo n.º 1», Rita Siza, Público, 28.02.2015, p. 26).

      Quase por milagre, o vocábulo «normalista» ainda se mantém em alguns dicionários, como no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «aluno de uma das antigas Escolas Normais, mais tarde chamadas Escolas do Magistério Primário». Acontece, porém, que as do artigo são no México, e com algumas particularidades: são rurais e dirigidas para filhos de camponeses ou de famílias muito pobres. Poucos serão os leitores que sabem do que se trata, e por isso a opção (por dificuldade de tradução?) da jornalista foi errada. Infelizmente, estes deslizes nunca vão para a secção «O Público errou».

 

[Texto 5611]

«A questão foi recolocada»

Uma espécie de português

 

     «O PÚBLICO perguntou também ao primeiro-ministro se “tinha conhecimento de que o facto de estar colectado como trabalhador independente o obrigava a pagar mensalmente uma contribuição à Segurança Social desde a data em que deixou a Assembleia da República, em Outubro de 1999”. Na primeira resposta, nada foi transmitido sobre esta matéria, razão pela qual a questão foi recolocada. Na nova resposta, lê-se apenas: “Quanto ao mais, o primeiro-ministro já prestou as informações detalhadas que entendeu oportunas.”» («Passos não pagou à Segurança Social durante cinco anos», José António Cerejo, Público, 28.02.2015, p. 3).

    Como se vê, erram e escrevem mal, mas são coerentes: se «colocam questões», «recolocam questões».

 

[Texto 5610]